Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático
O Brasil hoje não tem problemas econômicos e financeiros, e os governos não têm falta de recursos de financeiros. Temos, sim, problemas éticos (mentiras, narrativas, corrupção e impunidade) e problemas políticos (reeleição, governo de coalisão ou de cooptação). Temos visto também a prática recorrente do “é dando que se recebe”, privilégios e poder a todo custo.
Em consequência dessa situação foram gerados problemas seríssimos de gestão que provocam dificuldades de governança e que já levaram ao gigantismo da máquina pública (ineficiente e desnecessária), e privilégios que oneram e drenam volumes gigantescos de recursos financeiros. Por isso, tudo contribui para a falta de controles, provocando corrupção de magnitude insuportável e, por fim, uma sensação de impunidade, tolerada e até permitida.
Resumidamente, o País tem um gigantismo da máquina pública chegando atualmente a 12,5% do PIB, com excesso anual de 2,7%. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) calcula como média mundial cerca de 9,8% do PIB.
Já as renúncias fiscais/gastos tributários da União, muitas vezes privilégios, chegam a 5% do PIB no momento, com excesso anual de 3% do PIB. O limite, segundo estudos de especialistas, seria de 2% do PIB. Por sinal, a Proposta de Emenda Constitucional N° 109, de 15 de março de 2021, está obliterando o problema ao estabelecer a redução gradual de incentivos fiscais de natureza tributária, como também a revogação de alguns dispositivos legais relacionados a esses benefícios.
No que tange ao controle de gastos, introduz mecanismos para restringir os gastos públicos, criando regras para limites de despesas e superávit financeiro de fundos públicos. A emenda internalizou mecanismos para restringir os gastos públicos, criando regras para limites de despesas e superávit financeiro de fundos públicos. E essas alterações são imperativas para o futuro do Brasil e há muito a ser feito.
Com respeito à corrupção, estimativas verificadas por diversos organismos nacionais e internacionais mostram que o excesso hipotético estaria no patamar de 2% do PIB, mas atualmente o País já está no nível de 2,5% a 3% do PIB (com excesso atual de 2%). Atualmente, o total excesso de gastos é de R$ 950 bilhões/ano ou 7,7% do PIB brasileiro.
Vejamos alguns dados interessantes para ter um panorama da evolução política nas últimas décadas. Depois da promulgação da Constituição de 1988, houve cinco presidentes eleitos: Fernando Collor/Itamar Franco (5 anos); Fernando Henrique Cardoso I e II (8 anos); Lula I, II e III (11 anos); Dilma Roussef/Michel Temer (8 anos) e Jair Messias Bolsonaro (4 anos). No total, o período pós-constitucional somou 36 anos até aqui.
Os resultados políticos diretos foram o impeachment de Collor e Dilma, Temer foi detido e Collor e Lula foram presos quando já eram ex-presidentes. Jair Messias Bolsonaro foi condenado. Ex-presidentes ilesos só houve registro de Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco.
No Poder Legislativo, por seu lado, foram condenados e presos os ex-presidentes da Câmara Federal: João Paulo Cunha, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e José Genoíno.
É importante expor, neste cenário, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), parte da Constituição Federal do Brasil de 1988, que contém normas transitórias, ou seja, regras que têm como objetivo facilitar a transição entre a antiga ordem constitucional e a nova Constituição e somaram 114 artigos, enquanto a parte permanente corresponde a 250 artigos.
As emendas constitucionais promulgadas chegaram a 135, as emendas de revisão a seis, e os tratados internacionais com força de Emenda Constitucional ficaram em quatro. Ao todo foram 145 itens. As alterações constitucionais equivaleram a 40% do total de artigos da Constituição de 1988 e 58% do total de artigos da parte permanente. Esse foi o saldo da nossa democracia com as eleições livres e com resultados respeitados das urnas.
O PIB Brasil, comparado com alguns membros dos Brics, também acena para outras conclusões. Segundo o Banco Mundial, o PIB da China saltou de US$ 6.087 em 2010 para US$ 19.274 em 2024, o correspondente a um aumento de 200%. A Índia, que estava com US$ 1.676 (2010), chegou a US$ 3.840 (2024), crescimento de 129%. Já a Rússia, em 2010 tinha um PIB anual de US$ 1.525 e subiu, em 2024, para US$ 2.111, o equivalente a 38%. O Brasil, neste mesmo período, teve uma variação negativa de -1,4%. De US$ 2.210 em 2010 caiu para US$ 2.179 em 2024. Em comparação com o mundo, os números também mostram uma realidade desanimadora. Em 2010, a média mundial era de US$ 66.610 e em 2024 ela chegou a US$ 109.971, variação de 65%.
O PIB per capita/ano, em 2010, em dólares: 4.549 (China); 1.348 (Índia); 10.679 (Rússia); 11.409 (Brasil); e 9.514 (mundo). Já em 2024, 12.692 (China), uma variação de 179%; 2.630 (Índia), variação de 95%; 14.680 (Rússia), variação de 37%; 10.249 (Brasil), variação negativa de -10,16%; e 13.406 (mundo), variação de 41%.
