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A série ‘Adolescência’ e o conflito entre educação e redes sociais

O que está em jogo é o futuro da humanidade, que passa pela educação que damos às nossas crianças e adolescentes hoje, escreve Vilmar Rocha

Vilmar Rocha, advogado e professor de Direito da Universidade Federal de Goiás, é coordenador nacional de Relações Institucionais do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Não podemos ignorar a importância da adolescência na construção da identidade dos adultos que irão compor a sociedade do futuro, ou seja, o que está em jogo é o futuro da humanidade.

A adolescência é um período de intensas transformações — físicas, emocionais e sociais, e nunca foi simples atravessar essa fase da vida. O que percebo é que as redes sociais tornaram esses desafios ainda mais complexos e a série Adolescência joga luz sobre uma questão que hoje é central: o conflito entre a educação tradicional e a influência das redes sociais na vida de crianças e adolescentes.

As instituições educacionais, espaço privilegiado para a construção do conhecimento e valores, parecem cada vez mais em descompasso com a realidade digital que domina o universo dos mais jovens. Mesmo entre aquelas escolas que aderiram à tecnologia, a maioria não o fez de forma adequada, como vimos na série, aumentando o distanciamento com os alunos.

A obra mostra adolescentes que vivem num mundo paralelo, sujeitos a comportamentos, aspirações e padrões de sucesso ditados pelas redes sociais e se distanciando cada vez mais inclusive da própria família. Encontram-se órfãos de educadores.

A internet, ao mesmo tempo em que oferece acesso a informações, também cria pressões e expectativas irreais. A série Adolescência mostra como a necessidade de aprovação virtual, o culto à imagem e a velocidade com que conteúdos e cancelamentos se propagam, tem provocado graves efeitos sobre a saúde mental dos adolescentes.

Ansiedade, depressão, baixa autoestima e dependência digital são males que crescem de maneira preocupante. Inclusive, um grupo de cientistas está propondo que a relação nociva de alguns adolescentes com as redes sociais e a internet seja considerada, oficialmente, um novo tipo de transtorno mental.

Como a série — muito apropriadamente — ocorre no ambiente escolar, ela evidencia o conflito que muitos adolescentes vivem hoje: são pessoas solitárias em meio a multidões digitais e procuram, nas redes sociais, aquilo que já não encontram na escola e nem em casa. Essa busca pode ser perigosa, como estamos vendo não apenas na ficção, mas no mundo real.

Recentemente, polícias de vários Estados se uniram na operação Adolescência Segura, para desarticular um grupo criminoso que atuava em plataformas digitais para cooptação de jovens em práticas ilícitas e de risco, incluindo a indução à autolesão e a violência entre adolescentes.

A série acende um alerta: a educação precisa urgentemente se reinventar; incorporar a cultura digital de maneira crítica, ensinando os adolescentes a interpretarem, questionarem e selecionarem o conteúdo que consomem. Proibir o uso dos celulares ou bloquear aplicativos não vai resolver o problema.

A escola tem o mesmo papel seja no mundo analógico ou digital, que é o de criar cidadãos capazes de caminhar conscientemente pelo mundo, que atualmente se divide entre físico e virtual. Para tanto, é imprescindível descobrir práticas pedagógicas que dialoguem com essa nova realidade que os alunos foram inseridos. Redes sociais e educação não precisam ser forças opostas. É possível aliar as duas para a formação de jovens mais críticos e também resilientes.

Não podemos ignorar a importância da adolescência na construção da identidade dos adultos que irão compor a sociedade do futuro, ou seja, o que está em jogo é o futuro da humanidade. E ele passa pela educação que damos a nossas crianças e adolescentes hoje.

 

Publicado originalmente no jornal Opção

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Dívidas que somam US$ 100 trilhões

O Brasil está inserido neste pacote e parece óbvio que o governo Lula não está disposto a contribuir com um ajuste fiscal gradual, escreve Roberto Macedo

Roberto Macedo, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   É muito raro encontrar cifras em trilhões de dólares, pois trata-se de uma enorme dinheirama. O PIB dos Estados Unidos esteve próximo de US$ 24 trilhões em 2023, ajustado pela inflação. Da mesma forma, o PIB brasileiro ficou perto de U$ 2 trilhões. Mas numa reportagem baseada no Monitor Fiscal do FMI, em 4 de maio corrente, o jornal O Estado de S.Paulo mencionou que a dívida pública global deve ter encerrado 2024 acima do patamar de 95% do PIB mundial, ultrapassando a cifra de US$ 100 trilhões. Se este valor fosse 100% do PIB, este teria um valor próximo da soma dos PIBs de todos os países abrangidos pela pesquisa. Segundo o FMI, China, ao lado do Brasil, África do Sul, Estados Unidos, França e Reino Unido são os países que mais contribuem para o aumento da dívida pública global. As razões costumam ser diversas em cada caso. Na Europa, com Trump no governo, os países se veem obrigados a gastar mais com defesa, já que os EUA não se mostram dispostos a gastar com eles o que gastavam no passado. Na China, o governo se viu obrigado a gastar mais com o objetivo de incrementar o consumo interno, já que o tarifaço de Trump prejudicou as exportações. E no Brasil? Este, não sendo fiscalmente responsável, vem nos últimos anos expandindo fortemente os gastos públicos e sua dívida pública. Segundo o FMI, a relação entre a dívida pública e o PIB ultrapassará 99% do PIB já em 2028. E o FMI acrescentou: “Um ajuste fiscal gradual que seja parte de um arcabouço confiável de médio prazo é essencial para a maioria dos países”.  Como afirmou o jornal, isto é óbvio.  Mas acho que também é óbvio que o governo Lula não está disposto a seguir esta linha. Ou seja, esse quadro do FMI de novo deixa patente a fragilidade da política econômica brasileira e já há quem diga que em 2027, no orçamento, já não haveria mais espaço para despesas discricionárias. Como algumas precisam ser realizadas, a perspectiva é de mais déficit fiscal. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Como pensar como um economista

Luiz Alberto Machado escreve sobre o mais recente livro do economista Robbie Mochrie

