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{ GRANDES PERSONAGENS BRASILEIROS }

Antonio Paim: ‘Lindolfo Collor e a organização sindical’

Historiador Antonio Paim escreve sobre o homem que introduziu a tutela do movimento trabalhista pelo Estado.

 

 

Antonio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático

 

Lindolfo Collor pertenceu à primeira geração nascida dos colonos alemães que vieram para o Rio Grande do Sul na segunda metade do século XIX. Estudou no Seminário Presbiteriano existente na cidade do Rio Grande, mas não seguiu carreira eclesiástica. Concluiu o curso de farmácia, mas não chegou a exercer a profissão. Fixou residência em Bagé, dedicando-se ao jornalismo.

Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1911, aos 21 anos de idade. Conseguiu trabalho num dos principais jornais da cidade e aproximou-se de Pinheiro Machado. Por essa via, regressou ao Rio Grande do Sul em 1919, para assumir a direção do jornal A Federação. Criado por Júlio de Castilhos, viria a ser o órgão oficial do governo. Na nova condição, Collor chegou a ser reconhecido como proeminente teórico do castilhismo, destacando-se entre aqueles que compunham o que Ricardo Vélez denominaria de segunda geração, liderada por Getúlio Vargas. A primeira geração seria formada pelo próprio Castilhos, por Borges de Medeiros e Pinheiro Machado.

A partir de 1923 integrou a bancada gaúcha na Câmara dos Deputados. Com a ascensão dos castilhistas ao poder federal, graças à Revolução de 1930, Vargas entregou-lhe o Ministério do Trabalho, instituição que iria figurar entre as primeiras criações do governo provisório. Tal ocorreria antes de completar o primeiro mês de exercício do poder. O decreto está datado de 26 de novembro de 1930.

A perspectiva que norteou a ingerência oficial na organização trabalhista seria a positivista. Augusto Comte postulara que, entre outras, a missão do “estado positivo” (leia-se “estado final”) – seria proceder à “incorporação do proletariado à sociedade moderna”. Tratava-se de tutelar o movimento operário. Nos seus pronunciamentos relacionados ao tema, Lindolfo Collor expressaria com clareza esse propósito.

Na exposição de motivos que torna o sindicato um apêndice do Estado, explicita que essas organizações devem servir de para-choque nas relações entre o capital e o trabalho, objetivando “um resultado apreciável na justa e necessária conjugação dos interesses patronais e proletários.” Assim, prossegue, uma vez incorporados ao Estado, os sindicatos deixavam a órbita do direito privado e ingressavam na área do direito público, dependendo sua existência do reconhecimento do Ministério do Trabalho.

Lindolfo Collor (centro), procurou manter-se fiel ao castilhismo, deixando clara essa opção em livro publicado em 1936

O objetivo maior consistia em reduzir a questão salarial – ponta de lança da conflituosa questão trabalhista – gradativamente a mecanismos técnicos, primeiro concebendo uma legislação abrangente e, depois, organizando a Justiça do Trabalho. Os sindicatos passariam a se constituir em peças dessa engrenagem. Colocando-se como árbitro entre trabalhadores e patrões, o governo tornava-se uma referência diferenciada. Aplicando essa regra às diversas esferas sociais, Vargas apresentava-se como o grande conciliador entre as partes em disputa. Assim, dada a radicalização crescente vivenciada pelo País, criava ambiente propício ao golpe de novembro de 1937.

Esse mecanismo, no tocante aos sindicatos, foi analisado com perspicácia e profundidade por Evaristo de Moraes Filho (1914/2016). Observa, desde logo:

“Quando eclodiu a 3 de outubro, encontrou a revolução em vigor cerca de uma dúzia de leis trabalhistas; numerosos projetos de leis no Congresso Nacional, inclusive um Código de Trabalho; a reforma constitucional de 1926, dando competência privativa e expressa à União para legislar sobre o trabalho; o Brasil já filiado à OIT (Organização Internacional do Trabalho) desde sua fundação; a Comissão de Legislação Social, na Câmara, desde 1918. Grande era o número de entidades sindicais, com as mais variadas e às vezes pitorescas denominações. O movimento social, mormente a partir de 1917, era intenso e atuante, com greves, violências, reivindicações, expulsão de líderes estrangeiros e prisões de toda ordem. Funcionavam ou haviam funcionado os Partidos Comunista e Socialista, com publicações próprias e representantes no Congresso. Da agitação participavam intelectuais, jornalistas, escritores e professores, com decididas tomadas de posição, revolucionárias ou reacionárias, mas tudo significando vida e presença.

Não foi um país morto e parado que o movimento de 1930 surpreendeu, muito pelo contrário”. (Sindicato e sindicalismo no Brasil desde 1930. In As tendências atuais do direito público. Rio de Janeiro, Forense, 1976, p. 191/192.)

Vargas criaria o Ministério que estamos considerando justamente para promover, no que respeita ao trabalho, a exemplo do que fazia na educação e em matéria de política econômica, o entendimento eminentemente técnico do tema. Pode-se dizer que, numa certa medida, a intenção era análoga no que respeita à organização sindical, tanto que a legislação pertinente seria encomendada a dois conhecidos lutadores em prol do reconhecimento da magnitude da questão social: Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta.

Numa certa medida, porquanto aqui o comtismo deixaria indicações expressas, a famosa “incorporação do proletariado à sociedade moderna” que iria cunhar o encaminhamento desse problema num sentido eminentemente paternalista. Evaristo de Moraes Filho observa que, na antes mencionada exposição de motivos do decreto que disciplina a organização sindical, da lavra de Lindolfo Collor, não falta sequer uma citação de Comte: “Guiados por essa doutrina, nós saímos fatalmente do empirismo individualista, desordenado e estéril, que começou a bater em retirada há quase meio século, para ingressarmos no mundo da cooperação social, em que as classes interdependem uma das outras e em que a ideia de progresso está subordinada à noção fundamental da ordem”.

Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta nutriam-se de outras inspirações, como assinala Evaristo de Moraes Filho:

“Socialistas ambos, democratas, por uma sociedade aberta e pluralista, levaram para a norma jurídica a experiência acumulada ao longo dos anos. Pensavam que havia chegado o momento da vitória final, fazendo do Estado o aval e a garantia das reivindicações dos trabalhadores. De um sindicalismo de oposição, procuraram instituir um sindicalismo de controle, integrando o sindicato no Estado, não vendo neles rivais de soberania, mas, antes, aliados no encaminhamento da longa e ampla reforma social que se iniciava.” (Texto citado, obra citada, p. 195).

Constituindo pessoas jurídicas de direito público, revestiram-se da condição de “delegado do Estado, incumbido de funções especiais do Estado e, em consequência, condicionado, controlado, fiscalizado e mesmo orientado pelo Estado”.

De posse do controle dos sindicatos, o Estado acabaria reduzindo a questão salarial a uma fórmula, para ser discutida e negociada em termos eminentemente técnicos. Os demais reclamos da questão social seriam paulatinamente enquadrados no mesmo espírito, sob o manto protetor da Justiça do Trabalho.

A solução ensejada por Getúlio Vargas, na prática, conseguiu perpetuar-se. Daí essa apreciação conclusiva de Evaristo de Moraes Filho:

“As tendências atuais manifestam-se no mesmo sentido. O sindicato mantém-se associado do Estado, delegado de algumas de suas funções, seu órgão técnico e consultivo, jurando e cumprindo fidelidade ao regime. Participando, não como órgão de luta e de oposição, nos organismos técnicos, administrativos e judiciários do Estado, vive da contribuição compulsória cobrada pelo Estado a todos os integrantes da categoria, exercentes de qualquer atividade privada remunerada. O índice de sindicalização é diminuto, decidindo-se matérias da maior relevância, tais como convenção ou dissídio coletivo, com o número mínimo exigido por lei, e, ainda assim, em segunda ou posteriores convocações. Nunca tivemos, nem temos a tão apregoada sindicalização em massa. O peleguismo continua, mas não raro com antigas e tradicionais figuras dos quadros sindicais brasileiros”.

Essa opinião do eminente mestre, emitida em 1976, poderia ser repetida até 2017, quando se logrou aprovar no Congresso uma nova lei, promovendo a efetiva modernização das relações no âmbito do trabalho. As dificuldades surgidas para a sua implementação evidenciam como se tornou uma tradição arraigada, depois de cerca de 90 anos de existência.

No que se refere a Lindolfo Collor, parecia entender que, em matéria de organização política, o País não podia prescindir do Parlamento e de outras instituições suprimidas pelo sistema castilhista implantado no Rio Grande do Sul. Ao tempo em que dirigiu A Federação, limitava-se a cultuar a herança teórica de Castilhos, sem se envolver diretamente na manutenção das estruturas da republica positivista ali vigente.

Em 1932, quando a liderança de Vargas no cenário político apenas se iniciava, radicalizava-se a diferenciação entre as forças que desejavam fosse saneado o espúrio processo eleitoral vigente na República Velha, a partir do que se convocassem eleições gerais no país e os “tenentes” que preconizavam abertamente governo ditatorial.

Sentindo que a balança se inclinava para essa facção, os partidários da reconstitucionalização demitiram-se do governo. Lindolfo Collor os acompanha. Amadurece nesse grupo a disposição de recorrer às armas. Atuantes em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, marcharam para a chamada Revolução Constitucionalista naquele mesmo ano de 1932. Deflagrada a 9 de julho, somente em São Paulo se revestiu de maior expressão. Logo seriam esmagados. Os paulistas renderam-se a 2 de outubro daquele ano.

Começou para Lindolfo Collor um período de sucessivos exílios, o primeiro dos quais ainda em 1932. Regressou ao Brasil após a promulgação da Constituição de 1934, a que se seguiu decretação de anistia. No Rio Grande formou-se um governo de coalizão do qual participou. Essa unidade seria, entretanto, quebrada no curso da campanha eleitoral de 1937.

Com o golpe de novembro de 1937 e a instauração do Estado Novo, acabou sendo novamente preso e exilado. Vargas concordou com seu retorno em fins de 1941, com o compromisso de não se envolver em política. Como tal não se deu, voltou à prisão.

Tinha na época saúde precária, o que o teria impedido de exilar-se mais uma vez. Veio a falecer em setembro de 1942.

Em que pese os atritos com a liderança de Vargas, Collor procurou manter-se fiel ao castilhismo, deixando clara essa opção em livro publicado em 1936 (Discursos e manifestos). No período da campanha eleitoral do ano seguinte fundou o Partido Republicano Castilhista, sob a alegação de que se tratava de “modernizar o programa republicano”.

Assim, embora nutrisse divergências com Vargas, seria o artífice de uma das reformas duradouras, que sobreviveria à Revolução de 1930: a trabalhista. Nos grandes períodos históricos subsequentes ao Estado Novo (interregno democrático de 1945 a 1964; governos militares de 1964 a 1985 e o atual pós-abertura), os sindicatos permaneceram tutelados pelo Estado, sustentados por impostos.

No que respeita à oportunidade desprezada de seguir-se outro caminho na institucionalização do movimento sindical, esse tema seria retomado por Arsenio Eduardo Corrêa (no livro Primórdios da questão social no Brasil; Campinas, Ed. Cedet, 2016) onde identifica as fontes teóricas de sua inspiração, recomendando-se aos que se interessem por seu aprofundamento.


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