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{ ARTIGO }

Será que existe uma onda esquerdista na América do Sul?

Cientista político Rogério Schmitt analisa se de fato é correta a definição que vem sendo dada ao cenário político do continente após a vitória de Gustavo Petro na Colômbia

Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

A Colômbia elegeu, no último fim de semana, o primeiro presidente de esquerda de sua história. A vitória de Gustavo Petro foi apontada por diversos analistas como mais um exemplo de uma suposta onda esquerdista que estaria varrendo os países sul-americanos.

O que há de verdade – e o que há de exagero – neste diagnóstico? É sobre este assunto que gostaria de tratar neste artigo.

Vamos primeiro aos dados mais descritivos. A América do Sul tem 10 países. Neste momento, já levando em conta a recente mudança na Colômbia, seis países (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela) têm presidentes de esquerda ou de centro-esquerda. E outros quatro países (Brasil, Equador, Paraguai e Uruguai) têm presidentes de direita ou de centro-direita.

Mas precisamos levar em conta que a Venezuela é um regime político claramente autoritário, conforme indicado, por exemplo, pelo ranking da Economist Intelligence Unit. Por essa mesma metodologia, a Bolívia, o Equador e o Paraguai são classificados como regimes híbridos, não democráticos.

A rigor, portanto, o nosso universo de observação deveria se restringir ao subconjunto de 6 países que efetivamente cumprem minimamente os requisitos dos regimes democráticos. Mas vamos deixar somente a Venezuela de fora, pois o que temos lá é de fato uma ditadura escancarada.

Ficamos, assim, com nove países sul-americanos, dos quais cinco têm atualmente governos de esquerda ou centro-esquerda, contra quatro que contam hoje com governos de direita ou de centro-direita. Claramente, não dá para falar em uma onda esquerdista.

A suposta onda esquerdista aparece mais nitidamente quando examinamos somente os países que realizaram eleições presidenciais de meados do ano passado para cá. De fato, candidatos esquerdistas foram eleitos no Peru (em junho de 2021), no Chile (em dezembro de 2021), e agora na Colômbia. A vitória mais recente de um candidato a presidente com perfil direitista foi registrada no Equador, em fevereiro de 2021.

O Brasil, que realizará eleições presidenciais em outubro, parece ser um forte candidato a participar desta onda de esquerda na América do Sul. Com efeito, o ex-presidente Lula tem aparecido como favorito em todas as pesquisas de opinião.

Mas acho que há muito exagero em afirmar categoricamente que haveria uma onda esquerdista no continente. E isso por causa de vários motivos. O primeiro deles é que a eleição presidencial em um país não tem qualquer poder preditivo sobre a eleição presidencial de outro país. As vitórias recentes de vários candidatos de esquerda decorrem, na verdade, das conjunturas políticas internas de cada país, e da natural alternância de poder típica das democracias. Se fizéssemos esta mesma contagem quatro ou cinco anos atrás, certamente apareceria uma nítida maioria de presidentes mais à direita aqui na América do Sul.

Olhando para um horizonte de tempo mais longo, vejamos o que deve acontecer, por exemplo, nas eleições presidenciais previstas para acontecer em 2023. O Paraguai elegerá um novo presidente em abril. O governante atual (o direitista Mario Abdo Benítez) tem cerca de 80% de avaliação negativa nas pesquisas. Tudo indica, portanto, que um nome de esquerda deverá ser o seu sucessor. Já na Argentina, que escolherá um novo presidente em outubro, a situação é exatamente inversa. O esquerdista Alberto Fernández está com 75% de desaprovação nas pesquisas e parece inevitável que a oposição de direita seja vitoriosa nas próximas eleições.

Por outro lado, se observamos mais detidamente os países que elegeram presidentes de esquerda no ano passado e neste, perceberemos que nenhum deles tem maioria no Congresso. No Peru, o presidente Pedro Castillo lidera um governo minoritário no legislativo. No Chile, Gabriel Boric convive com um parlamento dividido meio a meio entre esquerda e direita. Na Colômbia, finalmente, o partido de Gustavo Petro conta somente com 20 de 100 senadores e com 32 de 172 deputados.

Assim, a expressão “onda esquerdista” parece ser mais apropriada para peças de propaganda do que para análises políticas mais sérias. E o mesmo também seria verdade caso estivéssemos diante de uma suposta “onda direitista”. A realidade é sempre mais complexa e, como procurei apontar neste artigo, diversos outros fatores precisam ser levados em conta.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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