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Em 2019, o Espaço Democrático publicou o livro Viagem pela economia, de minha autoria, saudado por Guilherme Afif Domingos como "um interessante passeio pela história do pensamento econômico, pelo desenvolvimento dos países e pelas ideias e políticas predominantes nas diferentes fases da evolução econômica". No prefácio, Manuel Enriquez Garcia, presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, assinalou que "a abordagem do livro não se encerra com John Maynard Keynes e seus contemporâneos como a maior parte dos livros sobre o tema; vai além, por isso esta obra passa a ser mais cativante". Surgiu agora, em 2025, outro livro que também se propõe a explorar a evolução das ideias e do pensamento econômico de suas origens à atualidade, e o faz com enorme competência. Escrito por Robbie Mochrie, colunista no The National, que dá aulas de economia há mais de trinta anos para estudantes, CEOs e adultos interessados no tema, Como pensar como um economista, publicado neste ano pela editora Astral Cultural, vai muito além de outros livros do gênero, não apenas pelo texto extremamente acessível, mas por também incluir expressivo número de economistas contemporâneos, razão pela qual focaliza tópicos que a teoria econômica só passou a explorar recentemente. A acessibilidade do texto se explica pela larga experiência do autor que, como jornalista e professor, precisa se preocupar permanentemente com a escolha precisa das palavras, de tal forma que, sem perder o grau de profundidade adequado, possibilite ao leitor ou ao aprendiz a rápida compreensão do que está lendo ou ouvindo. Quanto ao conteúdo, Mochrie cobre extenso período, iniciando antes mesmo do aparecimento do estudo sistemático da economia, o que só viria a ocorrer na segunda metade do século 18, como ramificação do pensamento iluminista, que teve forte influência na primeira metade do século em toda a Europa, contrapondo-se ao absolutismo político e intervencionismo econômico típicos da visão mercantilista, que predominava desde o final da Idade Média. Tendo como propostas básicas a defesa da liberdade em todas as suas dimensões (liberalismo), a afirmação dos direitos individuais (individualismo) e a supremacia da razão (racionalismo), o Iluminismo deixou extenso legado que se espalhou pelos campos do direito, da política, da economia, da filosofia e das ciências em geral. Sendo assim, os dois primeiros capítulos, versando sobre Aristóteles e Tomás de Aquino, focalizam ideias e ações econômicas que prevaleceram na Antiguidade e na Idade Média, quando as prioridades eram de caráter político, social, místico ou religioso. A partir do terceiro capítulo, o autor expõe as contribuições de conhecidos economistas que influenciaram o pensamento e inspiraram teorias e políticas econômicas até meados do século 20, tais como Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus, John Stuart Mill, Karl Marx, William Stanley Jevons, Carl Menger, Léon Walras, Alfred Marshall, Joseph Schumpeter e John Maynard Keynes. Esses economistas apresentaram suas ideias no contexto da revolução industrial inglesa (Smith, Ricardo e Malthus) e no período imediatamente posterior (Mill, Marx, Jevons, Menger e Walras), quando se utilizava a expressão economia política (political economy). Na sequência, vem a fase de transição para a teoria econômica (economics), nitidamente presente nas ideias de Alfred Marshall, responsável em grande parte pela incorporação da matemática na economia, como fica claro no trecho que se segue (p. 88): “Essa abordagem gradual do estudo da economia, por meio de uma base sólida em matemática e ética, explica como Marshall se tornou a pessoa adequada para a tarefa de transformar a economia política em uma ciência econômica reconhecidamente moderna. Ele tinha habilidade técnica, então pôde facilmente se basear nos exemplos aritméticos de Ricardo e na exposição de Mill sobre processos econômicos. Também pôde se envolver com a base ética tradicional do argumento econômico enquanto criava as novas técnicas de resolução de problemas que a disciplina precisava para se tornar autônoma e, finalmente, se separar da ética”. Fechando essa parte do livro, as contribuições de Schumpeter com a destruição criativa, e de Keynes propondo uma intervenção parcial do governo na economia com o objetivo de retomar o nível de atividade fortemente abalado pela Grande Depressão. É a partir do décimo primeiro capítulo, dedicado a Friedrich Hayek, que o livro de Mochrie assume seu lado mais inovador, pois se debruça sobre a vida e, principalmente, sobre as contribuições de autores que tiveram e têm impacto considerável na realidade contemporânea, muitos dos quais desconsiderados nos mais conhecidos livros-texto de teoria macro e microeconômica e, em especial, de história do pensamento econômico (HPE). Além de Hayek, outros economistas mencionados por Mochrie são John von Newmann, Ronald Coase, Milton Friedman, Paul Samuelson, Herbert Simon, Thomas Schelling, Robert Solow, Gary Becker, Elinor Ostrom, Daniel Kahneman, Amos Tversky, Robert Lucas, George Akerlof e Esther Duflo. Chama atenção, nessa fase mais recente, a presença de pesquisadores de outras áreas do conhecimento que passaram a interagir com a economia, a ponto de alguns serem laureados com o Prêmio Nobel de Economia, como foram os casos dos matemáticos John Nash (contemplado apenas marginalmente no livro) e John von Newmann e dos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky. A esse respeito, vale a pena reproduzir o trecho referente à contribuição conjunta de Kahneman e Tversky, principais responsáveis pela disseminação da economia comportamental (p. 222): “No campo da economia, duas cabeças quase sempre pensam melhor do que uma. Grandes ideias tendem a surgir do trabalho em equipe. Mesmo assim, a parceria entre os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky foi excepcional. Em primeiro lugar, foi longeva, durando mais de 25 anos e só terminando com a morte de Tversky, em 1996. Em segundo, foi imensamente produtiva no estabelecimento da economia comportamental moderna. O trabalho dos dois rendeu a Kahneman o Prêmio Nobel de Economia em 2002 (se Tversky estivesse vivo, sem dúvida teriam compartilhado o prêmio). A relação de trabalho era tão próxima que, assim como Lennon e McCartney, nem sempre ficava claro quem havia feito o quê”. Os capítulos 20 e 24 são dedicados respectivamente à norte-americana Elinor Ostrom e à francesa Esther Duflo, as duas primeiras mulheres contempladas com o Prêmio Nobel de Economia, sem dúvida um indicador da democratização e da modernização da própria ciência econômica. Ostrom foi laureada em 2009 (quando dividiu o prêmio com Oliver Williamson) por suas análises de governança econômica, especialmente dos bens comuns. Duflo compartilhou o Nobel em 2019 com Abhjit Banerjee (seu marido) e Michel Kremer por sua abordagem experimental para aliviar a pobreza global. Por tudo isso, recomendo vigorosamente a leitura de Como pensar como um economista, um livro que consegue entregar o que se propõe na chamada de capa: "Grandes economistas que moldaram o mundo e o que eles têm para nos ensinar". Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Três cenas rápidas                 

