Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
Depois de quase trinta anos de relativa estabilidade monetária, os brasileiros voltam a conviver com as preocupações decorrentes do aumento generalizado dos preços, que é o que caracteriza a inflação. Diferentemente de aumentos pontuais de determinados produtos, normalmente de caráter sazonal, a inflação consiste no aumento do nível geral de preços dos bens e serviços de uma economia, o que configura um aspecto sistêmico.
No Brasil, a convivência por décadas com uma inflação crônica e elevada deixou como legado uma cultura inflacionária que não foi eliminada por completo nos anos de relativa estabilidade que se seguiram à implementação do Plano Real, em 1994. Desse legado, talvez o aspecto mais preocupante seja a manutenção da prática da indexação, verificada não apenas no plano formal, mas também no informal.
Com o índice anualizado atingindo os dois dígitos, a prática da indexação tem se agravado e, com isso, dificultado as ações do Banco Central no seu esforço de contenção da inflação, primeiro passo para fazer com que ela volte a se situar nos limites da meta, de acordo com o regime seguido pela política monetária do País.
Além da permanência da inflação em patamar elevado, fatores externos, como a guerra na Ucrânia, contribuem para que haja forte pressão de preços vinda do atacado para o varejo. Chama atenção, nesse sentido, o forte impacto do aumento dos preços dos combustíveis, que se espalha por diversas cadeias produtivas em função de sua irradiação via custos de transporte.
Lamentavelmente, não fomos capazes de eliminar de vez a prática da indexação durante os anos de estabilidade, quando a conjuntura se apresenta mais favorável a isso. Evidentemente, com a volta da inflação à casa dos dois dígitos, fica mais difícil buscar a eliminação, uma vez que os agentes econômicos, compreensivelmente, tendem a adotá-la com o objetivo de defender seus interesses ameaçados pela inflação.
É o que temos observado no presente momento. À indexação formal, representada pelos reajustes que seguem contratos, como aluguel, escola e plano de saúde ou autorizados pelo governo, como combustível e energia, soma-se a indexação informal, que turbina preços pelos aumentos de custos incorridos por parte de diferentes prestadores de serviços. Naturalmente, nesse cenário, outro fator volta a ter peso decisivo nesse jogo, que é o da expectativa, em consequência da percepção, pelos agentes, de que o Banco Central está com dificuldade para exercer o seu papel de guardião do valor da moeda.
Não é de estranhar, nesse contexto, o ressurgimento de apelos, aqui e ali, em favor da adoção de mecanismos de controle de preços, tais como tabelamentos e/ou congelamentos, que tantos prejuízos causaram à economia brasileira por ocasião dos planos heterodoxos adotados da segunda metade da década de 1980 aos primeiros anos da década de 1990 (Planos Cruzado I e II, Bresser, Verão, Collor I e Collor II).
Como a memória é curta, tais apelos acabam sendo replicados por figuras públicas que enxergam nessas práticas formas de agradar parcelas da população que, ingenuamente, acreditam que eventuais benefícios artificiais passageiros possam ter efeito prolongado na economia.
O ex-ministro Antonio Cabrera enviou-me um oportuno vídeo sobre os “fiscais do Sarney”, acompanhado das seguintes palavras: “Ao longo da história, ditadores, déspotas e políticos de todos os naipes viram nos controles de preços uma forma suprema de prometer ao público ‘alguma coisa em troca de nada’. Tabelar os preços sempre teve a mesma consequência: o comerciante tende a deixar de negociar o produto tabelado porque terá prejuízo; então restringirá a oferta, buscará outros ramos de atuação (de produtos não tabelados), e o consumidor acaba com o prato vazio”.
Ele completa com uma das famosas citações do ex-ministro Roberto Campos: “Como as damas balzaquianas, de vida airada, o tabelamento de preços rejuvenesce à medida que se esquecem as experiências passadas. É a teoria dos que não têm teoria”.
Não posso deixar de encerrar este artigo sugerindo a leitura de um livro extraordinário de autoria de Robert Schuettinger e Eamonn Butler que, infelizmente, só é encontrado em sebos por não ter sido reeditado no Brasil. Seu título: Quarenta séculos de controles de preços e salários. Seu subtítulo: O que não se deve fazer no combate à inflação.