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{ ARTIGO }

Lula e Bolsonaro não são equivalentes

Tratar como semelhantes aqueles que, em graus distintos, respeitam ou subvertem as instituições, enfraquece nossa própria capacidade de distinguir o democrático do autoritário, escreve Rogério Schmitt

Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum  

Nos últimos anos, tornou-se comum, em certos círculos do debate público, a tentativa de equiparar Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro como expressões simétricas de polos opostos de uma mesma polarização. Essa leitura, embora sedutora em sua aparência de neutralidade, incorre num erro conceitual e histórico. A democracia não se sustenta apenas pela alternância entre “dois extremos”, mas pela preservação de um núcleo mínimo de respeito às regras do jogo. E é justamente nesse ponto que a equivalência entre Lula e Bolsonaro se desfaz: um deles disputou o poder dentro das regras; o outro, em momentos críticos, as ameaçou.

Lula é, evidentemente, um político com forte carga ideológica e um estilo personalista. Sua trajetória está marcada por tensões entre pragmatismo e militância, e por episódios de desvio ético que não podem ser ignorados. No entanto, ao longo de duas décadas de protagonismo nacional, ele operou — com maior ou menor convicção — dentro do marco institucional brasileiro. Respeitou resultados eleitorais, dialogou com forças diversas no Congresso e aceitou, ainda que a contragosto, as limitações impostas por instituições independentes. O lulismo, com todos os seus defeitos, sempre funcionou como uma força de dentro do sistema.

Bolsonaro, por sua vez, emergiu politicamente a partir de uma lógica distinta. Seu projeto nunca foi o de aperfeiçoar o sistema, mas o de desacreditá-lo. Sua narrativa central construiu-se sobre a ideia de que o “sistema” — Congresso, Supremo, imprensa, partidos — seria essencialmente corrupto e ilegítimo. Essa retórica, que pode render dividendos eleitorais no curto prazo, é corrosiva no longo prazo, pois mina a confiança coletiva que sustenta as instituições democráticas. O resultado foi a tentativa de transformar adversários em inimigos e a recusa em aceitar as regras básicas do pluralismo político.

A democracia brasileira, ainda jovem e imperfeita, não sobrevive à erosão simultânea de seus dois pilares: legitimidade eleitoral e respeito institucional. Lula pode ser acusado de práticas tradicionais da política brasileira — fisiologismo, loteamento de cargos, aparelhamento parcial da máquina pública —, mas nunca de ter tentado deslegitimar o próprio processo eleitoral. Bolsonaro, ao contrário, mobilizou parte do eleitorado contra o sistema de votação, desafiando a essência da democracia representativa. Isso faz toda a diferença entre um governante criticável e um governante que representa uma ameaça.

Isso não significa que a oposição a Lula deva ser desqualificada, nem que o petismo seja isento de responsabilidades. O debate democrático exige críticas firmes e vigilância permanente. Mas a crítica política não deve ser confundida com o relativismo moral ou histórico. Quando tratamos como equivalentes aqueles que, em graus distintos, respeitam ou subvertem as instituições, acabamos enfraquecendo nossa própria capacidade de distinguir o democrático do autoritário. E sem essa distinção, toda democracia perde seu Norte.

É preciso, portanto, que o centro político e as forças democráticas — sejam liberais, social-democratas ou conservadoras — mantenham clareza sobre o que está em jogo. A disputa entre projetos de governo é legítima e necessária; a disputa contra o próprio regime democrático, não. Reconhecer que Lula e Bolsonaro não são equivalentes não é um gesto de partidarismo, mas de responsabilidade cívica. Só com essa lucidez poderemos reconstruir uma esfera pública em que divergência não seja sinônimo de destruição, e em que a política volte a ser o espaço da convivência, não da ruptura.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

 


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