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{ ARTIGO }

Valores médios e medianos dos crimes contra o patrimônio em São Paulo

Monitorar pode ser um indicador relevante para testar se as políticas de enfrentamento estão sendo bem sucedidas, escreve Tulio Kahn

 

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

 

Quanto se ganha com o crime, como um roubo, furto ou estelionato? É difícil responder a esta pergunta por uma série de motivos: boa parte dos crimes, principalmente de pequena monta, deixa de ser registrada pelas vítimas. Pesquisa de vitimização realizada pelo Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2024, em todas as regiões do País, aponta que apenas 18% das pessoas que sofreram golpes financeiros na internet e redes sociais registraram a ocorrência, o que dá uma noção do tamanho da subnotificação nestes casos.

Depende também de quão “produtivo” é o criminoso e o tipo de alvo selecionado. E a distribuição dos valores é bastante assimétrica: alguns poucos crimes podem render dezenas de milhares de reais enquanto a maior parte deles rende muito pouco. Essa distribuição assimétrica torna o cálculo de médias bastante enganosas, assim como as tentativas de estimar quanto fatura a criminalidade em geral ou a organizada em particular.

É possível obter alguma aproximação com base nos valores subtraídos em cada evento criminoso, por vezes declinado pelas vítimas no Boletim de Ocorrência, por razões de seguro ou no caso (improvável) de recuperação do dinheiro. Desde já observamos que a amostra tem um viés para cima, uma vez que a probabilidade de notificação sobe com o montante do valor subtraído. Mas o dado permite dar uma ideia de grandeza do lucro criminal ou prejuízo para as vítimas, da variação no tempo e das diferenças de ganho entre as modalidades criminosas.

Para fazer estas estimativas nos valemos das bases de “objetos subtraídos” que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disponibiliza em seu sítio na internet. Existem centenas de objetos subtraídos em centenas de modalidades criminais. Assim, filtramos a base extraindo apenas os casos onde o tipo de unidade é “Valor” e tipo de objeto é “Real”. Filtramos ademais as naturezas “furto”, “roubo”, “estelionato”, “extorsão e extorsão mediante sequestro”. Estes filtros cumulativos resultaram numa base de dados com  83.665 registros, coletados entre janeiro de 2023 e fevereiro de 2025.

A tabela abaixo traz a contagem de casos, média de valor subtraído, mediada e desvio padrão, por tipo de crime. Como pode ser observado, existe uma diferença grande entre a média e a mediana, em todos os crimes. Essa variabilidade nos dados pode ser observada também pelo desvio padrão. Usar as médias nesse caso seria temerário, pois elas são fortemente influenciadas pela presença de alguns poucos casos com valores extremos. A mediana, como se sabe, é a medida de posicionamento central dos dados, o valor que divide a amostra de valores ao meio.

 

 

Assim, por exemplo, embora na média os roubos tenham causado prejuízos em torno de R$ 8 mil, em metade dos casos este valor foi inferior a R$ 350. Isso ocorre porque roubos misturam alvos lucrativos – como roubos a residência, estabelecimento bancário, saidinha de banco e caixas eletrônicos – e alvos menos lucrativos, como roubos no interior de transporte coletivo, cuja mediana gira em torno de R$ 65. O histograma com a distribuição dos valores dos roubos mostra, com efeito, que 57% dos casos de roubo estão na faixa até R$ 500.

Um histograma agrupa os valores em faixas e ilustra bem a assimetria da distribuição: muitos roubos rendendo pouco e poucos rendendo muito. Este mesmo formato é válido para os demais crimes, com exceção dos estelionatos: apenas 15,2% dos estelionatos estão contidos nesta primeira faixa, até R$ 500, o que é um indicativo adicional de que esta modalidade criminal tem sido mais lucrativa do que as demais. Mais mesmo do que os casos de sequestro, que antigamente atingiam alguns poucos milionários e rendiam muito. Atualmente, a média dos sequestros rende R$ 6 mil e a mediana é de R$ 650. Não paga nem os gastos com alimentação do sequestrado, se o cativeiro for longo…

As diferenças de rendimento ajudam a entender porque alguns crimes estão em queda, como os roubos e as extorsões mediante sequestro, enquanto outros estão em elevação. As penas para roubo e sequestro são bem maiores do que de estelionato, cuja mediana de rendimento é de cerca de R$ 2 mil, bem superior ao rendimento dos primeiros. Como pouca gente porta grandes quantias em dinheiro, um arriscado roubo a transeunte, a modalidade mais frequente de roubo, rende apenas R$ 250 (mediana) em espécie. Por isso o alvo principal dos roubos e furtos passou há muitos anos a ser o celular ou outros bens de alto valor agregado.

