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{ GRANDES PERSONAGENS BRASILEIROS }

Benjamin Constant e o ideário positivista no meio militar

Historiador Antonio Paim escreve sobre o homem que foi ministro da Guerra no governo de Deodoro da Fonseca e que difundiu o positivismo entre os jovens oficiais do Exército.

 

Antonio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático

 

 

Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891) seguiu a carreira militar, tendo se formado no curso de engenharia que se ministrava na Real Academia Militar. A instituição foi criada em 1811, no período em que a Corte portuguesa se transferiu para o Rio de Janeiro.

O conhecido educador Laerte Ramos de Carvalho (1922-1972) teria oportunidade de afirmar que essa instituição não se limitaria a promover a reorganização dos estudos militares, correspondendo “a arrojado e esclarecido empreendimento”, desde que lhe coube a missão de sistematizar o estudo da matemática e das ciências físicas, estruturando um núcleo destinado a acompanhar a evolução de tais estudos na Europa.

Na década de 1850, o governo consagrou a situação que se configuraria, na prática, no ensino da Real Academia, que formava não apenas militares, mas igualmente engenheiros e outros quadros técnicos. Desmembrou-a em dois estabelecimentos: o ensino militar, transferido para a Praia Vermelha, naquele que ficou conhecido como Escola Militar; e o ensino de matemática, ciências físicas e naturais e engenharia, aberto tanto a militares como a civis, com a denominação de Escola Central. Essa última passaria a chamar-se Escola Politécnica, em 1874.

Benjamin Constant tornar-se-ia professor da Escola Militar. Seu magistério introduziu inflexão prenhe de consequências. Na Real Academia Militar, Augusto Comte (1798-1857) era conhecido como matemático e historiador da ciência. Benjamin Constant incumbiu-se de dar conhecimento de sua doutrina sociológica. Embora não desse demonstração de que simpatizava com soluções autoritárias para a República, os militares que ocuparam a cena logo deixaram claro sua opção por uma franca ditadura.

Faria parte do governo provisório, constituído a 15 de novembro, chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Ocupava o Ministério da Guerra. Da representação republicana, recrutada entre os civis (Quintino Bocaiúva, Campos Sales e Rui Barbosa), somente o último nutria de fato firmes convicções liberais. Ainda assim, remava abertamente contra a maré.

É sintomático do quadro instaurado no País o fato seguinte: Rui Barbosa lutava isoladamente pela convocação de eleições para a Assembleia Constituinte, evidenciando a cada passo a impossibilidade de governar com base na legislação herdada do Império. Para revogá-la, argumentava, era imprescindível colocar algo em seu lugar. Deodoro relutava. Nessa altura, incompatibilizado com a instituição que oficialmente representava o positivismo caboclo – a Igreja Positivista, então chefiada por Miguel Lemos (1854-1917) –, Benjamin Constant decidiu-se por consultar o Apóstolo Chefe em Paris: Pierre Laftitte (1823-1903). Este aquiesceria com a convocação da Constituinte em razão do que o Ministro da Guerra decide-se por apoiar a Rui Barbosa. O incidente está documentado na História do Positivismo no Brasil (1964), de Ivan Lins (1904-1975), que transcreve a correspondência, a esse propósito, entre as duas personalidades.

Permaneceria como Ministro da Guerra apenas durante o primeiro ano do governo provisório. Seria transferido para o Ministério da Instrução Pública, onde deixaria marca definitiva. Abandonaria o governo em 1891, ao que se acredita descontente com o rumo dos acontecimentos, notadamente a incapacidade de lograr a estabilidade política.

A presença dos positivistas no primeiro governo seria assinalada, sobretudo, pela separação entre a Igreja e o Estado, embora se tratasse de uma aspiração generalizada entre os intelectuais. Outra circunstância, menos relevante, mas igualmente duradoura, seria a inscrição “ordem e progresso” na bandeira nacional.