De acordo com dados do site Poder 360 e do portal G1, até o ano passado 90% da população brasileira tinha renda mensal bruta de até R$ 3.500,00 (US$ 648). Um faixa de 22,8%, entre R$ 2.827,00 e R$ 3.500,00 (US$ 513 e US$ 648, respectivamente); outra faixa de 31,6%, entre R$ 1.413 e R$ 2.826 (US$ 263 e US$ 512, respectivamente); e mais outra faixa de 35,6% de até R$ 1.412,00/mês (até US$ 262). Se 90% da população mundial tem renda média de US$ 4.833,66/ano, quanto será a renda média dos 10% mais ricos? A resposta é que ela é superior a US$ 54 mil. A renda do PIB per capita em 2024 foi de US$ 10.249, como apontou o Banco Mundial.
Há outros indicadores importantes sobre o Brasil que merecem ser observados também. O ranking da ONU de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mostrou que o País em 2002 ficava na 73ª posição e em 2024 chegou a 84ª posição. E nesse nível são governos considerados reprovados por aquele organismo internacional. No coeficiente Gini (índice que quantifica a desigualdade na distribuição de renda ou riqueza de uma população), a posição no ranking mundial foi o 53º lugar, no universo de 58 países estudados. O Brasil ficou à frente apenas de Marrocos, Kuwait e África do Sul. A informação divulgada no ano passado é da www.cnnbrasil.com.br.
Nas estatísticas de Educação, os estudos da OCDE e PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) verificou que o País se situa na 55ª posição e está abaixo da média dos 37 países da OCDE, e atrás do México, Chile e Uruguai. O estudo da OCDE expõe que o Brasil, nos últimos 15 anos, permanece num quadro inalterado. E como revela o site www.cnnbrasil.com.br, em criatividade está na 15ª pior posição.
No quesito Índice de Percepção de Corrupção 2024 da Transparência Internacional (com participação de 180 países), o Brasil registra a pior nota e posição da série histórica do índice de percepção da corrupção. No ranking de 2002, estava na 48ª posição, subiu para a 69ª em 2012 e 104ª em 2023. No ano passado, alcançou a 107ª posição. Os indicadores sociais são da ONU, OCDE e PISA.
Já as pesquisas do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) comprovaram que o Brasil lidera o ranking de pior retorno dos tributos à população: ficou na última posição entre os 30 países com maior carga tributária.
Apesar do recorde de arrecadação em 2024, o Brasil não produziu melhorias em áreas essenciais como saúde, educação, infraestrutura e segurança pública. Apesar dos aumentos da carga tributária anual, há 14 anos o Brasil permanece estagnado na última posição (30ª).
Com respeito à carga tributária no Brasil em relação ao PIB, ela registrou 22,4% em 1988 e subiu para 32,3% no ano passado. Nossa expectativa é que neste ano feche em 34%. Segundo a base de dados Ipeadata, a variação no período 2024/1988 foi de 44,2%. Isso aconteceu porque o PIB e o PIB per capita estão mais baixos do que os dos principais países dos Brics (China, Índia e Rússia) e pior, abaixo da média mundial (191 países).
O fato é que os indicadores sociais em 2024 estão piores ou estagnados quando comparados com duas décadas atrás. O Brasil não tem falta de recursos. Os problemas brasileiros, na verdade, são fundamentalmente políticos, éticos e a impunidade. Hoje, a dívida pública do governo é de R$ 9,3 trilhões, ou 76,2% do PIB.
Pelo critério do Banco Mundial, seria igual a 80% do PIB. O déficit público (nominal) está entre R$ 1,1 trilhão a R$ 1,2 trilhão, ou seja, entre 9% a 10% do PIB. E o déficit primário estimado está entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões. Já a taxa Selic de juros está em 15% ao ano.
Neste momento, o governo atual tem como única prioridade a reeleição. E para alcançar sua única prioridade vai abrir a caixa de bondades a um custo adicional de mais de R$ 70 bilhões. E o que falta para alcançar sua única meta é aguardar até 2026, ano das eleições. Em seu discurso, vai enfatizar a divisão do País entre pobres e ricos e super ricos. Vai aumentar a carga tributária, além da já efetuada e no mínimo em R$ 80 bilhões, ou cerca de 0,65 a 0,70% do PIB.
O custo da caixa de bondades abraça o reajuste do Bolsa Família, que está há mais de dois anos sem reajuste, aguardando o ano eleitoral e se estende a um universo de 21 milhões de famílias (entre 42 milhões e 45 milhões de eleitores). Isso corresponde a 27% dos eleitores e mais 36% dos eleitores se excluídos a abstenção e nulos usuais. O custo estimado dessa política está em torno de 10% do valor, entre R$ 160 bilhões e R$ 170 bilhões, ou seja, entre R$ 16 bilhões a 17 bilhões, em 2026.
Para se ter uma ideia, cerca de 20 milhões de famílias serão beneficiadas pelo novo Vale Gás. Será cedido um botijão de gás a cada dois meses, ao custo de 20 milhões x R$ 100 x 12 meses. O volume final calculado para 2026 será de R$ 12 bilhões. Já a estimativa do gasto é R$ 28 bilhões em 2026, com a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil/mês e a redução do IR para quem ganha até R$ 7 mil/mês.
No programa Farmácia Popular o aumento do benefício da doação para mais pessoas é de R$ 4 bilhões adicionais no ano que vem. Enquanto a Lei Rouanet, uma simpatia para artistas, atores e intelectuais,será um custo entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões. Sendo assim, o total do adicional da caixa de bondades para a reeleição 2026 somará R$ 62 bilhões. E se considerar o apetite dos parlamentares, o preço da caixa de bondades para a reeleição irá custar mais uns R$ 13 bilhões, adicionais de emendas PIX, que totalizarão R$ 75 bilhões. Essa é a problemática que tem inspirado muita preocupação.
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