Roberto Ordine, advogado e consultor do Espaço Democrático
Edição Scriptum
O Brasil precisa analisar as consequências econômicas e sociais diante da ausência da regulamentação das bets como jogo de azar. Lembrando a célebre definição filosófica de que a família é a base da sociedade, pode-se dizer que essa frase deixa de ser apenas uma figura de retórica, para se transformar na essência da questão em discussão.
Isto porque as apostas realizadas em excesso, como ocorre com as bets, vão atingir a sobrevivência da própria família, causando desequilíbrio social direto e irreparável para seus membros e indiretamente para a sociedade. Para ilustrar a questão, basta lembrar as funções dos verbos prover e manter para a existência deste ente social.
Na era primitiva cabia ao homem a provisão da família e, para isso, todos os dias ele saía para caçar, enquanto a mulher ficava em casa cuidando da prole e das precárias atividades domésticas. Já no mundo moderno, as duas funções, de prover e manter, podem ser atribuídas aos dois. Aqui os dois verbos passaram a ter o mesmo significado e tanto a mulher que passou a trabalhar fora, quanto o homem, passou a ajudar nas atividades domésticas. Dessa forma, ambos colaboram igualmente para a subsistência da família, não só na educação dos filhos quanto na provisão do lar.
Esta introdução faz-se necessária para que possamos verificar onde e quando o descumprimento e desajuste dessas funções familiares podem causar sérias consequências econômicas e sociais. Por outro lado, não podemos deixar de considerar, que a ausência desses valores morais e sociais, podem trazer graves prejuízos não só para a própria família como também para a sociedade. Neste campo, enquanto houver a existência de fraqueza nos vícios e dos desvios de conduta das pessoas, a falta de regras claras e justas para os jogos de azar, por exemplo, a segurança das famílias e da própria sociedade correrão perigo.
Não sou contra os jogos de azar, afinal as bets são apenas uma das modalidades desse tipo de “entretenimento” e sabemos que é impossível proibir, afinal, existe arrecadação por trás disso, mas regular e limitar as apostas é fundamental. Esse divertimento está destruindo famílias e comprometendo sua renda, seu trabalho, deixando de ser um momento de distração e se tornando um vício que degenera a capacidade de obter limites e disciplina.
Nossa bandeira é pela urgência da regulamentação e contenção das bets. As pessoas estão deixando de consumir para jogar e os números comprovam isso, 63% dos brasileiros que fazem apostas esportivas declararam ter parte da renda comprometida para isso. Outros 37% disseram ter usado o dinheiro para outros fins em apostas. A cada três cartões de crédito utilizados para apostas, dois não são pagos. E 42% das pessoas que apostam já estão endividadas. Onde é que vamos parar se não regular essas apostas?
De acordo com dados do Strategy& da PwC e CETIC apresentados recentemente pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), 68% dos brasileiros apostadores tiveram influência de propagandas de times de futebol para apostas esportivas. As cifras dos investimentos em publicidade e propaganda representam R$ 1,31 bilhão em 2023, com estimativa de encerrar o ano com R$ 2 bilhões.
Na economia, o dinheiro que antes era utilizado para fins como poupança ou gastos com bares, restaurantes e delivery, hoje é a principal fonte para apostas esportivas, que representam os seguintes percentuais:
51% dinheiro que poupava no final do mês;
48% gastos com bares / restaurantes / delivery;
42% outros gastos de entretenimento;
41% compras de roupas / acessórios que fazia;
45% de outras apostas que já fazia. Ou seja, o que se ganha na aposta é colocado em jogo novamente.
Vejam quanto do orçamento doméstico está sendo gasto em apostas on-line. O reflexo disso está na economia, no comércio e consumo, que já sentem os efeitos desse comportamento desenfreado.
Existe a ilusão de que essas apostas fazem “ganhar” dinheiro, quando na verdade as pessoas estão perdendo os limites, valores e o tempo, que é escasso e não volta. Elas estão deixando de executar suas tarefas para ficarem horas apostando em bets na fantasia do lucro. Diante de tamanha repercussão negativa dos resultados desse tipo de aposta, podemos considerar que as bets são uma questão de responsabilidade social e saúde pública, pois esse mercado está corroendo economias e famílias.
É um problema tão sério que as pessoas têm buscado lazer e prazer por meio desses jogos, o que tem acarretado no desvio de recursos próprios, como a utilização de mais de um cartão de crédito, empréstimos bancários, agiotas, reservas de emergência, além da venda de bens, inclusive herança, para sustentar o vício dessas apostas.
Um levantamento feito pelo Instituto DataSenado mostra que 22,13 milhões de pessoas disseram ter apostado em bets nos últimos 30 dias (setembro). De acordo com um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, as bets podem causar um prejuízo anual de R$ 117 bilhões para o comércio brasileiro.
Já o Banco Central acredita que o volume mensal de dinheiro destinado para bets via Pix pode variar de R$ 18 a R$ 20 bilhões. Só nos casos apurados dos beneficiários do Bolsa Família, foram utilizados em apostas on-line R$ 3 bilhões.
A CPI das bets no Senado pode contribuir para reduzir o volume dessas apostas. A família sempre estará em primeiro lugar e seu sustento não pode e não deve ser direcionado para atividades de apostas que nada trarão de retorno para humanidade. Essas cifras só corroboram a dimensão desse mercado e os prejuízos para a sociedade como um todo. Cabe a nós, entidades que têm voz, lutar pela regularização e diminuição das bets. Para isso, medidas podem minimizar esse cenário catastrófico como impedir o uso do benefício do Bolsa Família para apostas on-line, restringir cartões de crédito para esse intuito, empréstimos e, no caso do Pix, limitar ou suspender.
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