Mara Gabrilli, senadora pelo PSD de São Paulo e integrante do Comitê da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre os direitos das pessoas com deficiência
Indignação. Se uma palavra pudesse resumir minha sensação no momento, essa me descreve bem. Em tempos em que os brasileiros mais carecem de bons exemplos, o Senado segue a decisão da Câmara e aprova o projeto de lei complementar 192 de 2023, que enfraquece a Lei da Ficha Limpa ao unificar a suspensão dos prazos de inelegibilidade determinados. Um desmonte da lei em seu cerne, que é o de deixar fora do pleito por duas eleições políticos que foram condenados.
Na tentativa de atenuar o estrago, o Senado ainda conseguiu, por emenda do senador Sergio Moro, evitar que o prazo de inelegibilidade fosse reduzido também para condenados por crimes graves como homicídio, corrupção, peculato e crimes hediondos e praticados por organizações criminosas.
Ainda assim, a lei não deveria ter sido alterada – especialmente para ter se tornado mais permissiva, ao diminuir o período de inelegibilidade para crimes como improbidade administrativa e contra o meio ambiente, a economia popular, a fé pública, o sistema financeiro, entre outros. E tudo isso sem que houvesse a possibilidade de uma audiência pública para ouvir a sociedade.
Permitir que políticos condenados possam voltar a disputar eleições em prazos menores é uma ameaça que mina a confiança já fragilizada do brasileiro nas instituições democráticas. Não se trata de impedir a reabilitação de quem errou, mas de mostrar que a política está no lugar de dar exemplo, não de conivência com desvios éticos. Foi uma sociedade civil que honra, de forma clara, que demonstrou que os critérios de elegibilidade eram mais exigentes, e que os condenados políticos ficavam longe das urnas até que estivessem, de fato, aptos a representar o interesse público.
Aprovada em 2010, a lei complementar 135 de 2010, a Ficha Limpa, é fruto de uma mobilização popular histórica. Foram mais de 1,5 milhão de assinaturas da sociedade em apoio à lei. Falamos de brasileiros que clamavam por proteção e critérios mais rígidos para a elegibilidade de candidatos a cargos públicos.
Diferentemente de opiniões debatidas em Plenário, onde sobra para o povo só assistir, a Lei da Ficha Limpa foi uma ocorrência que veio das ruas, de cidadãos que se cansaram de acompanhar a impunidade e a corrupção. Um marco civilizatório que nos orgulhava. O Congresso, sob o suposto pretexto de modernização da legislação, desmantelou a proposta.
Alterar a Lei da Ficha Limpa, sem consulta popular, é um desrespeito à vontade dos brasileiros. É desqualificar a democracia e deixar no ar que tudo vale no Congresso, até a normalização de práticas que podem causar danos ao País. E por danos, não custa lembrar: a corrupção tira daqueles que menos têm. Um efeito em cascata onde aumenta a desigualdade social e a pobreza.
Só diminuímos a confiança do cidadão comum, que já distante dos grandes debates do Congresso, deixa de ter fé nas instituições. É um país que não acredita em seus representantes, ficando ainda mais próximo de um Estado que beira a falência de valores.
Tetraplégica desde os 26 anos, entrei para a política pela porta da ética. Não sabia de meandros, mas de honestidade e força de vontade para transformar as coisas. Minha única certeza sempre foi a de que nada poderia ser feito sem consultar a sociedade civil, porque, para mim, legislar é um exercício de saber ouvir.
Foi assim que cheguei longe. Foi com esse pensamento que confrontei em plenário o então deputado Eduardo Cunha, que de forma rasteira tentava impedir que o Conselho de Ética fizesse a leitura do relatório que pedia sua cassação. Cunha renunciou à presidência da Câmara. Em 2017, foi condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Ele, como é sabido por muitos, pode ser um dos beneficiados com a aprovação do projeto que alterou a Lei da Ficha Limpa. Um sinal de que parte do Congresso deu amém ao autor da proposta, diga-se de passagem, filha do deputado. História digna de roteiro bem estruturado de filme. Pena ser realidade.
Definitivamente, esse é um Congresso que nenhum brasileiro, seja da direita, centro ou esquerda, deseja. Esse é um cenário em que o Congresso brasileiro não deveria, jamais, fazer parte.
Artigo publicado no site Poder 360 em 9 de setembro de 2025.
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