
O botânico Ricardo Cardim: “Árvores urbanas não são mais enfeites, são imprescindíveis para a resiliência diante do cenário que vivemos, de mudanças climáticas regionais”
Redação Scriptum
O Brasil precisa criar com urgência um órgão federal responsável pelo ambiente urbano, que regule a arborização e o paisagismo nos municípios brasileiros. “Precisamos de uma espécie de sistema único de arborização, ou um marco regulatório para o verde urbano”, defende o botânico e paisagista Ricardo Cardim, especialista em projetos sustentáveis e multifuncionais de paisagismo com o uso da biodiversidade nativa brasileira.
Em palestra na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta segunda-feira (26), Cardim destacou que cuidar da arborização das cidades já não é mais uma opção. “Árvores urbanas não são mais enfeites, são imprescindíveis para a resiliência diante do cenário que vivemos, de mudanças climáticas regionais, com cada vez mais eventos extremos, agravados pelas mudanças globais”.
Para ele, é necessário derrubar um paradigma tanto da população quanto da classe política. “Árvores urbanas devem ter a mesma prioridade de outras infraestruturas essenciais das cidades, como as redes de água, esgoto ou energia elétrica”, diz. “Árvores são serviço essencial para as cidades e precisam ser integradas de forma abrangente e maciça nas malhas urbanas para resfriar a temperatura”. Para isto, aponta, é necessária uma mudança drástica de gestão.
Ele vislumbra, para este órgão federal responsável pelo ambiente urbano, a tarefa de trabalhar de forma articulada com prefeitos e governadores, embora este deva ser a instância máxima que oferecerá definições científicas para ordenar um trabalho que hoje é muito pulverizado. “Deve estimular as técnicas de plantio de espécies adequadas à realidade brasileira, cuidar da regulamentação e da exigência de arborização eficiente e abrangente e até mesmo da fiscalização”, define. “Este tema deve entrar na agenda do País como um assunto vital para os municípios, com a dotação de recursos proporcionais à importância que tem”.
Pesquisa
Em paralelo, Cardim sugere que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que promoveu uma revolução tecnológica na agricultura e pecuária do País, crie uma divisão para desenvolver pesquisas de espécies nativas para arborização e paisagismo públicos, além de oferecer conhecimento dessas espécies às empresas privadas de paisagismo para uso nas cidades. “O Brasil tem a maior diversidade de árvores do mundo, cerca de 8.715 espécies nativas, o que é aproximadamente 14% das 60.065 existentes no mundo”, enfatiza. “Entre São Paulo e Rio está a região com maior diversidade de espécies do mundo: em apenas 1.000 m² de Mata Atlântica podem ser encontradas até 144 espécies diferentes, enquanto na Europa somente 5% das florestas existentes têm mais de seis espécies diferentes”. Apesar da imensa diversidade, segundo ele 90% da vegetação urbana e paisagismo é das cidades brasileiras são de origem estrangeira. “O meio ambiente urbano precisa deixar de ser tema de decoração e passar a ser de sobrevivência nas cidades”, diz.
Amor e ódio
Cardim define que a árvore, no meio urbano brasileiro, é um ser vivo abandonado. “Tudo conspira contra a vida da árvore no Brasil”, diz. “E a população tem uma relação de amor e ódio com ela: quer arrancar, podar, mas o fato é que em todas as cidades é comum a inexistência de manutenção das árvores, que são plantadas e abandonadas”. Boa parte da má vontade das pessoas com as árvores se deve, segundo ele, ao descuido do poder público com a manutenção. “A falta de cuidado provoca as quedas na fiação e as tragédias; se existisse fiscalização e manutenção das árvores doentes não seria assim”.
Para o botânico, é possível conciliar a coexistência da fiação elétrica aérea com árvores que deem sombra às pessoas e contribuam para reduzir a temperatura urbana. “A arborização só precisa ser cuidada, mas a questão é que fica mais caro cuidar dela do que simplesmente não ter e aí apareceu a opção das árvores-anãs, espécies que não crescem mais que três metros, não precisam de poda, mas também não fazem sombra e são quase todas importadas”, pontua.

Reunião semanal de colaboradores do Espaço Democrático
Uma das soluções para o uso das espécies nativas, que são de grande porte, pode ser vista em países como a Alemanha e o Peru, segundo Cardim. “Há cidades em que o estacionamento de carros nas ruas foi reorganizado, de forma que criaram espaços entre uma vaga e outra para o plantio de árvores grandes e jardins de chuva; é tecnicamente viável”, afirma. “Podemos reverter o quadro da presença de 90% de plantas estrangeiras no paisagismo e na arborização”.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático, coordenada pelo jornalista Sérgio Rondino, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Mário Pardini e Januario Montone, o professor pós-doc da USP José Luiz Portella, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, o coordenador nacional de Relações Institucionais da fundação, Vilmar Rocha, e o jornalista Eduardo Mattos.