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{ ARTIGO }

Aprovação do pacote de corte de gastos é exemplo de coordenação política

Rogério Schmitt aponta os vários lances bem-sucedidos na articulação entre Executivo e Legislativo nas últimas semanas de 2024

Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Passado o tumulto das festas de fim de ano, nada mais oportuno do que fazer um balanço do processo de tramitação, no Congresso, das propostas que compuseram o recente pacote de contenção de gastos públicos elaborado pelo Ministério da Fazenda. Como veremos, presenciamos um (raro) caso exemplar de boa articulação política entre os poderes Executivo e Legislativo.

As medidas do pacote vieram a público no dia 28 de novembro, numa entrevista coletiva dos principais membros das equipes econômica e política do governo Lula. Naquela ocasião, foi anunciado o envio imediato ao Congresso de uma proposta de emenda constitucional, de um projeto de lei complementar e de um projeto de lei ordinária. Somadas, as três propostas representariam uma economia inicialmente estimada em R$ 71,9 bilhões em dois anos.

Na prática, havia pouquíssimo tempo útil para a tramitação do pacote na Câmara e no Senado, tendo em vista a determinação constitucional de início do recesso parlamentar anual em 20 de dezembro. Mas, como ensina o ditado popular, o combinado não sai caro. Um eficaz acordo político entre o governo, as presidências da Câmara e do Senado e as lideranças partidárias permitiu que as propostas chegassem à fase de votações em plenário mais rapidamente do que o usual.

Comecemos examinando a tramitação do projeto de lei ordinária. O PL 4.614/24 chegou ao Congresso já no dia 29 de novembro. Resumidamente, a proposta restringe o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), e limita a 2,5% acima da inflação os reajustes do salário mínimo até 2030. A aprovação de um requerimento de urgência, em 4 de dezembro, permitiu que o projeto fosse votado diretamente no plenário da Câmara, sem passar pelas comissões temáticas.

O projeto – que exigia um quórum de maioria simples – acabaria sendo aprovado em plenário no dia 19 de dezembro, pelo placar de 264 deputados favoráveis contra 209 contrários. No Senado, a votação em plenário aconteceu no dia seguinte, último antes do recesso parlamentar, tendo sido aprovado com os votos favoráveis de 42 senadores, contra 31 contrários. A sanção presidencial viria em 27 de dezembro, quando o projeto seria definitivamente convertido na Lei nº 15.077.

O segundo item do pacote era o projeto de lei complementar – um tipo de legislação que requer, para aprovação, os votos da maioria absoluta dos dois plenários. Essa é a proposta que limita certos tipos de gastos públicos (incentivos tributários, despesas com pessoal e emendas parlamentares) em caso de déficits fiscais primários. O PLP 210/24 também chegou ao Congresso no dia 29 de novembro. Assim como o projeto anterior, entrou em regime de urgência a partir do dia 4 de dezembro.

A aprovação do PLP no plenário da Câmara aconteceu no dia 17, pelo expressivo placar de 318 votos sim contra 149 votos não. No Senado, a votação (no dia 19) acabaria sendo praticamente consensual: 72 votos favoráveis contra um único voto contrário. Por seu turno, a sanção presidencial veio no penúltimo dia útil do ano (30), quando a proposta foi convertida na Lei Complementar nº 211.

O terceiro e último item do pacote de corte de gastos foi a proposta de emenda constitucional. A PEC 45/24 foi a última enviada ao Congresso – chegou somente em 3 de dezembro. Em linhas gerais, a PEC limita o pagamento de supersalários no funcionalismo público, muda as regras de pagamento do abono salarial, prorroga até 2032 a Desvinculação das Receitas de União (DRU) e ainda cria novas regras para que o governo estabeleça limites e condições de renúncias fiscais.

A aprovação de PECs requer a realização de dois turnos de votação nos plenários de cada casa legislativa, com o apoio mínimo de 3/5 dos parlamentares em cada turno. Para acelerar a votação desta proposta específica, a estratégia vitoriosa foi apensá-la a uma outra PEC que já estava pronta para votação em plenário.

As quatro votações da PEC aconteceram na mesma data (19). Na Câmara, os placares registrados foram de 344 votos sim contra 154 votos não (1º turno) e 348 votos sim contra 146 votos não (2º turno). Já no Senado, a aprovação se deu por maiorias de 53 votos sim contra 21 votos não (1º turno) e de 55 votos sim contra 18 votos não (2º turno). E a homologação final da PEC pelo Congresso viria em 20 de dezembro, com a sua conversão na Emenda Constitucional nº 135.

Escrevi lá no primeiro parágrafo que estávamos diante de um caso exemplar de boa coordenação política entre governo e Congresso. Esse diagnóstico se baseia, por um lado, no curtíssimo tempo (25 dias, em média) decorrido entre o envio e a entrada em vigor das propostas do pacote de corte de gastos. E se baseia também, por outro lado, na dimensão das maiorias formadas em plenário (que variaram entre 51% e 89% do total de deputados ou senadores).

O sucesso, porém, não foi unicamente político e procedimental. Foi também substantivo. Como sempre acontece, os parlamentares modificaram os textos originais enviados pelo governo, o que reduziu o efeito das propostas. No entanto, o próprio Ministério da Fazenda anunciou (em 22 de dezembro) que o impacto da “desidratação” promovida pelo Congresso sobre o corte de gastos será de somente R$ 2,1 bilhões até 2026 (menos de 3% do que o governo pretendia economizar).

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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