Um estelionato cometido pela internet – usando o filtro adicional “tipo de local” – bem menos arriscado, rende 7,6 vezes mais (R$ 1.905, mediana). E o rendimento desta modalidade é crescente, passando de R$ 1.700 no primeiro trimestre de 2003 para R$ 2.247, tomando os dois primeiros meses de 2025. A título de comparação, a citada pesquisa de vitimização do Datafolha estimou que, em média, as fraudes no cartão de crédito deram um prejuízo de R$ 1,702 às vítimas enquanto os golpes com Pix e boletos falsos custaram em média R$ 1.470, valores relativamente próximos aos obtidos na consulta aos BOs. Mas os dados não são totalmente comparáveis, pois a pesquisa de vitimização inclui casos não registrados na polícia e trabalha com médias.

Estas estimativas ajudam a entender também porque o alvo dos criminosos não é o valor em espécie, mas principalmente o aparelho celular, que vale não somente como coisa em si, mas principalmente para golpes nas contas bancárias e redes sociais das vítimas.

Uma questão interessante que tem sido levantada é a da participação do crime organizado nos estelionatos e furtos cometidos mediante fraudes pelos meios eletrônicos. A modalidade atingiu níveis alarmantes em todo o País. Usando uma evidência anedótica, nos últimos meses, cerca de um terço das ligações que recebo no meu celular aparecem como possível fraude ou spam suspeito, geralmente ligações “do banco” pedindo para confirmar comprar realizadas com meu cartão de crédito… Além da escala do fenômeno, algumas regularidades são curiosas. Com exceção do DIPOL, que investiga casos envolvendo valores maiores em todos os departamentos territoriais, os valores envolvidos nos estelionatos são bastante similares, em torno da mediana de R$ 2 mil. Seria isso indício de organização criminosa ou fruto de alguma outra regularidade, onde os criminosos descobrem por tentativa e erro o “valor ótimo” a ser extorquido nos golpes?

Esses valores e suas características nos ajudam a pensar alto em diferentes questões de políticas públicas, como penalidades e recursos que devem ser alocados no enfrentamento destas diversas modalidades criminais.

Segundo a Senappen, o custo mensal de um preso no Estado de São Paulo em 2024 foi de R$ 2.185, o que dá algo em torno de R$ 26 mil por ano. Isso sem considerar os custos judiciais dos longos processos criminais, escoltas e outros custos intangíveis. Um roubo é um roubo e seu autor deve ser punido, qualquer que tenha sido o valor. Mas fazendo um cálculo bastante tosco, do ponto de vista estritamente financeiro, se a mediana de um roubo rende R$ 350, o encarceramento só valeria a pena para criminosos “produtivos”, aqueles que praticam 6 ou mais roubos por mês… Juizados especiais criminais e penas alternativas podem ser opções válidas de políticas públicas no caso de criminosos eventuais e ladrões de galinha.

Estas estimativas podem ser utilizadas também para o cálculo do prejuízo total dos roubos, furtos e estelionatos, multiplicando as taxas de incidência levantadas pelas pesquisas de vitimização pelos valores medianos de cada modalidade. E para dar uma noção do faturamento do crime organizado e desorganizado.

A escala dos golpes digitais e os valores envolvidos chegaram num ponto que não é mais possível pensar em enfrentar esta modalidade apenas por meio de investigação, que raramente acontece, no varejo. O crescimento desta modalidade talvez explique o aumento da sensação de insegurança, não obstante a queda de homicídios e outros crimes graves. A identificação feita pelas companhias telefônicas dos chamados suspeitos é um bom exemplo de ação para prevenir as fraudes no atacado, usando tecnologia e colaboração comunitária.

Monitorar os valores envolvidos nos crimes pode ser um indicador relevante para testar se as políticas de enfrentamento estão sendo bem sucedidas. Ganhos baixos desestimulam algumas modalidades criminais e políticas como a redução dos valores dos saques, dos valores transportados pelos bancos, fracionamento de cargas, destruição de cédulas nos caixas eletrônicos (ink tags), limites de Pix e transferências e outras procuram atuar neste sentido. Para quem tiver curiosidade e analisar a base, montei um BI.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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