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{ ARTIGO }

A popularização das ferramentas de proteção patrimonial. Elas funcionam?

Sociólogo Tulio Kahn analisa pesquisas e métodos que as pessoas usam para se proteger

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

Ficou para traz o tempo em que os brasileiros iam dormir com as portas e janelas de casa abertas e em que deixavam seus veículos destrancados na rua. Pelo menos nos maiores centros urbanos, há décadas vem crescendo o uso de mecanismos de proteção contra furtos e roubos, tanto em residências quanto em veículos e outros bens visados pelos criminosos.

Estes “mecanismos” são variados e vão desde os cães de guarda e grades até equipamentos mais sofisticados como alarmes com sensores de presença, câmeras que captam movimento ou fechaduras biométricas.  Os usos e tipos de equipamento utilizados parecem depender, entre outras variáveis, da taxa de criminalidade local, do contexto urbano ou rural, da sensação de insegurança e recursos financeiros da família.

As pesquisas de vitimização têm procurado captar este fenômeno desde os anos 1990, mas infelizmente as pesquisas nacionais são bastante raras e a redação das questões, diferentes, o que prejudica a comparabilidade entre elas. Apesar destas limitações, tomando apenas as pesquisas de vitimização nacionais realizadas pelo IBGE em 2009 e 2021 e a pesquisa nacional de vitimização do Ministério da Justiça, de 2014, é possível apontar algumas tendências.

Não obstante a diferença na lista de meios de proteção, em 2009, 40,6% da população respondeu que não utilizava “nenhum” dos meios de proteção, porcentagem que cai para 35,5% em 2014 e para 32% na última pesquisa de vitimização, de 2021. O uso de cães de guarda sobe de 9,4% em 2009 para 25,7% em 2014 e para 29% em 2021. Fechaduras especiais nas portas vão de 18,4% em 2009 para 41% em 2021. Alarmes de câmeras, raramente mencionados nas primeiras edições (4,2% de menção a CCTV em 2009 e 9% de alarmes em 2014), sobem para cerca de 17% em 2021, quando juntados os dois meios, na nova redação da pergunta.

Famílias mais pobres tendem a lançar mão dos meios mais tradicionais de proteção, como cães de guarda, grades e muros, enquanto famílias mais abastadas tendem a usar meios mais sofisticados, como câmeras e alarmes. Os Estados com maior renda per capita, como o DF, SP, SC e RS aparecem no topo dos que mais utilizam estes meios de proteção. (R2 = .86)

Tanto o crescimento da renda das famílias nos últimos anos quanto, principalmente, o barateamento destes sistemas de proteção podem ter contribuído para o aumento do uso dos meios de proteção nas residências e automóveis.

Vale lembrar que crimes patrimoniais são crimes de oportunidade e tendem a crescer com a renda. Estados de renda elevada, como DF, SP, SC e PR, por exemplo, aparecem no topo das maiores taxas de furto de veículo, em contraste com os Estados do Norte e Nordeste. (R2 = .39)

Assim, a renda contribui para o aumento das oportunidades de crimes patrimoniais. Ao mesmo tempo, diminui os incentivos à entrada no mundo do crime, aumenta os gastos públicos em segurança e aumenta o uso de meios de proteção contra roubos e furtos nas residências e veículos. Vários estudos já mostraram estes impactos múltiplos da renda sobre os crimes, dependendo do tipo de crime (impacto é inverso nos crimes contra a vida), do nível de agregação territorial, ou se estamos falando de níveis absolutos, ou taxas de crescimento, desigualdade etc. (Dos Santos, 2008; Fajnzylber, 2001; Gaulez, 2015; Kahn, 2013; Resende, 2011)

Existe uma tese desenvolvida por Jan Van Dijk (2012) com base nas pesquisas de vitimização do ICVS (International Crime Victimization Surveys) segundo a qual parte da explicação para a queda da criminalidade nos países desenvolvidos nas últimas décadas tem relação com o processo de “securitização responsiva”, ou mais precisamente a adoção em massa de meios de proteção nas residências e automóveis pela população, com o barateamento destes mecanismos. Van Dijk usa como fonte as pesquisas de vitimização da ONU (ICVS), cuja vantagem é a padronização e uma série longa, corroborando o processo de popularização dos mecanismos de proteção.

É possível que esta teoria ajude a explicar também algumas diferenças importantes observadas na criminalidade patrimonial entre os Estados e regiões brasileiras, que tem pouco ou nenhuma relação com a dinâmica das facções no sistema prisional… (dinâmica cuja ligação com os homicídios está longe de ser estabelecida e para a qual só existem evidências anedóticas).

Observe-se, por exemplo, a tabela seguinte, que traz a variação dos furtos de veículos por unidades federativas entre 2015 e 2022. Há uma queda média nacional de 18,4% no período, mas esta média é fruto da neutralização de duas tendências divergentes: enquanto os furtos de veículos sobem acentuadamente no Nordeste e Norte (apenas ES é exceção no grupo) – justamente os Estados com menor renda – eles caem nos Estados com maior renda per capita, como RS, DF ou SP.

 

 

Notem que estamos falando aqui em variações e não em nível. Nesta perspectiva, vemos uma relação inversa entre a variação nos furtos nos últimos anos e o nível de renda per capita nos Estados: quanto maior a renda per capita no Estado, menor foi o crescimento nos furtos de veículos entre 2015 e 2022.

Várias coisas podem ter acontecido simultaneamente aqui: Estados com maior renda captam mais impostos e tem mais recursos para investir em segurança; criminosos podem avaliar que o mercado legal é mais compensador que o ilegal etc.

Mas os dados das pesquisas de vitimização trazem algumas evidências de que os Estados com renda mais elevada têm adotado com mais intensidade os variados mecanismos de proteção contra roubos e furtos em residências e veículos. Isto pode estar provocando – como sugere a teoria da securitização responsiva – uma queda nos crimes patrimoniais nestes Estados, em contraste com os Estados de menor renda, onde a adoção dos mecanismos de prevenção é menos intensa.

 

 

Bibliografia

DOS SANTOS, Marcelo JustusKASSOUF, Ana Lúcia. Estudos econômicos das causas da criminalidade no Brasil: evidências e controvérsias. Revista Economia, v. 9, n. 2, p. 343-372, 2008.

FAJNZYLBER, PabloARAUJO JR, Ari. Violência e criminalidade. Microeconomia e sociedade no Brasil, p. 333-394, 2001.

GAULEZ, Maiara Patti et al. Determinantes da criminalidade no Estado de São Paulo: uma análise espacial de dados em cross-section. Anais do XLIII Encontro Nacional de Economia, v. 8, 2015.

KAHN, Tulio. Crescimento econômico e criminalidade: uma interpretação da queda dos crimes no Sudeste e aumento no Norte/Nordeste. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 7, n. 1, 2013.

Resende, João Paulo de and Mônica Viegas Andrade. “Crime social, castigo social: desigualdade de renda e taxas de criminalidade nos grandes municípios brasileiros.” Estudos Econômicos (São Paulo) 41 (2011): 173-195.

VAN DIJK, JanTSELONI, Andromachi. Global overview: International trends in victimization and recorded crime. The international crime drop: New directions in research, p. 11-36, 2012.

Van Dijk, Jan. “Closing the doors.” Stockholm Prizewinners Lecture 2012, paper presented at the Stockholm Criminology Symposium. Stockholm, June. 2012.

VAN DIJK, Jan. It is not just the economy: Towards an alternative explanation of post-World War II crime trends in the Western world. In: The Routledge handbook of European criminology. Routledge, 2013. p. 129-144.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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