Pesquisar

tempo de leitura: 3 min salvar no browser

{ ARTIGO }

As consequências da violência para as vítimas e a sociedade

A única coisa que o poder público faz pelas vítimas, quando muito, é registrar um boletim de ocorrência, define o sociólogo Tulio Kahn

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Vez por outra gosto de revisitar pesquisas antigas para extrair novas informações. As pesquisas criminológicas são raras e custosas e às vezes apenas uma pequena parte dos dados é analisada. É o caso da pesquisa nacional de vitimização de 2014, organizada pelo Ministério da Justiça, que levantou mais de 1000 variáveis e ainda pode render muitos insights.

Neste artigo, exploro a relação entre diferentes tipos de agressão e como esse evento afetou a rotina das vítimas. Existem diversos tipos de agressão – físicas, psicológicas, financeiras etc. – e diferentes formas pelas quais as vítimas podem ser afetadas. Das 78 mil pessoas entrevistadas pela pesquisa, cerca de 11 mil reportaram algum tipo de agressão alguma vez na vida, algo em torno de 14% da amostra.

Cruzando as informações de tipo de agressão com tipo de consequências para as vítimas, vemos que as ofensas verbais como xingamentos e humilhações não despertam (proporcionalmente) medo nas vítimas, mas antes implicam em problemas emocionais, perda de tranquilidade e constrangimento diante dos demais. Implicam também em perda da autoestima e traumas psicológicos.

As ameaças com facas ou armas de fogo e as ameaças de morte, por sua vez, geram bastante medo nas vítimas, mas menos problemas emocionais. Muitas destas agressões ocorrem em contexto de roubos e furtos e tendem a gerar prejuízos financeiros.

Como esperado, as agressões físicas, como batidas, empurrões, chutes ou mais graves como esfaqueamento e tiros, implicam em problemas de saúde e limitações físicas, afastamento do trabalho ou emprego. A vitimização afeta diversas outras dimensões, como estilo de vida, a percepção de segurança na cidade ou a confiança nas polícias (cruzamentos feitos foram significativos, mas não serão reportados aqui).

As consequências das agressões – como de resto de qualquer crime – são heterogêneas, dependendo do tipo de agressão sofrida. Estas consequências implicam em custos econômicos e não econômicos para elas e para a sociedade. E o sistema de justiça criminal tem poucos recursos para lidar com estas consequências.

A título de reflexão, fizemos o cruzamento entre a vitimização por agressão e posição na PEA, tomando como categorias selecionadas o que Karl Marx definia como o “rebotalho da classe trabalhadora”: os trabalhadores informais, autônomos, desempregados e “não PEA” (provavelmente aqui os nem-nem, que nem trabalham nem estudam). Em quase todas as células, encontramos desvios da aleatoriedade que são positivos e frequentemente significativos, significando que a quantidade de vítimas é desproporcional nestas posições.

Existe aqui, provavelmente, uma relação de mão dupla entre os fenômenos: é provável que uma posição precária na PEA aumente a probabilidade de vitimização, como se observa pelos desvios elevados nas células Não PEA X “esfaqueamento ou tiro” ou “ameaças de morte”. Mas é possível especular também que o fato de ter sofrido a agressão piore as condições de empregabilidade dos indivíduos, seja pelos traumas psicológicos, financeiros e outras consequências de longo curso da vitimização, como a desestruturação familiar e a violência intergeracional.

O conhecimento destas consequências e da sua heterogeneidade é importante para pensar em políticas públicas para as vítimas, que vão desde o acompanhamento psicológico até o eventual apoio financeiro temporário às vítimas de violência. Estas consequências podem ser de longo prazo a depender da frequência e gravidade dos eventos e são especialmente danosas para os grupos de menor renda.

A violência na sociedade brasileira atinge direta ou indiretamente boa parte da população e em especial os setores menos privilegiados. Ela é um obstáculo ao crescimento individual e nacional. E a única coisa que o poder público faz pelas vítimas, quando muito, é registrar um boletim de ocorrência, praticamente inexistindo outras formas de suporte. Para os autores da violência, menos ainda, exceto a aplicação da lei. E cada qual que arque com seus traumas e prejuízos, que não são poucos!

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


ˇ

Atenção!

Esta versão de navegador foi descontinuada e por isso não oferece suporte a todas as funcionalidades deste site.

Nós recomendamos a utilização dos navegadores Google Chrome, Mozilla Firefox ou Microsoft Edge.

Agradecemos a sua compreensão!