O Brasil é um lugar onde as coisas mais bizarras podem acontecer, escreve o cientista político Rubens Figueiredo

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Cena 1. “Vamos supor que Trump fosse presidente aqui no Brasil” e resolvesse aplicar um tarifaço planetário, especula o articulista Pedro Fernando Nery, do jornal O Estado de S.Paulo (8/4/2025). Não iria dar certo. Um juiz federal de alguma cidade minúscula suspenderia em todo o País a taxação de fertilizantes, a pedido dos produtores rurais goianos que se sentiriam lesados. Outras liminares se multiplicariam na primeira instância, agora invocando direito tarifário adquirido ou dignidade da pessoa humana consumidora. Racionalização dos gastos públicos, o chamado Doge de Elon Musk? Nem pensar, explica Nery. “O Doge brasileiro iria avaliar servidores que seriam demitidos por mau desempenho, mas eles seriam reintegrados, pois o nosso Doge precisaria de lei complementar para fazer isso, e a que FHC enviou nos anos 1990 ainda não foi aprovada”. Seria criada a Assedoge, associação dos servidores da Doge, já que a nossa Doge, criada para enxugar os gastos do Estado brasileiro, necessitaria de seu próprio corpo de funcionários, provavelmente muito maior e mais caro do que o contingente que seria demitido. Cena 2. Estamos acostumados com nomes e sobrenomes italianos, árabes, alemães, japoneses, judeus, espanhóis. Alguém que se apresenta como Giovanni Brunello de Montalcino de la Piastra Chianti Mastroianni podemos até aceitar sem grande esforço. Mas o que pensar de um brasileiro ter grafado em sua carteira de identidade o improvável nome Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield? É algo digno de uma criação de Spielberg. E mais: esse descendente de ingleses, que teria vindo parar aqui impulsionado só Deus sabe por quais correntes marítimas, viesse a ser juiz de Direito, julgando provavelmente, entre outros, delitos parecidos com o seu? Pois é: Edward Lancelot falsificou seu nome e o usou na nossa operosa Justiça por mais de 30 anos. Pode? Cena 3. O Brasil é superlativo. Tem 418 empresas estatais, o maior contingente entre as nações da OCDE. Em 2024, as estatais federais registraram um déficit de R$ 6,73 bilhões, recorde da história, segundo o Relatório das Estatísticas Fiscais do Banco Central.  São 1.800 apetitosos cargos de livre provimento. Várias estatais têm Conselho e os Conselhos são formados por conselheiros. É uma festa. Tem historiador no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, especialista em regulação de telecomunicações na Companhia das Docas da Bahia, filósofo na Securitizadora do Banco do Brasil, doutor em ciências da saúde na Companhia Docas do Rio Grande do Norte e por aí vai. Quase todos ligados ao PT. Poderíamos pensar, em uma reflexão mais açodada e com alguma carga de maldade, que essas nomeações desconexas estariam relacionadas à influência política ou preferências partidárias. Ledo (e Ivo) engano! As estatais dão prejuízo que afeta a todos nós, mas têm conselhos holísticos, “transprofissionais”. Quem acompanha os debates sobre os trabalhadores do futuro, certamente está informado de que o aspecto interdisciplinar será decisivo. Diploma se tornará algo acessório. Daqui a 30 anos, qual será a utilidade de um sapateiro, por exemplo? Será conselheiro de estatal, certeza. Pensamento crítico, enxergar conexões, visão social, abordagem holística, isso é que vai fazer a diferença. Com essas nomeações, as estatais brasileiras, na verdade, dão um exemplo ao mundo de sua capacidade de antecipar tendências na busca permanente da eficiência e do bem-estar da população. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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