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{ ARTIGO }

O que são, afinal, os distritos eleitorais?

Para Rogério Schmitt, eles refletem diferentes concepções sobre o que significa representar a sociedade

Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Sempre que esquenta o debate sobre a reforma político-eleitoral no Brasil torna-se oportuno definir alguns conceitos básicos, à luz da ciência política. Um deles é a expressão “distrito eleitoral”, que está embutida, por exemplo, na ideia de “voto distrital”. Apesar de ter se incorporado ao vocabulário político nacional (se referindo a um sistema eleitoral específico), trata-se de um termo ambíguo e impreciso. Como veremos, pelo menos do ponto de vista técnico, todo voto é distrital, independentemente do sistema eleitoral mais amplo.

O termo “distrito” se refere simplesmente à divisão territorial utilizada para organizar a representação política em um país. Cada distrito (ou circunscrição) corresponde a uma área geográfica onde os eleitores escolhem seus representantes parlamentares. Essa estrutura é comum em praticamente todas as democracias, embora o número de representantes por distrito e o método de apuração dos votos variem de acordo com o sistema eleitoral adotado.

Nos sistemas majoritários, é frequente a adoção de distritos uninominais — ou seja, cada distrito elege apenas um representante, especificamente o candidato mais votado na circunscrição. Esse modelo busca reforçar o vínculo entre o eleito e os eleitores daquela região, criando uma relação de responsabilidade direta. O parlamentar passa a ser identificado como “o representante” daquela comunidade, o que facilita a cobrança e o acompanhamento de seu desempenho político. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 435 deputados são eleitos por maioria simples em 435 distritos eleitorais (que são, por seu turno, subdivisões dos estados federados).

Já nos sistemas de representação proporcional, como o brasileiro, os distritos são necessariamente plurinominais, isto é, elegem vários representantes (pelo menos 2) simultaneamente. O tamanho do distrito e o número de cadeiras a preencher são definidos de acordo com critérios demográficos ou federativos. No caso do Brasil, cada um dos 27 Estados (incluído o Distrito Federal) constitui um único distrito eleitoral no pleito para a Câmara dos Deputados, com um número variável de vagas conforme a população (no mínimo 8 e no máximo 70 cadeiras por Estado federado). Em algumas democracias (como em Israel) o país inteiro é um único distrito eleitoral.

Essa característica faz do sistema proporcional um instrumento de maior pluralismo político. Distritos plurinominais permitem que diferentes partidos e correntes de opinião obtenham representação parlamentar, mesmo que não sejam majoritários em nenhuma localidade específica. Essa pluralidade, por outro lado, tende a enfraquecer o vínculo pessoal entre o eleitor e o eleito, que é substituído por uma relação mais mediada pelas legendas partidárias.

Por seu turno, os defensores dos distritos uninominais argumentam que eles fortalecem a “accountability” — a responsabilidade política —, ao tornar o eleito claramente identificável com um grupo de eleitores. Já os defensores dos distritos plurinominais destacam que estes promovem uma representação mais proporcional da diversidade social e política de um país, reduzindo a exclusão de minorias e de partidos menores.

A escolha entre distritos (ou circunscrições eleitorais) uninominais ou plurinominais envolve, portanto, uma tensão clássica entre governabilidade e representatividade. Sistemas distritais puros tendem a produzir maiorias mais estáveis, mas menos plurais; sistemas proporcionais asseguram diversidade, mas podem fragmentar o sistema partidário e dificultar a formação de consensos.

Há ainda desafios técnicos e políticos na definição dos limites distritais. A prática conhecida como “gerrymandering” — a manipulação intencional das fronteiras eleitorais para favorecer determinados grupos — é um risco constante nos países que adotam distritos pequenos. Por isso, a criação e a revisão de distritos eleitorais deveriam ser feitas com transparência e sob supervisão institucional independente.

Em síntese, os distritos eleitorais são o alicerce territorial da representação política. Uninominais ou plurinominais, eles refletem diferentes concepções sobre o que significa representar a sociedade: aproximar o representante de sua comunidade local ou refletir, de modo proporcional, a pluralidade do eleitorado. A decisão entre um modelo e outro não é apenas técnica, mas também profundamente política — e deve ser guiada pelos valores democráticos que se deseja preservar.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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