Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
O Brasil tem um grande apego por “reformas revolucionárias”. Não basta ir ajustando e evoluindo aos poucos, através de medidas infralegais ou projetos de Lei. O ideal, bacana mesmo, é tascar logo uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), de preferência da maior abrangência possível e que coloque o assunto de ponta cabeça. Ou somos campeões do mundo invictos, goleando todas as seleções – de preferência marcando gols de placa –, ou a empreitada, tenha o resultado que tiver, não terá valido à pena.
O maior problema dessa megalomania reformista é que reforma significa mudança e mudança gera resistência. Reformas de amplas proporções mexem com interesses bem estabelecidos. E o Estado brasileiro, um eficiente e renitente produtor de desigualdade, é altamente permeável a pressões de grupos de interesses, o que a literatura especializada chama de rent-seeking. E os grupos de interesse mais fortes se concentram, exatamente, na estrutura estatal. Para não ir muito longe nos exemplos, é só comparar os salários e privilégios dos integrantes do Judiciário com os dos seres humanos que lutam pela sobrevivência na mesma área no mercado de trabalho.
Essa visão pitoresca das reformas aliada às resistências que se encontram incrustradas nas entranhas do aparelho estatal faz com que a pauta passe a fazer parte da paisagem. Há quanto tempo não ouvimos falar ou lemos no noticiário comentários sobre as reformas política, tributária ou administrativa? A coisa fica cansativa. Uma vez, eu estava participando de um Seminário no Rio de Janeiro, organizado pela Fundação Konrad Adenauer, e um dos debatedores, cientista político renomado, simplesmente se recusou a discutir reforma política. “De reforma política não aguento mais falar. Do jeito que está sendo proposta, não sairá nunca”, afirmou. E olha que lá se vão uns 20 anos…
É semiparlamentarismo com voto distrital misto, fim da reeleição com piso de desempenho progressivo… Mudar tudo isso de uma vez é tão complicado como convencer a população de que assistir Big Brother Brasil é perda de tempo e não acrescenta nada em termos culturais ou à formação da nacionalidade. Mas, se revolucionar é quase impossível, mudanças tópicas bem calibradas podem promover avanços significativos ao longo do tempo. Foi o que aconteceu com as minirreformas políticas aprovadas pelo Congresso em 2015 e 2017 para adelgaçar o edemaciado quadro partidário brasileiro.
O Brasil chegou a ter 35 partidos em 2015. Hoje tem 31. Ainda é muito, claro. Mas já é um avanço. Primeiro, as exigências para a criação de novas agremiações foram aumentadas. Depois, a partir de 2020, acabou a possibilidade de coligação entre partidos nas eleições proporcionais. E estabeleceu-se a cláusula de barreira – ou de desempenho –, que retira recursos público e tempo na TV dos partidos que não alcançarem um rendimento aceitável nas eleições. Em 2018, quando o piso de votação nacional era 1,5%, 14 partidos não atingiram o piso. Em 2022, com o piso a 2%, 15 ficaram de fora.
A agremiação que não atinge a votação mínima pode continuar existindo, mas não recebe o fundo partidário e nem têm acesso à propaganda partidária de rádio e TV. Perde a graça. Desde 2018, já não vemos mais o PPL, PRP, PHS, PSL, DEM e PROS. O número de partidos com representação na Câmara na legislatura que se iniciou em 2018 era de 30. Com as fusões e incorporações previstas, deve cair para 20 esse ano. Foram minirreformas que promoveram e ainda trarão avanços sem mudanças extraordinárias e sem estardalhaço. Mudar tudo de uma vez e rápido está mais do que provado que não funciona. Reproduzir em outras áreas o modelo que está dando certo na política pode ser uma ótima ideia.
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