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{ GRANDES PERSONAGENS BRASILEIROS }

Silvestre Pinheiro Ferreira – um mestre para a elite do século 19

Ele desempenhou papel-chave no ordenamento institucional propiciado pelo Regresso, isto é, o movimento ocorrido no início dos anos quarenta, a partir do qual tem início de fato a construção das instituições do governo representativo no Brasil.

Silvestre Pinheiro Ferreira

 

 

 

Antônio Paim, historiador das ideias, pensador da Cultura Brasileira e assessor da Fundação Espaço Democrático

 

 

Português de nascimento, tendo vindo para o Brasil em decorrência da mudança da Corte, Silvestre Pinheiro Ferreira desempenharia papel-chave no ordenamento institucional propiciado pelo Regresso, isto é, do movimento ocorrido no início dos anos quarenta, a partir do qual tem início de fato a construção das instituições do governo representativo no Brasil. Essa circunstância advém do fato de que estabeleceu sólidos vínculos com muitas das personalidades que viriam a assumir os destinos do País. Tendo permanecido no Rio de Janeiro cerca de onze anos, manteve um curso de cultura geral. Sua hipótese era a de que a experiência de governo representativo, que vinha sendo implementada no continente europeu, em meio a graves dificuldades, somente tornar-se-ia compreensível a partir da consideração do conjunto das novidades suscitadas pela Época Moderna.

Entendia, também, que dado o papel destacado da ciência nesse conjunto, era imprescindível partir da reviravolta que o seu surgimento provocara na teoria tradicional do conhecimento, ligada a Aristóteles. Em Portugal, chegou-se a dizer que “era de fé” a tese aristotélica da existência de formas substanciais e acidentais. Essa tese vinculava-se à Contra Reforma e à necessidade de reivindicar o papel da Igreja, negada pelos protestantes. Em contrapartida, com a emergência de Pombal, passou-se para o extremo oposto, negando qualquer validade à obra de Aristóteles.

O curso que ministrou no Rio de Janeiro, ao ser editado, mereceria o nome de Preleções Filosóficas. Mais tarde, notabilizar-se-ia por ter se tornado chefe do governo de D. João VI, regressando a Portugal com a Corte e assumindo a responsabilidade de representar a moderação no processo de transição para a monarquia representativa. Inexistindo clima para a moderação, exilou-se em Paris, onde dedicar-se-ia exclusivamente à complementação de sua obra teórica. Desta vez ocupar-se-ia de estruturar a doutrina liberal, então denominada de “direito constitucional”.

Ao longo de toda essa fase final, manteve os vínculos que estabelecera com os brasileiros, agora tendo assumido os destinos do país. Atuou, portanto, como conselheiro, dispondo de enorme audiência. O seu grande feito iria consistir em ter familiarizado a corrente moderada, em formação, com a doutrina da representação como sendo de interesses. Insistiu na necessidade de identificá-los e tratar de organizar a sua representação no Parlamento. Este teria que ser entendido como o local da negociação, com a incumbência de por termo à luta armada que grassava tanto no Brasil como em Portugal.

Dados biográficos – Silvestre Pinheiro Ferreira nasceu a 31 de dezembro de 1769, em Lisboa. A família destinou-o à vida eclesiástica, fazendo-o ingressar na Ordem do Oratório, em 1783, aos 14 anos de idade. Permaneceu no Oratório durante cerca de dez anos e ali recebeu sua formação intelectual.

Na Ordem, a influência de Verney (Luiz Antonio Verney, 1713-1792) — o crítico do ensino escolástico — haveria de ser muito presente, desde que até a sua morte faria divulgar sucessivos textos, dando sequência ao programa formulado no Verdadeiro Método de Estudar (1746-1747). Assim, os horizontes filosóficos deveriam ser fixados pela doutrina filosófica batizada de empirismo mitigado, obra do próprio Verney e do filósofo italiano Antonio Genovesi (1713-1769). Silvestre Pinheiro Ferreira iria chocar-se com essa doutrina dominante, o que o levaria, primeiro, a abandonar o projeto eclesiástico, e, pouco mais tarde, segundo se mencionará, a emigrar de Portugal. Afastando-se do seminário, ministrou aulas particulares em Lisboa, mas logo (1794) obteve por concurso, na Universidade de Coimbra, o lugar de lente substituto da cadeira de filosofia racional e moral do Colégio das Artes.

