Redação Scriptum
Polarização é pouco para definir a oposição de ideias no cenário político brasileiro. O debate transbordou para o cotidiano e para as relações interpessoais e a palavra que melhor se ajusta para traduzir o que acontece é calcificação. O termo foi cunhado pelos cientistas políticos americanos John Sides, Chris Tausanovitch e Lynn Vavreck, autores do livro The Bitter End: The 2020 Presidential Campaign and the Challenge to American Democracy (O fim amargo: a campanha presidencial de 2020 e o desafio à democracia americana, em tradução livre), na qual mostram como a disputa entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden, nos Estados Unidos, extrapolou os limites do debate político para se instalar nas discussões do dia a dia dos americanos.
O cientista político Rubens Figueiredo, consultor do Espaço Democrático, falou sobre o tema na reunião desta terça-feira (6) da fundação para estudos e formação política do PSD. Ele usou como referência para a sua exposição o livro Biografia do abismo: Como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil, de autoria do também cientista político Felipe Nunes, sócio-fundador do instituto de pesquisa Quaest, e do jornalista e consultor Thomas Traumann, que foi porta-voz da presidência da República e ministro da Secretaria de Comunicação Social no governo de Dilma Rousseff.
“O debate entre Lula e Bolsonaro, entre lulistas e bolsonaristas, derramou da política para a sociedade”, disse Figueiredo. “É a calcificação, que produz endurecimento e rigidez; é muito mais difícil as pessoas se afastarem de suas convicções”, apontou ele. “Fatos novos, por mais dramáticos que sejam, não alteram o comportamento dos eleitores e um exemplo disto é que, apesar de todas as notícias negativas sobre Bolsonaro, o percentual de bolsonaristas não mudou, como demonstram as pesquisas”. Na mão inversa, também não mudam as convicções de lulistas com o noticiário adverso sobre o presidente.
Figueiredo destacou que as pesquisas mostram como a calcificação se deu na sociedade brasileira: “17% das pessoas reconheceram que romperam relações com amigos e familiares e 54% afirmaram que conheciam quem tivesse rompido amizades ou laços familiares por conta do debate político”.
Ele ressaltou que “os dois grupos, petistas e bolsonaristas, têm visões bastante uniformes e cada vez mais distintas um do outro e os dois segmentos, além de estarem mais distantes do que nunca, estão mais parecidos internamente”. Figueiredo acredita que os choques de curto prazo disparados por Bolsonaro aceleraram o processo que levou o debate para o caminho da calcificação. “E há também as questões identitárias, que ganharam cada vez mais importância entre os eleitores de ambos os campos, exacerbando ainda mais as divisões e atraindo políticos para a discussão”, disse.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático, os economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, o cientista político Rogério Schmitt, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático, e, remotamente, o sociólogo Tulio Kahn e o gestor público Januario Montone.