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{ ARTIGO }

As MPs que o governo Lula não conseguiu aprovar no Congresso

Cientista político Rogério Schmitt comenta a forma original que Lula e Arthur Lira encontraram para viabilizar medidas provisórias

Rogério Schmitt

Edição Scriptum

A Constituição de 1988 concedeu ao Poder Executivo, como é sabido, um enorme poder de agenda na definição da pauta de votações do Poder Legislativo. Um destes instrumentos é a edição de medidas provisórias com força de lei (válidas, porém, por apenas 120 dias).

No seu formato atual (vigente desde setembro de 2021), o Palácio do Planalto editou, até dezembro do ano passado, um total de 1.153 medidas provisórias. Esse número representa, na média dos governos anteriores (de Fernando Henrique Cardoso a Jair Bolsonaro), exatas 4,5 MPs editadas a cada mês, ou cerca de uma medida provisória editada a cada semana.

Naturalmente, como também é sabido, nem todas as MPs acabam sendo convertidas em lei. Elas perdem eficácia caso não sejam aprovadas pelas duas casas do Congresso Nacional dentro do prazo constitucional. Entre 2001 e 2022, apenas 850 das 1.153 MPs foram de fato convertidas em lei, o que equivale, na média do período, a uma taxa de conversão de 73,5%.

No governo Lula III, o Planalto já editou (até o dia em que escrevo) um total de 37 novas medidas provisórias. Trata-se de uma frequência (3,7 MPs por mês) ligeiramente inferior à média histórica dos governos anteriores.

Mas o dado que mais chama a atenção é a baixíssima taxa de conversão das medidas provisórias editadas pelo atual governo: apenas 29,2% (ou sete em 24, considerando que outras 13 MPs ainda não encerraram a sua tramitação legislativa).

A principal explicação desse fato tem a ver as recentes disputas políticas entre a Câmara e o Senado envolvendo o rito da tramitação das medidas provisórias no Congresso (durante os anos da pandemia, adotara-se um rito simplificado). Por um lado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) se comprometeu em restabelecer o rito previsto na Constituição (que determina a análise prévia das MPs por comissões mistas de deputados e senadores). Por outro lado, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem defendido a reforma do modo pelo qual as MPs são analisadas pelo Congresso.

O resultado prático desta disputa de procedimentos é que a grande maioria das medidas provisórias do atual governo está simplesmente caducando, ou seja, perdendo a validade sem ter o seu mérito analisado pelo Congresso. Mas o Palácio do Planalto e o Congresso acharam uma solução bem original para não só não comprometer o poder de agenda do governo como também para evitar o risco de paralisia decisória.

A solução política encontrada foi incorporar os textos das MPs cujas comissões mistas não foram instaladas a propostas legislativas paralelas, tipicamente a outras MPs ou a projetos de lei do próprio governo tramitando em regime de urgência. Deste modo, nada menos que 12 das 17 medidas provisórias que perderam a validade foram (total ou parcialmente) aproveitadas na redação final de outras matérias legislativas convertidas em lei.

Assim, aquela taxa de aproveitamento de 29,2% de MPs do governo Lula, que mencionei acima, é nominal, mas não é real – e precisa ser recalculada. Na prática, seja pelo caminho habitual, seja pelo caminho alternativo, o Planalto converteu em lei 19 das 24 medidas provisórias propostas e que já encerraram a sua tramitação legislativa. A taxa verdadeira é, portanto, de 79,2% (até um pouco superior à da média histórica).

Ao fim e ao cabo, pelo menos até o momento, o governo Lula fracassou em aprovar no Congresso somente cinco das medidas provisórias que editou. Podemos até enumerar as principais: a MP 1.156 (que determinava a extinção da Funasa), a MP 1.158 (que transferia o Coaf do Banco Central para o Ministério da Fazenda) e a MP 1.173 (que instituía a portabilidade dos programas de alimentação do trabalhador). Nestes três casos, após o fim do seu período de vigência, foram restabelecidas as regras anteriores à vigência das MPs.

As duas MPs remanescentes que caducaram (1.168 e 1.169) tratavam da abertura de créditos extraordinários para ministérios, mas os recursos orçamentários adicionais nelas previstos foram liberados antes do encerramento de seus prazos de vigência.

Ainda não sabemos quanto tempo irá durar esse caminho original que o Executivo e o Legislativo encontraram para dar andamento às medidas provisórias do atual governo. Talvez tenhamos que esperar até a eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, no começo de 2025. Mas este estudo de caso comprova as vantagens da utilização conjunta de abordagens quantitativas e qualitativas na análise do relacionamento entre os poderes.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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