Na nova situação, buscou aprofundar a crítica ao sistema filosófico vigente. Semelhante iniciativa não foi bem aceita pela comunidade, que o denunciou às autoridades. Ameaçado de prisão, foge de Portugal, embarcando clandestinamente em Setúbal, a 31 de julho de 1797. Tinha, portanto, menos de 30 anos. No exílio, Silvestre Pinheiro Ferreira estabeleceu relações com Antônio de Araújo, futuro conde de Barca, ministro de Portugal em Haia, pessoa de influência ascendente e que iria introduzi-lo na carreira diplomática. Assim, foi secretário interino da Embaixada em Paris, a seguir, secretário da Legação na Holanda (1798) e, depois (1802), encarregado de negócios na Corte de Berlim.

A permanência na Alemanha prolongou-se até 1810. Acompanhou de perto o movimento idealista pós-kantiano, tendo assistido a conferências ou debates com a presença, entre outros, de Fichte e Schelling. Suas simpatias, contudo, eram todas para o sistema Wolf-Leibniz que, naquela oportunidade, ainda contaria com a adesão da maioria das universidades.
Regressou diretamente para o Brasil, em 1810, quando a Corte já se achava sedimentada. Cercava-o, então, a fama de erudito e liberal, que a posteridade comprovaria não ser imerecida, mas que lhe acarretaria inúmeros dissabores.

No Rio de Janeiro, Silvestre Pinheiro Ferreira volta à condição de professor de filosofia. Seu magistério contribuiu decisivamente para eliminar a influência da teoria do conhecimento posta em circulação – denominada empirismo mitigado. A experiência brasileira comprovaria que esse sistema acabou se combinando com o democratismo. Assim, sem minar seus fundamentos últimos e sem a formulação de novos elementos teóricos, não teria sido possível o ulterior predomínio dos moderados.

A Corte o prestigiava ou hostilizava segundo a maré montante do liberalismo. Com a Revolução Constitucionalista do Porto (1820) e sua repercussão no Brasil, decide o Monarca entregar a chefia do governo a Silvestre Pinheiro Ferreira. Nessa condição, acompanha a Corte no seu regresso a Portugal. O clima vigente em Portugal não era, entretanto, de molde a facilitar a transição da monarquia absoluta para a constitucional. Nas Cortes, predominavam os partidários do democratismo, que resistiam a praticar a monarquia constitucional, o que, por sua vez, açulava o elemento restaurador. Diante da crescente ascendência desse último grupo – liderado por D. Miguel – Silvestre Pinheiro Ferreira não se sente em condições de manter-se no posto. Abandona o governo e exila-se na capital francesa. Ali permaneceria até o início da década de quarenta. Tendo sido, pela terceira vez, eleito deputado, em 1842, decide-se afinal por regressar a Portugal. Tinha então 73 anos, saúde debilitada, supondo-se que haja na verdade optado por morrer em solo pátrio. E, com efeito, menos de três anos depois, viria a falecer, a 2 de julho de 1846.

Obra teórica – Durante a longa estada parisiense, cerca de vinte anos, Silvestre Pinheiro Ferreira elaborou extensa obra de filósofo e publicista político. Comentou e criticou à exaustão as Constituições brasileira e portuguesa, discutiu em detalhes os problemas da doutrina liberal e, em 1834, publicou a síntese de suas ideias no manual do cidadão em um governo representativo, em três tornos, que ora se reedita pelo Senado.

No entender de Silvestre Pinheiro Ferreira, o direito constitucional, como então se denominava o liberalismo político, se encaixava num amplo sistema filosófico cuja concepção seria obra do período brasileiro. Como naquela oportunidade não pôde dedicar-se a apresentá-lo por escrito, o que só em parte se efetiva em Preleções filosóficas – publicação que reúne o material do curso ministrado no Rio de Janeiro –, em Paris cuidou de fazê-lo em Essai sur la psychologie (1826) que mais tarde (1836 e 1839) resumiria, em forma de compêndio, na obra Noções elementares de filosofia geral e aplicadas às ciências morais e políticas: Ontologia; Psicologia e Ideologia (1839).


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