Caberia a Benjamin Constant promover uma reforma no ensino que iria marcar em definitivo o sistema educacional brasileiro, abrangendo os níveis primário e secundário. A par disto, interditaram a organização da Universidade, interdição que duraria até os começos da década de 1930.

Na verdade, tanto a reforma como toda a pregação de Benjamin Constant não correspondiam a nenhuma novidade, significando de fato a retomada da tradição pombalina. Como foi referido, o legado pombalino seria preservado na Real Academia Militar. A adesão às doutrinas de Comte, de parte da liderança da Real Academia Militar, deu-se no estrito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, isto é, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta confrontar as funções a que Comte destinava a força armada e o papel que Benjamin Constant passa a atribuir ao Exército.

Augusto Comte entendia que as forças armadas deveriam ser transformadas em simples milícias cívicas, destinadas ao policiamento das cidades e do interior. Em vão, os membros do Apostolado iriam lembrar a pretensa incompatibilidade entre o positivismo e qualquer forma de militarismo. Na pregação de Benjamim Constant, a elite militar tornava-se mais que simples porta-voz da Nação. Na justificativa da reforma do ensino militar, teria oportunidade de afirmar: “O soldado deve ser, de hoje em diante, o cidadão armado, corporificação da honra nacional e importante cooperador do progresso com garantia da ordem e da paz públicas, apoio inteligente e bem intencionado das instituições republicanas, jamais instrumento servil e maleável por uma obediência passiva e inconsciente que rebaixa o caráter, aniquila o estímulo e abate o moral”.

Mais que isto, ao Exército estaria reservado o papel de autêntica vanguarda na conquista do estado positivo, conforme se pode ver dos trechos adiante transcritos da Ordem do Dia que torna pública quando de seu afastamento da pasta da Guerra:

“A boa ordem, a disciplina e a fraternal convivência que reinaram em suas fileiras, o inexcedível heroísmo com que se houve em tantas campanhas em prol da integridade e da honra da pátria, onde as suas armas sempre vencedoras traçaram as mais brilhantes e honrosas páginas da nossa história, são inolvidáveis provas do quanto deve a nação brasileira ao seu patriótico exército…”

“Um exército enfim que, correspondendo às legítimas aspirações nacionais, instalou e firmou para sempre, em sólidas e largas bases, a República no seio da pátria por meio de uma revolução eminentemente pacífica e humanitária, que recomendou eficazmente a nação brasileira no respeito e a admiração de todos os povos cultos; que se assinalou nos fatos da História da Humanidade como um exemplo único edificante e para sempre memorável e digno da eterna glorificação dos séculos e das bênçãos da humanidade, soube elevar-se nobremente sublime missão social e política, reservada aos exércitos modernos que de acordo com os sãos preceitos da ciência real que deve inspirar e guiar a sua conduta, mais pacífica do que guerreira, mais humanitária do que nacional. É que eles obedecem consciente ou inconscientemente na sua índole, organização e nos seus destinos a leis imperturbáveis reguladoras da evolução geral do progresso humano que tende inevitável e progressivamente para o feliz regime final – industrial e pacífico – resultante do fraternal congraçamento dos povos. Para ele caminham mais rapidamente do que todos os outros, como é forçoso e grato reconhecê-lo, os povos americanos de modo ainda mais acentuado o nobre e generoso povo brasileiro, sempre predisposto a sacrificar dignamente o seu egoísmo nacional ao largo e fecundo amor universal. A orientação dominante nos povos e nos exércitos americanos dá-nos ligeira esperança de que aquele sublime ideal do verdadeiro progresso humano se transformará em futuro não muito remoto em grata e feliz realidade. Para ele concorrerá poderosamente o .exército brasileiro a que me orgulho pertencer.”

Essa atribuição de tais funções ao Exército explica, em grande medida, a ingerência militar na política ao longo do período republicano. É certo que, em muitas dessas circunstâncias, acabaria prevalecendo o segmento interessado na profissionalização.

Benjamin Constant Botelho de Magalhães faleceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, a 22 de janeiro de 1891, antes portanto da promulgação da Constituição, que se daria a 24 de fevereiro.


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