Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
A boa teoria política sinalizou já há algum tempo que o sistema político democrático deve funcionar com três poderes harmônicos e equilibrados: Executivo, Legislativo e Judiciário. O que não estava no script desse belo arranjo, que circunscreve os apetites pelo poder e estimula a regulação em benefício da sociedade, é a existência de três “governos”, como acontece hoje no Brasil.
Sim: além de três poderes, o país tem também três governos. Um deles é o da área econômica, comandada por Fernando Haddad. Parece participar de um filme no qual não faz parte do enredo. Demonstra um esforço extraordinário para conferir um pouco de racionalidade à questão fiscal, mas passa a ideia de que luta contra a vontade presidencial e da “República da Bahia”, o que tem implicações nada desprezíveis no plano da economia e da vida das pessoas de carne e osso.
O segundo governo, fortíssimo, é o Legislativo. Esse tem vida própria. Além de elaborar leis e de vez em quando depor um presidente, se transformou em um verdadeiro Banco Central informal. Depois de 2015, adquiriu um poder extraordinário de direcionar recursos: do orçamento discricionário, nossos deputados e senadores açambarcam 24,6%. Trata-se de um recorde mundial. Os parlamentares brasileiros viabilizam a construção de equipamentos públicos nas cidades que os transformam em grandes eleitores de prefeitos que, por sua vez, os apoiam nas eleições subsequentes.
O Legislativo turbinado pelas emendas impositivas passou a depender muito menos do Executivo, que no passado era responsável pela sua execução. Os congressistas ficaram muito mais poderosos e, como tais, donos de suas decisões. Levantamento da Folha de S.Paulo apurou que, nos últimos dois anos, apenas 20 de 133 Medidas Provisórias editadas, ou seja, 15%, foram aprovadas e viraram leis, com modificações. Antes, uma MP era quase intocável.
O terceiro governo é Lula e seu entorno esquerdista raiz. Como se sabe, o PT tem apenas 16% da Câmara Federal, mas ocupa, com seus aliados de esquerda, pouco representativos, os ministérios mais importantes. Além disso, Lula tem uma agenda dissociada dos outros dois governos apontados acima. Está se lixando para o equilíbrio fiscal, só enxerga à frente sua reeleição. E tem uma pauta no plano de comportamento que colide frontalmente com um Congresso majoritariamente conservador.
Na primeira reunião ministerial do ano, poucos dias depois de o dólar atingir o humilhante valor de R$ 6,30 e os agentes econômicos estarem atônitos, tentando entender o que acontecera, quais foram os recados do presidente? A eleição já começou e temos que nos comunicar melhor, passando uma reprimenda pública no ministro Haddad pela repercussão do caso PIX. Com a popularidade em baixa, Lula também quer levar para o núcleo palaciano a incansável gladiadora Gleisi Hoffmann, a maior “oposicionista interna” do ministro da Fazenda.
Temos três governos. E três governos brigando entre si. Não pode dar certo.
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