Antonio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático
Getúlio Vargas tornou-se uma figura central na História do Brasil contemporâneo pela maneira como emergiu no plano nacional: liderou o movimento revolucionário de 1930 e manteve-se chefe do governo provisório até 1934, quando foi eleito presidente pela Assembleia Nacional Constituinte; governou até 1937, quando estabeleceu a ditadura do Estado Novo, que o manteve no poder até 1945; foi eleito pelo voto popular num pleito livre e governou de 1951 a 1954, quando abandonou tudo de forma dramática, suicidando-se; e, finalmente, por haver legado ao País um projeto de Revolução Industrial que seria implementado pelos governos militares.
Vargas nasceu em São Borja, no Rio Grande do Sul. Formou-se em Direito em 1907 e logo aderiu à república positivista instaurada naquele Estado. Logrou projetar-se nacionalmente, de início, ao exercer mandato de deputado federal entre 1923 e 1926. Foi, então, líder da bancada gaúcha.
Naquele último ano (1926) tornou-se ministro da Fazenda do governo Washington Luís e, em 1928, em decorrência da reforma constitucional que pôs fim às sucessivas reeleições de Borges de Medeiros, elegeu-se para substituí-lo como governador do Rio Grande do Sul. Essa circunstância é que o credenciaria a ser apontado como candidato à presidência da República em 1929, cujo desfecho seria a Revolução de 1930.
Nos anos 1930 Vargas foi chefe do governo provisório, presidente constitucional eleito indiretamente pela Câmara formada após concluída a elaboração da Carta de 1934 e titular da ditadura do Estado Novo. Tendo vencido o pleito eleitoral em 1951, acabaria envolto numa crise monumental. Suicidou-se em agosto de 1954, em pleno exercício do mandato.
Sua obra mais destacada seria a constituição de Estado Nacional Unitário e a plena configuração do projeto de Revolução Industrial, aglutinador de sucessivas gerações, a ponto de os governos militares acabarem por dar-lhe cumprimento. Tratou-se de um processo de industrialização sob a égide do Estado, o que, ao invés de proporcionar a distribuição de renda a que deu surgimento a empresa privada capitalista, agravou as desigualdades que até hoje marcam o País.
Por tudo isto cabe destacar a Era Vargas, associando-a à concepção de Revolução Industrial de que iria resultar o agigantamento do Estado, fortalecendo a tradição patrimonialista.
A adoção pela Carta de 1891 do modelo federalista de República levou, entre outras coisas, à interrupção do processo iniciado no Segundo Reinado, de assegurar a unidade nacional pela centralização, posteriormente avaliada como tendo sido excessiva. Contudo, a descentralização, necessária e imprescindível, teria que ser conduzida sem colocar em risco a conquista maior representada pela unidade do País, o que a implementação resultante da Carta de 1891 estava longe de assegurar. Sob o Estado Novo, Vargas não só contrapôs-se a este modelo como conseguiu suplantá-lo e constituir o Estado nacional unitário. O seu projeto seria claramente afirmado em diversas oportunidades.
Para bem orientar o projeto unificador, procedeu-se ao que se chamou de “racionalização do serviço público federal” mediante a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). A nova entidade estabeleceu quadros, carreiras, sistemas de seleção de pessoal e padronização generalizada.
O Estado Novo cuidou ainda da unificação do direito processual, correlacionando-o diretamente à unidade nacional. A reforma atingiu o Judiciário mediante a criação de uma magistratura federal.
Através dos Códigos de Minas e de Águas esboçou-se uma primeira variante do projeto de desenvolvimento econômico. Ainda assim, este somente assumiria feição acabada nos anos 1950, justamente a partir do novo governo Vargas.
