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{ ARTIGO }

É tempo de Francisco

A verdade é que sua obra de amor, resistência e esperança precisa continuar, escreve Felipe Salto

Felipe Salto, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

O papa Francisco exerceu uma liderança transformadora. Desde o início, ligou-se aos mais pobres. Seus escritos, ações e pastoreio desenvolveram-se a partir da ideia fundadora do cristianismo: o amor ao próximo. Não apenas nos atos individuais, mas na política, na economia, na causa ambiental e na ação social.

Na encíclica Laudato si, publicada por Francisco em 2015, apresenta-se uma visão ampla e profunda sobre a economia, o meio ambiente, a vida em sociedade e a responsabilidade de cada um e das instituições na construção de um mundo novo; menos injusto e mais fraterno.

A solidariedade universal, para ele, não se desvincula do cotidiano de cada um, da responsabilidade individual, do papel e do valor inestimável das pessoas, com suas diferenças, dificuldades e idiossincrasias. Da mesma forma, apenas o indivíduo não basta. A amizade social é a ideia-força central em Francisco. Trata-se do amor como um sentimento que transcende a esfera individual. Objetiva-se a luta coletiva por uma realidade política, social e econômica agregadora, para além do assistencialismo, como ele mesmo coloca.

Escreveu que “a simples proclamação da liberdade econômica, enquanto as condições reais impedem que muitos possam efetivamente ter acesso a ela e, ao mesmo tempo, se reduz o acesso ao trabalho, torna-se um discurso contraditório (…)”. Essa liberdade serve a quem, se as instituições e o modelo econômico preservam e ampliam segregações e desigualdades?

Destacou, assim, a importância da atividade econômica, mas voltada aos objetivos permeados pela fraternidade e pela amizade social. Ora, quer discussão mais atual, dado o encantamento, por vezes, tão direto e fácil com as inteligências artificiais e seus aparatos? A quem servirá ou a quem serve um modelo em que os eficientes, os considerados bons, capazes e desenvolvidos são integrados e participam da vida, têm sua dignidade, isto é, seu trabalho, ao passo que os demais ficam à margem?

A defesa do trabalho tem a ver com a dignidade humana, antes de tudo. Pode haver beleza na vida em sociedade apenas pelo progresso? Para Francisco, precisa-se de um desenvolvimento econômico como espécie de processo integrador de realidades culturais, sociais, políticas e regionais distintas.

A esse respeito, na encíclica publicada em 2020, Fratelli tutti, Francisco argumenta que, “numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo.”

Em algumas ocasiões, as encíclicas flagram o próprio autor colocando-se à prova, no sentido de questionar-se sobre o caráter utópico de suas análises. Ato contínuo, no entanto, mostrava, por meio de propostas, os caminhos. Descreveu, por exemplo, a importância de instituições de caráter mundial e de como reformá-las para aprimorar ou corrigir sua atuação em busca do bem comum, de uma economia próspera, mas solidária.

A aparentemente surrada ideia do bem comum, aliás, renasceu à luz da tese do amor ao próximo no enredo de Francisco. Apegou-se à conhecida parábola do Bom Samaritano, na encíclica Fratelli tutti, para evidenciar a amplitude da caridade. Não apenas aquela contida no gesto pessoal, tão valioso, mas também a derivada da transformação do ato de cada um em ação política – de grupos, de instituições e de países.

Dizia ele na encíclica Laudato si: “(…) O bem comum requer a paz social, isto é, a estabilidade e a segurança de uma certa ordem, que não se realiza sem uma atenção particular à justiça distributiva, cuja violação gera sempre violência. Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação de defender e promover o bem comum.”

O tempo de Francisco, para a Igreja e os católicos, propiciou união, abertura ao novo e resgate dos ideais verdadeiramente cristãos. Falo da amizade social, da fraternidade, da solidariedade, da tolerância e de sua atuação repleta desses propósitos. Reaproximou a Igreja dos seus, acolheu os marginalizados e, sobretudo, desmontou os farisaísmos internos.

O quinto capítulo do texto Fratelli tutti termina com a provocação de que a ação política pode levar a “perguntas dolorosas”, passado o tempo de cada um. São elas: “Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?”

A análise do tempo de Francisco propicia as melhores respostas para essas indagações.

Contudo, vale dizer, seu tempo ainda não acabou. A verdade é que sua obra de amor, resistência e esperança precisa continuar.

Publicado originalmente na edição de 24 de março de 2025 de O Estado de S.Paulo

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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