Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
O título desse artigo é uma alusão a uma obra clássica da teoria política do século 19, intitulada “Considerações sobre o governo representativo” (1861). Escrito pelo filósofo liberal britânico John Stuart Mill (1806-1873), o livro discute os pontos positivos e negativos dos sistemas representativos de seu tempo, e também propõe instrumentos para conciliar o governo representativo (baseado no poder da maioria) com a liberdade individual.
Já o meu objetivo aqui é bem mais modesto. O Brasil pode estar perto de retomar o debate sobre a reforma do sistema eleitoral que utilizamos para escolher os nossos representantes legislativos. Assim, nada mais oportuno do que tentar explorar, mesmo que brevemente, os diferentes valores políticos que, de forma explícita ou velada, sempre orientam as propostas de adoção deste ou daquele sistema eleitoral.
Sempre que falamos de sistemas eleitorais, de voto ou de reformas eleitorais, estamos necessariamente discutindo a própria ideia de representação política. E o estudo acadêmico de referência nesse campo continua sendo o célebre livro “O conceito de representação” (1967), da cientista política germano-americana Hanna Pitkin (1931-2023).
Ali, ela elabora um paradoxo inerente ao próprio significado da representação política: como “tornar presente de alguma forma o que apesar disso não está literalmente presente”. Apenas para aguçar a curiosidade do leitor, Pitkin formula não uma única, mas quatro visões de representação: a formalista, a descritiva, a simbólica e a substantiva.
Tudo isso para dizer que todos os sistemas eleitorais existentes operam a partir de distintos pressupostos valorativos. De fato, o regime democrático é compatível com uma pluralidade de princípios que são subjacentes às escolhas institucionais possíveis. Alguns desses princípios e valores até se complementam mutuamente, e podem operar em harmonia. Outras vezes, no entanto, os princípios e valores que orientam a representação política podem entrar em rota de colisão, forçando a opção por um em detrimento do outro.
Assim, os sistemas representativos – ou, se quiserem, os sistemas eleitorais – são desenhados para maximizar certas concepções a respeito do que é a boa representação. E todas estas concepções são defensáveis do ponto de vista da legitimidade democrática. A arte das reformas eleitorais consiste, portanto, na capacidade de avaliar adequadamente os riscos e oportunidades seja da manutenção do sistema em vigor (qualquer que seja ele), seja da sua substituição por algum outro.
Listarei a seguir, em ordem aleatória e sem a pretensão de ser exaustivo, alguns princípios e valores políticos que inspiram os diferentes sistemas eleitorais existentes nos países democráticos: o fortalecimento dos partidos políticos, a liberdade de escolha dos eleitores, a governabilidade, a pluralidade de opiniões, a representatividade das regiões, a formação de maiorias e a defesa das minorias.
Como dá pra notar, nem sempre é possível dar o mesmo peso a todos estes princípios e valores democráticos numa mesma estrutura político-eleitoral. O debate sobre reformas eleitorais é muito mais complicado do que parece. As nossas preferências por este ou por aquele sistema não pode ser algo meramente formalista ou estético. Boas opções de sistemas eleitorais não faltam. Mas, ao fim e ao cabo, são os fatores históricos, culturais, políticos e sociais que terão a última palavra.