
Reunião do Espaço Democrático apontou falhas na operação policial nos complexos da Penha e do Alemão
Redação Scriptum
Embora tenha tido aprovação de 80% das pessoas ouvidas em pesquisa de opinião realizada pelo Instituto AtlasIntel, a operação policial que fez 113 prisões e deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, não pode ser considerada como bem-sucedida do ponto de vista técnico. Além disto, da perspectiva sociológica, levanta um debate sobre a nossa capacidade de sobreviver como sociedade civilizada.
Essas foram algumas das conclusões do debate realizado nesta segunda-feira (4), em São Paulo, durante a reunião semanal do Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do PSD. O sociólogo Tulio Kahn, especialista em segurança pública, fez uma análise técnica da intervenção, enquanto os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt avaliaram os impactos tanto na sociedade quanto no processo eleitoral para a presidência da República.
Para Tulio Kahn, a estratégia policial que vem sendo colocada em prática há quatro décadas, que ele chama de “sobe-mata-desce”, tem resultados conhecidos: reduz a atividade do tráfico durante um período curto, mas depois a condição anterior é restabelecida. “Vários países aprenderam que o confronto direto é a pior das estratégias”, diz ele. “Inteligência, paciência e precisão valem mais do que blindados e helicópteros”. Ele citou exemplos práticos da ineficácia deste tipo de operação: 117 criminosos e quatro policiais mortos; falhas periciais na cena do crime; interrupção abrupta do cotidiano da comunidade.

Tulio Kahn: estratégia policial do “sobe-mata-desce” não funciona
Kahn acredita no uso intensivo de táticas com o uso de inteligência. Em vez de ocupações pontuais, o monitoramento da rotina dos traficantes, o rastreamento das comunicações, a identificação dos deslocamentos e, principalmente a ação fora da área dominada. “Os criminosos saem da comunidade e descem para o asfalto em algumas situações e é quando ficam vulneráveis”, diz. “Este tipo de ação reduz os riscos”.
Ele defende ainda o uso da tecnologia de drones, reconhecimento facial, análise de redes sociais, escutas telefônicas e leitores de placas de automóveis, entre outras, para identificar as oportunidades de chegar aos traficantes. “Operações de enfrentamento são muito populares, como demonstram as pesquisas, mas tem pouca eficácia”.
O cientista político Rubens Figueiredo recorreu pensadores como Thomas Hobbes, Max Weber, Jean‑Jacques Rousseau, Montesquieu e Alexis de Tocqueville para analisar como o episódio coloca à prova a vida em sociedade. “Quando a polícia, qualquer que seja o motivo, mata mais de cem pessoas e ainda tem a aprovação da maioria da opinião pública, não estamos diante de uma questão de segurança pública e sim diante de um problema que diz respeito à nossa capacidade de sobreviver enquanto sociedade civilizada”, definiu.

Rubens Figueiredo: “Não é uma questão de segurança e sim um problema que diz respeito à nossa capacidade de sobreviver enquanto sociedade civilizada”
Ele se disse bastante impressionado com o resultado de uma das perguntas da pesquisa feita pela Genial/Quaest: qual deveria ser a primeira reação de um policial que está trabalhando ao se deparar com alguém com um fuzil na mão? 57% dos ouvidos disseram que o policial deve buscar prender sem atirar, mas 40% responderam que deve atirar. Para o cientista político, é essencial que o Estado regule a violência e a sociedade regule o Estado. “Civilização é o processo através do qual terceirizamos a nossa violência para que ela seja administrada com legitimidade pelo Estado”.
Figueiredo fez também uma breve análise do impacto político da operação policial. Segundo ele, a direita ganhou novo fôlego depois de passar um tempo acuada. E o governo Lula, que estava em viés de alta de popularidade depois do tarifaço de Donald Trump contra as exportações brasileiras, passou a uma situação defensiva.
“A esquerda, como disse o Lula, vê esses criminosos como vítimas da sociedade”, apontou Vilmar Rocha, coordenador nacional de Relações Institucionais da fundação. Para ele, o impacto eleitoral inicial do episódio foi favorável à direita e desfavorável à esquerda, mas este efeito vai se diluir até as eleições: “Mas o tema da segurança, sem dúvida, será um dos principais da campanha”.
O cientista político Rogério Schmitt lembrou que há uma pauta que trata do tema no Congresso Nacional. “Um desses projetos é da oposição, que equipara o crime organizado ao terrorismo; o governo, que já tinha a PEC da Segurança Pública, mandou para a Câmara, a toque de caixa, o PL Antifacção”, citou. Para ele, se o governo conseguir aprovar os dois projetos até meados do ano que vem, “Lula não chegará tão enfraquecido nesta questão para a disputa eleitoral; caso passe o projeto da oposição, o efeito pode ser contrário ao governo.”
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, o gestor público Januario Montone, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, o coordenador nacional de Relações Institucionais da fundação, Vilmar Rocha, e os jornalistas Sérgio Rondino e Eduardo Mattos.