Januario Montone, gestor público, ex-diretor da Anvisa e ex-presidente da Fundação Nacional de Saúde
Edição Scriptum
A revista americana Newsweek, em parceria com a empresa de pesquisa de mercado Statista, acaba de divulgar três levantamentos:
Melhores hospitais especializados do mundo
Melhores hospitais inteligentes do mundo
Melhores hospitais privados da América Latina
O Brasil está presente nos três. São 22 entre os melhores do mundo, 21 entre os melhores da América Latina e cinco entre os mais inteligentes. Como alguns hospitais aparecem em mais de uma lista, são 36 hospitais no total. Quatro deles aparecem nos três levantamentos: Hospital Sírio-Libanês (SP), Hospital Israelita Albert Einstein (SP), BP-Beneficência Portuguesa (SP) e Hospital Moinhos de Vento (RS).
Outros quatro hospitais estão em duas categorias: Mater Dei Hospital Santo Agostinho (MG), Hospital do Coração – HCOR (SP), Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP) e Hospital Samaritano Higienópolis (SP). Os demais 28 aparecem em uma das categorias.
É uma boa notícia, sem dúvida, porém, mesmo sem se deixar levar pelo complexo de vira-lata, ela tem que ser olhada com mais profundidade.
A Austrália, com seus 27 milhões de habitantes, tem 35 hospitais nas listas, a Espanha (48 milhões de habitantes) tem 44. Na América Latina, o Chile (19 mi hab.) tem 10, o México (130 mi hab.) tem 31 e da Argentina (46 mi hab.) são 15. Então, temos que nos orgulhar mesmo, sem deixar de olhar os detalhes.
Dos nossos 36 hospitais ranqueados, 6 são públicos e 30 são privados, sendo 9 deles sem fins lucrativos. O Estado de São Paulo concentra 23 deles, sendo 22 na Capital e um em Campinas. Os demais se distribuem entre Rio de Janeiro (6), Paraná (3), Rio Grande do Sul (2), Minas Gerais (1) e Bahia (1), apenas um deles fora das respectivas capitais.
Em resumo: a) 30 (83%) dos hospitais ranqueados estão no Sudeste, com maior concentração em São Paulo; b) apenas um hospital do Nordeste está listado; c) a maioria dos hospitais (34) está nas capitais; d) os hospitais públicos são apenas 17% do total e estão em São Paulo.
No caso dos hospitais públicos há uma distorção de análise, pois a categoria “melhores da América Latina” avaliou apenas hospitais privados.
Quase 42% dos hospitais (15) atendem o SUS, seja integralmente no caso dos seis públicos, ou através de contratos ou parcerias, situação dos nove sem fins lucrativos.
O Brasil, com seus 213 milhões de habitantes, tem hoje 7.191 hospitais; 1.560 são considerados especializados. São 2.311 hospitais públicos e 4.880 privados, dos quais 60,5% (2.950) têm algum tipo de parceria e/ou atendimento ao SUS, de acordo com o Ministério da Saúde. Claro que não podemos esperar que a maioria dos nossos hospitais esteja na lista dos melhores do mundo, mas a Espanha tem 770 hospitais, pouco mais de 10% do que temos, e tem 44 hospitais ranqueados. Teríamos que ter 410 ranqueados para atingir a mesma proporção!
Além disso, fica evidente a desigualdade regional de acesso a serviços hospitalares de ponta, com um verdadeiro vazio na regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Mesmo nas Regiões Sudeste e Sul, a excelência se concentra nas capitas.
Um indicador interessante da realidade do nosso sistema de saúde é que nenhum dos seis hospitais públicos ranqueados é administrado pelas regras gerais da administração pública. Todos têm diferenciais em seus modelos de gestão que permitem maior sustentabilidade e autonomia financeira, autonomia administrativa, flexibilidade em contratações de obras e serviços e na gestão de recursos humanos. Vejamos:
- Quatro são hospitais universitários: Hospital das Clínicas de São Paulo, Instituto do Coração (InCor), Hospital das Clínicas da Unicamp e Hospital São Paulo da Unifesp, sendo 3 estaduais de São Paulo e um federal;
- O Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia é um instituto com fundação de apoio (Fundação Zerbini), também de São Paulo;
- O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP é gerenciado por Organização Social.
Saindo do ranking da Newsweek e olhando para nosso sistema de acreditação hospitalar através da ONA – Organização Nacional de Acreditação – temos apenas 449 serviços hospitalares com algum dos 3 níveis de acreditação, ou 6,25% do total, sendo que apenas 98 são públicos (21.8%) e 52% deles estão na região Sudeste. Importante: a maior parte dos hospitais públicos acreditados são gerenciados por Organizações Sociais.
O modelo de parceria com Organizações Sociais vem crescendo e se firmando como uma das melhores alternativas para gerenciamento de unidades públicas, na medida em que traz para o setor público a flexibilidade de gestão do setor privado, essencial para uma atividade que exige prontidão e adaptação permanente, sem a perda do caráter público do acesso. Em 2024, 18,6% dos Hospitais Públicos Especializados e 10,2% dos Hospitais Públicos Gerais já eram gerenciados por Organizações Sociais.
Finalmente o Ministério da Saúde dá sinais de que pode avançar para estabelecer o modelo de parceria com Organizações Sociais como uma política Pública do SUS. Os primeiros passos estão limitados a entidades que já estão na órbita do próprio Ministério, como a AgSUS e o Grupo Hospitalar Conceição, mas é um primeiro passo importante. Sem a liderança do Ministério o modelo foi se fragmentando e muitas vezes distorcido, além de palco de maracutaias diversas.
Sem complexo de vira-lata, mas igualmente sem ufanismos vazios. Temos muito trabalho pela frente.
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