Redação Scriptum
A recente crise no setor de saúde suplementar, deflagrada pela decisão das operadoras de planos de saúde de romper contratos de forma unilateral e deixar sem cobertura pessoas idosas, em tratamento e com necessidades especiais, é o sinal de que o modelo de estruturação da saúde no Brasil está às vésperas de mudanças importantes. O alerta foi feito nesta terça-feira (11) durante reunião semanal do Espaço Democrático pelo consultor e gestor público Januario Montone, fundador e primeiro presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab.
Montone, que recentemente publicou artigo sobre o tema no site da fundação para estudos e formação política do PSD, mostrou um detalhado histórico de como os problemas vem se acumulando no setor de saúde suplementar desde a aprovação da Lei dos Planos de Saúde, em 1998 – então, as operadoras ofereciam planos com cobertura reduzida, excluindo dos contratos procedimentos em áreas como oncologia. Segundo ele, o Projeto de Lei 7419, que é relatado pelo deputado federal Duarte Jr. (PSB), entrará em discussão agora no Congresso, a partir do episódio dos cancelamentos unilaterais, e pode mudar muitas regras.
Montone apontou que o nó no sistema se originou em várias frentes diferentes. A primeiras delas, no mercado. “As operadoras nunca aceitaram a regulamentação do setor, reduziram as vendas de planos individuais e buscaram alternativas para fugir da regulação”, disse. Por outro lado, não menos importante, segundo ele a sociedade nunca aceitou o conceito de mutualismo e sempre exerceu forte pressão para que a cobertura dos planos de saúde seja feita sem regras e sem limites. “Não é possível o sistema se sustentar desta maneira, não é assim em nenhum lugar do mundo”, enfatizou. Do lado do governo, segundo ele a Agência Nacional de Saúde (ANS) não atuou para o desenvolvimento do setor, falhou na regulação e facilitou as distorções do mercado, como a introdução dos falsos planos empresariais para três vidas, que na verdade são planos familiares. “Além disto, o Ministério da Saúde oscilou entre ignorar o setor ou desfigurar a regulação”, disse. Por fim, não menos importante, está a ação do Judiciário, que adotou a visão de que tudo tem que ser atendido, tanto pelo sistema público quanto pelo privado.
Montone acredita que a solução para o imbróglio dos planos de saúde passa necessariamente pelo surgimento de uma liderança política forte que possa levar à convergência de interesses entre as operadoras e os consumidores. “O primeiro passo seria as operadoras se reconstruírem como empresas de saúde, cuidando da manutenção da saúde das pessoas e não dos eventos”, defende. Ele acredita que com a saúde digital isso seria possível, já que ela permite acompanhar o dia a dia de uma pessoa e tratar a saúde, evitar a doença ou o agravamento dela.
A mudança do modelo de remuneração do mercado é outro ponto que precisa ser discutido. “Não dá para o hospital ganhar por atendimento feito porque isso valoriza a doença, não a saúde, e é aí que está o descontrole financeiro”, destacou. Ele elogiou o modelo das Organizações Sociais: “Um grande avanço no SUS porque oferecem um pacote de atendimento a um conjunto de indicadores, de metas, e não por serviço individual prestado”.
O aumento do poder regulatório da ANS sobre os hospitais e outros prestadores é outro ponto levantado por ele, que também atribui ao Ministério da Saúde a liderança estratégica da reformulação do setor e da integração público privado. “É absurdo que não seja o ministério que lidere os debates do Projeto de Lei 7419”, disse. “A regulação do setor privado só saiu, em 1998, quando o governo assumiu a frente nas negociações”.
Por fim, Montone defende que o governo, Congresso e Judiciário construam uma consciência social de que é impossível entregar tudo para todos na área da saúde. “Esta ideia está nos impedindo de entregar o mínimo para todos ao não equalizar um atendimento de qualidade para todo mundo”, disse. “Gastamos orçamentos incríveis para fazer atendimentos muito localizados, dispersos e impossíveis de serem planejados, ao sabor das circunstâncias”.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático.