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{ ARTIGO }

Música e mudança de paradigma

Luiz Alberto Machado, especialista em economia criativa faz um passeio sobre a evolução das formas de ouvir música

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

 

Um dos segmentos da economia criativa em que se observou acentuada mudança de paradigma foi o da música.

Começo por explicar o que entendo por paradigma. Parto da concepção do consagrado filósofo da ciência Thomas Khun, para quem “paradigmas são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. A referida concepção aparece num dos livros mais influentes da segunda metade do século 20, A Estrutura das Revoluções Científicas, publicado originalmente em 1962.

Como sinônimo de padrões, modelos, exemplos, protótipos, referências, regras, normas, arquétipos, a palavra paradigmas extrapolou o universo da ciência e passou a ser utilizada para designar exemplos gerais, conjunto de formas ou modelo de algo predominante numa determinada realidade.

Levando isso em consideração, observam-se diversos casos de mudança de paradigmas acompanhando a evolução do universo da música, dois dos quais me parecem dignos de realce: o primeiro diz respeito à forma de armazenamento e reprodução e o segundo à aferição do sucesso.

Armazenamento e reprodução

No que se refere às formas de armazenamento e reprodução, as mudanças de paradigmas começaram há muito tempo, mas sua rapidez acentuou-se nas últimas décadas. Diversos jornalistas e pesquisadores interessados em inovação tecnológica têm se debruçado sobre o tema, entre os quais Jorge Tarquini, para quem “até a segunda metade do século 19, só era possível ouvir música ao vivo − mas, de lá para cá, muita coisa mudou”.

Com relação à música ao vivo, vale a pena reproduzir o trecho inicial do artigo Linha do tempo da reprodução de músicas:

Fosse uma orquestra completa se apresentando em grandes salas de concerto ou apenas uma camerata (ou um trio ou quarteto de cordas) tocando numa residência –  ou músicos saltimbancos alegrando praças públicas ou estalagens –, fato é que, por melhor que fosse, a música era para ser apreciada ao vivo. E guardar na memória.

Viajando no tempo, seguem-se as principais mudanças de paradigma dos registros iniciais até a distribuição digital da música.

Fonógrafo – Embora o impressor e vendedor de livros francês Édouard-Léon Scott de Martinville tenha patenteado o fonoautógrafo (um aparelho que gravava os sons em um cilindro em 25 de março de 1857) e realizado a primeira gravação da voz humana de que se tem notícia na História, cantando a canção Au Clair de la Lune,  em 9 de abril de 1860, ele não conseguiu reproduzir o som captado na forma de uma “imagem”.

Demorou até 1877 para que Thomas Edison, enquanto fazia experimentos com o telégrafo, acabasse por inventar o fonógrafo, registrando a vibração sonora de sua própria voz por meio de uma agulha que a reproduzia em uma folha de estanho enrolada como um cilindro – criando sulcos na sua superfície, que eram “lidos” por uma outra agulha, do outro lado do cilindro, reproduzindo assim (pela primeira vez) o som gravado.

Gramofone – Em 1888, o alemão Emil Berliner, utilizando uma agulha que percorria as ranhuras gravadas pela vibração sonora em um disco plano giratório coberto com materiais tão diversos quanto cera, goma laca, vinil e cobre, apresentou ao mundo o gramofone. Uma espécie de corneta tratava de amplificar o som captado.

Fita magnética – A partir da tecnologia de gravação em cabos magnéticos criada pelo engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen em 1898, e de avanços parciais que se estenderam até a década de 1920, o alemão Fritz Pfleumer utilizou pela primeira vez, em 1928, uma fita magnética (fita plástica coberta de material magnetizável) para registrar áudio, desencadeando, assim, uma série de novos equipamentos e formatos magnéticos analógicos e digitais para registro de som, vídeo e dados de computador.

Disco de vinil – A mudança de paradigma seguinte vivenciada na forma de reprodução musical ocorreu em 1948, com o surgimento dos discos de vinil, que ainda eram chamados de long play. No auge dos seus prolongados anos de existência, muitas pessoas ainda preferem o som analógico dos LPs. Produzida com um material plástico leve e flexível, essa mídia tem ranhuras espiraladas que conduzem a agulha do toca-discos – também conhecido como vitrola ou radiola. Tais sulcos microscópicos causam vibrações na agulha, as quais são transformadas em sinais elétricos que, quando amplificados, geram sons audíveis. O disco de vinil ajudou a aumentar a quantidade de músicas gravadas (e o tempo de reprodução) e a baratear a produção, popularizando, consequentemente, o consumo de música pela compra de discos.

Fita cassete – Aperfeiçoando o cartucho 8-track, mídia pioneira em gravar conteúdos sonoros em fitas magnéticas, que foi muito popular nos EUA, a empresa holandesa Philips adaptou em 1963 a tecnologia de fitas magnéticas para um modelo compacto e portátil, que aqui no Brasil ficou conhecido por fita cassete (ou apenas K7). Isso abriu a possibilidade de que pessoas, de posse de fitas “virgens” pudessem produzir suas próprias seleções musicais, fazendo com que gravadores portáteis se tornassem uma febre.

Walkman – No dia 1° de julho de 1979, chegou ao mercado japonês o primeiro walkman, criado pela Sony. Dessa forma, com o auxílio (ou não) de fones, as pessoas podiam ouvir música enquanto se locomoviam. Além de reproduzir fitas gravadas, permitia que fosse usado como um gravador.

CD – Abreviatura de Compact Disc, o CD foi lançado em 1º de outubro de 1982, dando início à era da música digital (que abriu caminho para o surgimento dos CD-ROMs, dos DVDs e dos blue-rays). Essa mídia óptica foi desenvolvida especificamente para armazenar e reproduzir arquivos de áudio. A tecnologia foi criada em 1979, mas os compact discs só começaram a ser comercializados a partir de 1982. Esses discos compactos dominaram as prateleiras ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000. Ainda que os CDs estejam perdendo espaço com o passar dos anos e da popularização de outras mídias, é possível encontrá-los com facilidade no mercado.

MP3 – O MP3 player chegou para revolucionar a forma como as músicas eram armazenadas e ouvidas no ano de 1998, com créditos para a empresa coreana Saehan. Ele praticamente liquidou com todas as tecnologias antecessoras por ser facilmente transportado em qualquer bolso ou mochila e pela sua longa vida útil se comparado às outras mídias existentes até então. O primeiro aparelho lançado tinha meros 32 MB de memória (espaço irrisório para os padrões atuais). Um ano depois, a Samsung lançava o primeiro celular com suporte para esse tipo de funcionalidade.

Streaming – Atualmente, ouvimos música sem a necessidade de transferir arquivos para o computador. É o serviço de streaming (o mesmo que transmissão), oferecido por aplicativos como o Spotify e Youtube. O streaming no formato que conhecemos tomou forma no final da década de 1980 e começou a se desenvolver nos anos 1990, sendo que a primeira rádio on-line surgiu em 1994. Contudo, a infraestrutura precária e a baixa disseminação da internet nesse período fizeram com que esse tipo de mídia demorasse para se popularizar. Nos últimos anos é que o streaming ganhou força. Atualmente, existem inúmeros serviços em que você pode escutar música sem baixar nada, quando e onde estiver. Mais do que isso, você já pode assistir a filmes completos em alta definição diretamente do seu PC ou celular sem fazer o download de nenhum arquivo.

Aferição do sucesso

Embora existissem outras formas de aferir o sucesso de um cantor, o critério predominante era o de número de discos vendidos. Surgiu daí a categorização dos chamados discos de prata, ouro, platina e diamante, que se estende até os dias de hoje, variando de país para país e considerando outros critérios de reprodução em lugar do número de álbuns vendidos.

Entre os maiores destaques da época da vendagem de discos encontram-se Elvis PresleyFrank Sinatra, os Beatles Michael Jackson, cujos enorme sucessos os transformaram em protagonistas do cinema e da TV.

Com o extraordinário alcance das redes sociais possibilitado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação e da transmissão por meio do streaming, a maneira de aferir o sucesso tornou-se mais complexa e os números atingidos por alguns nomes passaram a ser estratosféricos. Num evidente sintoma da globalização, constata-se que determinados cantores ou grupos alcançam projeção mundial, enquanto outros apenas local ou regional.

Um dos sinais evidentes da mudança de patamar do sucesso de cantores verificado em diversos países do mundo é o local em que se apresentam em seus megashows. Se num passado − não muito distante − salões e auditórios foram substituídos por ginásios, o que se vê hoje em dia é a utilização de estádios ou áreas ao ar livre onde podem comparecer dezenas de milhares de pessoas.

Projeção mundial

Ganhou destaque, recentemente, o sucesso alcançado pela cantora Taylor Swift, cuja turnê The Eras Tour teve impacto no PIB de diversas cidades e até de países, impulsionando o setor hoteleiro, gerando empregos e aumentando o número e os gastos de turistas. O faturamento de Taylor Swift, assim como de alguns cantores de projeção internacional, supera o PIB de diversos países, num fenômeno inimaginável tempos atrás.

De acordo com a Wealthy Gorilla, que juntamente com a Forbes é uma renomada fonte que avalia a riqueza e o sucesso financeiro de várias personalidades, os cantores mais ricos dos últimos anos são:

  1. Jay-Z: rapper, empresário e produtor musical. Patrimônio estimado em US$ 2,5 bilhões.
  2. Paul McCartney: músico britânico conhecido por ser um dos membros fundadores dos Beatles. Patrimônio estimado em US$ 1,2 bilhão.
  3. Herb Alpert: músico, compositor e produtor americano conhecido por seu trabalho com o grupo Herb Alpert & the Tijuana Brass. Patrimônio estimado em US$ 850 milhões.
  4. Bono: vocalista da banda de rock irlandesa U2. Patrimônio estimado em US$ 650 milhões.
  5. Júlio Iglesias: cantor espanhol de renome internacional. Acumula diversos sucessos em inglês e espanhol. Patrimônio estimado em US$ 600 milhões.

Já entre as cantoras, destacam-se:

  1. Taylor Swift: com sucessos como Shake It Off e Love Story, a cantora foi uma das únicas a atingir tamanho patrimônio com fonte quase exclusiva da música (sem produtos). Fortuna estimada em US$ 1,6 bilhão.
  2. Rihanna: ela é uma das cantoras mais bem-sucedidas da atualidade com hits, como Umbrella e Stay. Fortuna estimada em US$ 1,4 bilhão.
  3. Madonna: ícone pop desde os anos 1980, a diva conquistou gerações com grandes hits, como Like A Virgin. Fortuna estimada em US$ 850 milhões.
  4. Céline Dion: a cantora será sempre lembrada por My Heart Will Go On, do filme Titanic e outros grandes singles. Fortuna estimada em US$ 800 milhões.
  5. Beyoncé: tem uma das carreiras mais estáveis do mundo pop com diversos hits que marcaram gerações, como Single Ladies e Halo. Fortuna estimada em US$ 500 milhões.

Língua hispânica

Historicamente, além de Júlio Iglesias, que está entre os cinco cantores mais ricos do mundo de acordo com a Wealthy Gorilla, fizeram grande sucesso o mexicano Luis Miguel, o grupo cubano Buena Vista Social Club, o espanhol Alejandro Sanz, o colombiano Juanes, o porto-riquenho Rick Martin e a cubana Gloria Estefan, considerada Rainha do Pop Latino.

Atualmente, fazem enorme sucesso as colombianas Shakira e Karol G, além do rapper, cantor e ator porto-riquenho Bad Bunny.

Brasileiros

No Brasil, o cantor de maior sucesso é Roberto Carlos, com fortuna estimada em mais de R$ 1 bilhão, conhecido e lembrado por diversos sucessos atemporais, como Esse cara sou euEmoções e Como é grande o meu amor por você.

A relação dos dez maiores faturamentos entre cantores e cantoras do Brasil em 2024 apresentou:

  1. Gusttavo Lima
  2. Wesley Safadão
  3. Luan Santana
  4. Ivete Sangalo
  5. Jorge & Mateus
  6. Henrique & Juliano
  7. Anitta
  8. Zé Neto & Cristiano
  9. Maiara e Maraisa
  10. Zezé di Camargo e Luciano

Vale destacar o grande sucesso da cantora e compositora sertaneja Marília Mendonça, falecida num acidente aéreo em 5 de novembro de 2021. Só em 2019, ela recebeu US$ 4,2 milhões pela reprodução das suas músicas nas plataformas de streaming.

Um dos fatores que impedem que os brasileiros atinjam números comparáveis aos alcançados por outros cantores e cantoras reside no fato de cantarem quase exclusivamente em português, que não é um idioma muito falado fora do Brasil, Portugal e outros países de língua portuguesa.

As exceções são Anitta, cuja música Envolver, apresentada pelo YouTube em espanhol, entrou para o Guiness como a primeira mulher latina a atingir o topo do Spotify Global, e o cantor sertanejo Michel Teló, graças ao sucesso em 2011 de seu hit Ai se eu te pego, que bateu 1 bilhão de acessos no YouTube. Gravada também em inglês, a música de Michel Teló tornou-se mundialmente conhecida por ser ouvida por jogadores como Neymar e Cristiano Ronaldo, além de ser seguidamente reproduzida por DJs em torneios importantes do circuito mundial de tênis e de voleibol.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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