Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Entre os novos indicadores divulgados pelo Ministério da Justiça a partir deste ano está a quantidade de armas apreendidas pelas polícias, por tipo, Estado e ano. Trata-se de um indicador relevante de monitorar, uma vez que armas de fogo estão envolvidas na maioria dos crimes violentos do País, como homicídios e roubos.
Neste artigo fazemos uma breve análise de algumas tendências interessantes no período 2017 a 2023, que inclui a flexibilização do acesso a armas de fogo entre 2018 e 2022. O primeiro dado que chama a atenção é que a quantidade de apreensões variou pouco no período – caindo 3,2% – não obstante a flexibilização. Embora existam inconsistências nas séries enviadas por alguns Estados, a expectativa geral é de que veríamos um aumento explosivo nas apreensões, que refletem de algum modo a quantidade de armas em circulação.
Outra constatação interessante é que o número de armas apreendidas em 2022 (101.950), último ano da gestão de Jair Bolsonaro, é praticamente igual ao número de armas apreendidas em 2023, primeiro ano da gestão Lula (102.456), quando novas regras restringiram expressivamente, desde janeiro, a concessão de novas armas. As apreensões, portanto, não parecem refletir de imediato as mudanças nas regras de concessão.
Esta estabilidade nas apreensões pode refletir mudanças nas políticas dos Estados com relação às apreensões, mudanças no perfil dos proprietários, o fato de que as alterações na lei afetaram mais a posse do que o porte e outras variáveis ainda não compreendidas. De todo modo, esta estabilidade ajuda a entender em parte por que não vimos uma explosão no número de homicídios dolosos, mas antes uma queda de 30,3% quando comparamos 2017 a 2023. Essa relação entre armas e homicídios é complexa e mostramos em outro artigo, usando variáveis instrumentais e dados em painel (Cerqueira, Kahn, Bueno e Lins, 2022), como a queda poderia ter sido ainda maior.
Variação de armas apreendidas por tipo
2017 a 2023
Se as apreensões estão estáveis, por outro lado os dados mostram que está ocorrendo uma mudança no tipo de arma apreendida pelas polícias. Revólveres e pistolas continuam a representar cerca de 60% das armas apreendidas, mas enquanto a apreensão de revólveres caiu 19,3%, a apreensão de pistolas cresceu impressionantes 60% no período. Observamos quedas também na quantidade de espingardas e “outras armas”.
As armas longas – carabinas, fuzis, rifles, submetralhadoras e metralhadoras –, boa parte das quais em mãos das organizações criminosas, representam ainda uma pequena parte das apreensões e passaram de 3,9% para 5,5% do total de armas. Note-se, todavia, as elevadas variações deste tipo de arma, que cresceram em média 36,5%. Isto pode significar tanto um aumento deste tipo de arma em circulação quanto talvez uma melhoria nas investigações e foco no combate ao crime organizado. Seria interessante analisar em que contexto – por exemplo, em que tipos de naturezas criminais – estas apreensões se deram.
É preciso ainda analisar em profundidade os efeitos da flexibilização de armas para a população civil e seu impacto sobre a criminalidade – entre outras estas mudanças no perfil das armas apreendidas pelas polícias, efeitos que muitas vezes só ficam claros em longo prazo. A disponibilização destas informações pelo Ministério da Justiça, em âmbito nacional, permite monitorar a questão desagregando as informações por mês e Estado, o que possibilita uma melhor compreensão do problema. A variação no volume e tipo de armas por Estado pode dar pistas importantes sobre estes efeitos, comparando, por exemplo, Estados com maior porcentagem de armas curtas (revólveres e pistolas) – mais frequentes nos crimes interpessoais – com Estado com maior porcentagem de armas longas – mais frequentes nas organizações criminosas.
A porcentagem de armas curtas dentro do universo de armas apreendidas, por exemplo, é muito maior nos Estados urbanos como Rio, São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul (média de 74,6%) e menor em Estados como Acre, Maranhão, Pará e Piauí (média de 37,2%), diferenças que podem ter implicações sobre o volume, tendências e tipos de crimes em cada Estado. Há uma correlação negativa de R -.17 entre taxa de homicídios e porcentagem de armas curtas no Estado.
O crescimento da apreensão de pistolas e armas automáticas e semiautomáticas de grosso calibre pode ser uma tendência preocupante, se refletirem um aumento da quantidade destas armas em circulação nas mãos do crime. Implicam num aumento de risco para os policiais e para a sociedade em geral, devido ao ser maior poder letal. Acompanhar de perto estas tendências é crucial para traçar políticas de segurança mais eficazes.
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