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{ ARTIGO }

Piora da saúde mental e o desencanto do mundo

O sociólogo Tulio Kahn analisa o crescente número de casos de transtorno de ansiedade e depressão

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Existem diversos indícios de piora da saúde mental dos brasileiros nos últimos anos, em especial dos transtornos de ansiedade e depressão. É possível captar essa degradação de diversas formas. Assim, por exemplo, vemos um aumento nas buscas do Google por “remédios para ansiedade”, dos gastos com diárias pagas pelo SUS com internações por transtornos fóbicos ansiosos ou outros transtornos ansiosos e um crescimento acelerado dos benefícios concedidos pela Previdência como auxílios por incapacidade temporária.

Os auxílios-doença concedidos por transtornos de ansiedade atingiram o maior número em dez anos e pelo quarto ano consecutivo são a principal causa de afastamentos no Brasil, segundo o Ministério da Previdência Social. Corroborando os indícios anteriores, observamos um aumento nas vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor na indústria farmacêutica, que crescem cerca de 10% ao ano nos últimos anos.

Um dos resultados trágicos deste crescimento tem sido o aumento dos suicídios, que pelos dados do Sinesp/MJ passaram de 2.759 casos no primeiro quadrimestre de 2015 para 5.296 casos neste primeiro quadrimestre de 2025, projetando 15.900 caso no ano.

Fenômeno parecido tem sido observado em outros países, principalmente após a epidemia de COVID, mas no Brasil o problema dos transtornos mentais parece se apresentar com especial intensidade. A OMS identifica o Brasil como um país com sérios problemas de saúde mental, com altos níveis de depressão e ansiedade, especialmente na América Latina. O Brasil ocupa um lugar de destaque em rankings globais de saúde mental ruim, muitas vezes figurando entre os países com as piores taxas de depressão e ansiedade. (Leia mais aqui)

Existem algumas tentativas de explicação para o crescimento do problema, que começa antes da epidemia. Entre elas estão o uso intenso de celulares e das redes sociais, a instabilidade econômica, precarização das condições de trabalho, a polarização política, o aumento da sensação de insegurança com relação aos crimes, o isolamento do trabalho remoto e do ensino EAD, a piora da crise climática, a eclosão de conflitos internacionais, etc. Some-se a isso o dado de que, segundo o IBGE divulgou essa semana, temos 9 milhões de jovens que nem trabalham nem estudam (nem-nem), o que tampouco deve contribuir para a saúde mental. Não se pode descartar também uma eventual melhora na conscientização sobre os problemas mentais, bem como no diagnóstico e notificação dos casos pelo sistema de saúde.

Gostaria de explorar outro veio e adicionar aqui a questão do “desencanto” que parece atingir níveis elevados no país. Alguns dados da sétima onde (2017-2022) do World Value Survey são bastante ilustrativos deste ponto. Segundo a pesquisa, 59,5% dos brasileiros estão insatisfeitos com o sistema político, em contraste com 10,8% da média mundial e 24,5% dos latino-americanos. Somente 25% dos brasileiros dizem ter muito “orgulho nacional”, ao passo que a média mundial é de 58,8% e a latino-americana a 71,3%. Apenas 18,6% dos brasileiros se sentem muito “próximos do país”, bem menos que a média mundial (47,8%) ou latino-americana (50,7%).

Os brasileiros – além de estarem submetidos às fontes de stress comuns aos demais países e época – não tem orgulho nem apego ao país, como ilustra também a grande porcentagem de jovens entre 16 e 35 anos (67%) que afirmam que sairiam do país se pudessem e os milhões de brasileiros que já vivem em outros países (Veja aqui, para assinantes).

Temos então a tempestade perfeita para o crescimento das doenças mentais, que junta milhões de jovens desocupados, isolamento social, crescimento do tempo-online, polarização política, aumento da insegurança, precarização do trabalho, etc. e uma desconfiança profunda nas instituições e no país. O brasileiro perdeu a esperança de que algum dia o Brasil venha a dar certo. Quem pode vai embora, os mais sensíveis, adoecem. Como já foi observado, um resultado como esse não é obra do acaso, exige décadas de esforço de uma elite descompromissada e incompetente. Pra aguentar o Brasil, só tomando rivotril.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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