Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
O governo federal acaba de publicar os dados criminais de dezembro de 2002, permitindo-nos fazer um balanço das tendências criminais nacionais. Informações mensais para nove tipos de crime estão disponíveis on-line, por mês e por unidade federativa, para quem tiver interesse em fazer outras análises.
Não obstante problemas pontuais de qualidade dos dados para determinados indicadores, meses e Estados, de modo geral a base permite tecer diversas observações sobre a criminalidade nacional recente, em termos de magnitude e tendências.
A tabela abaixo traz os números absolutos para cada um dos indicadores por ano:
Os estupros fecharam 2022 com 58.087 casos, o maior número da série que tem início em 2015. A tendência de crescimento vem desde 2015 e só foi interrompida temporariamente nos dois anos de pandemia – 2020 e 2021 – retornando à média em 2022. Cabe lembrar que estupros são altamente subnotificados e é difícil saber se se trata de crescimento do fenômeno ou da notificação, sem uma pesquisa de vitimização. Todas as regiões seguem a mesma tendência.
O pico dos homicídios dolosos ocorre em 2017, com 53.381 casos, e nos dois anos seguintes observamos uma forte queda, caindo para 37.847 casos em 2019. Durante a pandemia vimos um aumento do número de casos em 2020, com 40.470 casos. O ano de 2022 fechou com 37.439 homicídios dolosos (39.090 vítimas), uma estabilização nos patamares pré-pandemia (2019). A taxa de homicídios nacional ficou em torno de 18:100 mil, com as maiores taxas observadas em Pernambuco, Alagoas e Bahia e as menores em Santa Catarina, Distrito Federal e São Paulo.
As tentativas de homicídio chegam ao auge em 2015, com 43.037 casos. e seguem em queda até 2021, quando atingem 30.799 casos. Observa-se um ligeiro crescimento em 2002, que terminou com 31.089 casos, demonstrando estabilidade nos últimos três anos.
As lesões corporais seguidas de morte também tiveram o pico em 2017, com 997 casos. Desde então apresentam tendência de queda – acirrada durante 2021. Apesar do “retorno à média” em 2022, observamos a continuidade da tendência de queda. Por algum motivo – provavelmente cultura local de registro – Rio Grande do Norte concentra 19% das lesões corporais seguidas de morte no País e acaba por influenciar desproporcionalmente a tendência.
Os furtos de veículos atingem o auge em 2016, com 278.923 casos. A partir desde ano iniciam uma trajetória de queda – acirrada durante os dois anos de pandemia. Em 2022, observamos a aparente interrupção da trajetória de queda: foram 219.548 casos, praticamente o mesmo número de 2019, pré-pandemia. São Paulo concentra 40,3% dos furtos de veículos no País e influencia bastante a tendência nacional.
Os roubos de veículos, por sua vez, têm o ápice em 2017, com 276.707 casos, e iniciam trajetória de queda nos anos seguintes – em especial durante a pandemia em 2020 e 2021. Em 2022, fechamos com 141.227 casos, número maior do que durante a pandemia, mas menor do que em 2019. Assim, diferente dos furtos, vemos uma continuidade na trajetória de queda.
Os roubos seguidos de morte – latrocínios – tem pico em 2017, quando atingem 2.416 casos. A partir dai iniciam tendência de queda. No ano passado tivemos nacionalmente 1.188 casos de latrocínio, o menor número da série, o que sugere uma continuidade da tendência de queda.
Com relação aos crimes organizados – roubo de carga e instituições financeiras – observamos que o primeiro tem pico também em 2017, com 25.754 casos, número que cai praticamente pela metade durante a pandemia. Fechamos 2022 com 13.089 roubos de carga no País – concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro (83% dos casos) – revelando uma estabilidade em torno deste patamar nos últimos três anos.
Em 2015, foram registrados 1.271 roubos à instituição financeira enquanto em 2022 foram registrados apenas 245 casos, o menor número da série histórica, sugerindo a continuidade da intensa tendência de queda.
De modo geral, a criminalidade chegou ao auge no País por volta de 2017 e acreditamos que, entre os fatores, a recessão do período de 2014 a 2016 tenha contribuído para isso. A partir de então vemos o surgimento de um ciclo de queda – que foi acirrado durante a pandemia em 2020 e 2021. Com a retomada das atividades sociais e econômicas em 2022, presenciamos diferentes trajetórias, dependendo do tipo de indicador: enquanto os estupros continuam subindo, os demais crimes apresentam estabilidade com os níveis pré-pandêmicos ou continuidade das trajetórias de queda. Resumidamente:
- Estupro continua em trajetória de alta.
- Homicídio doloso estabilizou nos patamares de 2019.
- Tentativa de homicídio estabilizou nos patamares de 2020.
- Lesão corporal seguida de morte continua em trajetória de queda.
- Furto de veículos estabilizou nos patamares de 2019.
- Roubo a instituição financeira continua em trajetória de queda.
- Roubo de carga estabilizou nos patamares de 2020.
- Roubo de veículos estabilizou nos patamares de 2020.
- Roubo seguido de morte continua em trajetória de queda.
A intenção aqui não é avançar em interpretações sobre cada um dos fenômenos, mas apenas comentar as tendências gerais, aproveitando o fechamento dos dados anuais. Ressalto apenas que os movimentos observados tendem a ser generalizados por todos os Estados e coincidentes no tempo, o que leva a crer que fatores gerais (demografia, economia), estão por traz das tendências em curso.
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