Em 1835 apareceu, na França, um livro intitulado A democracia na Europa. Ainda que, nessa década, o país iniciasse uma experiência de prática do constitucionalismo, campeava na Europa a resistência dos governos a esse sistema que, até então, no conjunto dos países da Europa Ocidental, vigorava apenas na Inglaterra. Embora não se tratasse de sistema democrático, correspondia a substancial ampliação dos grupos sociais (proprietários) a ter acesso ao poder. O entendimento geral era de que a democracia seria sinônimo de anarquia e desordem. Deste modo, o livro em apreço contrariava frontalmente o consenso vigente no seio da elite. Cabe assim, começarmos pela personalidade do autor, esclarecendo a circunstância que lhe proporcionara o contato com o fenômeno considerado.
O autor de A democracia na América seria Aléxis de Tocqueville (1805/1859). De família francesa tradicional, concluiu a Faculdade de Direito de Paris em 1825. Fez, durante 1826 e 1827, uma viagem de estudos à Itália. Ingressou na Magistratura, como Juiz Auditor em Versalhes, onde seu pai era prefeito. Vivia-se o período da restauração, subseqüente à queda de Napoleão. Em julho de 1830, ocorre a Revolução Liberal, iniciando-se a monarquia constitucional de Luís Felipe. Tocqueville guardará certa distância em relação a esse regime que dura, consoante foi referido, até 1848, no qual os liberais doutrinários exercem grande influência.
No ano seguinte, juntamente com a seu amigo Gustave de Beaumont, obtém permissão para estudar o sistema penitenciário norte-americano. Nessa viagem de estudos, os dois permanecem nos Estados Unidos de maio de 1831 a fevereiro de 1832. Dariam conta do trabalho realizado na obra Du systeme pènitenciaire aux États-Unis et de son application em France, aparecido em 1833. Beaumnont e Tocqueville apresentam os seguintes títulos: advogados da Corte Real de Paris e membros da Sociedade Histórica da Pensilvânia.
Com a publicação autônoma dois anos depois (1835), Tocqueville demonstraria que o sistema político implantado e em funcionamento nos Estados Unidos o impressionara vivamente. Seu livro iria demonstrar o extraordinário volume da documentação mobilizada para efetivar a sua caracterização.
Desde logo, a obra provocou uma grande curiosidade entre estudiosos de diversos países. Em função do livro, Tocqueville visitará Inglaterra, Irlanda e Suíça, entrando em contato com diversas personalidades desses países, com os quais manterá a partir de então animada correspondência, como é o caso de John Stuart Mill. Graças ao relacionamento com este último, publica, em 1836, na London and Westminister Review, o artigo intitulado “L´État social et politique de la France avant e depuis 1789”, que mereceria enorme acolhida pela novidade ali contida, no que respeita à Revolução Francesa, que apresenta como parte do processo de centralização do Estado francês. Em 1838, torna-se membro da Academie des Sciences Morales et Politiques e, em seguida, da Academie Française.
Acalentando certa esperança na mudança de regime que a Revolução de 1848 iria provocar, participou, como deputado integrante da Assembléia Constituinte, sendo Ministro dos Negócios estrangeiros (1849), afastando-se à vista dos rumos seguidos depois do golpe promovido por Luís Bonaparte, antes caracterizado. Nos anos que lhe restauram na década de cinqüenta, ocupou-se de documentar a tese inovadora sobre a Revolução Francesa. Ao falecer (1859) tinha 54 anos de idade.
A obra de Tocqueville e a complementação do processo de universalização do sufrágio, empreendida por Gladstone na Inglaterra –antes caracterizado–, na parte final do século XIX, permitiram que se estabelecesse, nitidamente, a diferenciação entre democratismo e a democratização conduzida com espírito liberal, o que levou à sucessiva adoção do sistema constitucional de governo nos países da Europa Ocidental, com os percalços vivenciados ao longo do século XX.