Na fase inicial do pós-guerra, no período do governo Dutra, a ideia de impulsionar a modernização econômica não chegou propriamente a ganhar corpo. É certo que se promoveu a vinda ao Brasil das missões Cooke, Abbink e Kleine-Saks e formulou-se, em 1948, o Plano SALTE. Nessa fase, a política de industrialização acha-se associada basicamente à política cambial. Contudo, a situação somente se alterou quando a ação estatal de cunho modernizador deslocou-se para a esfera do que mais tarde se denominou de “planejamento”, entendido não como instância administrativa, mas como um conjunto de técnicas destinadas a assegurar a consecução de determinadas metas. A configuração da nova esfera é obra da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico.
A comissão iniciou seus trabalhos em 19 de julho de 1951 em decorrência de acordo firmado com os Estados Unidos em dezembro de 1950. Funcionou ininterruptamente até dezembro de 1953. Contou com a colaboração de cerca de cinquenta técnicos “senior” brasileiros, recrutados entre a elite acadêmica e na Administração, bem como de variado grupo de especialistas estrangeiros. Procedeu a amplo diagnóstico da economia brasileira.
Recomendou a atuação em setores considerados chaves: 1) energia elétrica; 2) transporte ferroviário; 3) transporte sobre água; 4) portos; 5) agricultura; 6) assistência técnica.
Em termos globais, a Comissão Mista elaborou 41 projetos prioritários, com a seguinte distribuição dos recursos: transportes, 60,6%; energia, 33,1%; indústria, maquinaria agrícola e armazenamento de grãos, 6,3%.
Ainda no período de seu funcionamento, a Comissão Mista promoveu a organização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico com o propósito de financiar o que então se denominou de “plano nacional de reaparelhamento”, assegurando-lhe, desde logo, a disponibilidade de recursos. Graças a isto, a nova instituição, nessa fase inicial atuou preferentemente na execução do reaparelhamento ferroviário.
Deste modo, coube a Vargas, em seu último governo, dotar o País de um programa de industrialização concebido segundo as mais modernas técnicas, a começar do fato de ter-se estabelecido prioridade no tocante à infraestrutura. A partir daí o projeto de industrialização tornou-se praticamente irreversível. De modo que o movimento de março de 1964 acabaria assumindo essa bandeira. Na prática, no período 1964/1984, os governos militares lograram colocar o País entre as maiores economias do mundo. A singularidade desse processo reside no fato de que promoveu, simultaneamente, a estatização da economia.
Em pesquisa realizada em 1973, Gilberto Paim evidenciou o fenômeno porquanto o Estado detinha 45,8% do patrimônio líquido do mundo empresarial brasileiro. Considerou, nessa análise, o total das empresas não-agrícolas (atuando na indústria e nos serviços). Dado o predomínio das unidades micro e pequenas, o universo abrangia nada menos 5,3 milhões de estabelecimentos (empresas não-agrícolas).
Eis os resultados registrados por essa pesquisa:
Privado Nacional – 4,3 milhões (81% do total); detinham 39,35 % do patrimônio líquido das empresas;
Público – 45,8% do patrimônio citado, embora correspondessem a apenas 3l6 empresas (6% do total)
Estrangeiro – 46% do patrimônio em causa (14,4% do total), sendo 618 empresas.
Capital nacional gerido por empresas estrangeras – 43; 0,5% do total, detendo 14,4% do patrimônio.
No período subsequente a estatização seguiu seu curso.
Em 1983, as empresas estatais empregavam 1.349.840 pessoas.
Não se dispõe de nenhuma avaliação conclusiva acerca dos níveis alcançados pela estatização da economia brasileira. Ainda assim, o prof. Mário Henrique Simonsen calculou a participação do Estado no conjunto dos investimentos, ao longo dos anos 1970 e em parte da década seguinte, em 64%. Tenha-se presente que este resultado superpunha-se à estatização de quase 50% da economia, observada por Gilberto Paim nos começos do decênio de 1970. De sorte que não se deve considerar nenhum exagero a suposição de que os níveis de estatização da economia brasileira tenham chegado a 70%.