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São Paulo, há 30 anos

Andrea Matarazzo escreve sobre o desafio de presidir a Companhia Energética de São Paulo a convite do governador Mário Covas

Andrea Matarazzo, ex-ministro da Secretaria de Comunicação (1999-2001), ex-secretário estadual de Cultura (2010-12) e ex-presidente da Cesp   Há 30 anos, tomei posse como presidente da Companhia Energética de São Paulo. Na época, era a maior empresa de energia do Estado e a segunda do País, atrás da Petrobras. Fui convidado por Mário Covas, que assumiu naquele ano o governo do Estado, e pelo secretário de Energia, David Zylbersztajn. Aceitei o desafio que representava reestruturar e sanear a Cesp porque Covas nos ofereceu condições surpreendentes: plena liberdade para escolher os diretores da companhia e das subsidiárias, Comgás e CPFL. Com Zylbersztajn, especialista no setor, selecionamos meticulosamente os nomes para formar a equipe apta a executar a imensa tarefa: sanear financeiramente as empresas, reestruturá-las e implementar um programa de privatização do setor energético, que estava fragilizado, financeiramente quebrado, com obras paralisadas e enorme falta de investimentos em transmissão, distribuição e geração — tanto na parte elétrica como na de gás. Como presidente da Cesp e depois secretário de Energia, substituindo Zylbersztajn, nomeado para a Agência Nacional do Petróleo, testemunhei que era possível administrar a área pública com eficiência. Covas mostrou que o vício da ingerência política está mais ligado aos políticos do que à política em si e que as nomeações técnicas dependiam da vontade, credibilidade e legitimidade do controlador da empresa — no caso, o governo estadual. Os cortes de despesas e outras medidas duríssimas — incluindo a privatização, vista com desconfiança até por veículos de imprensa de orientação mais liberal na economia — tiveram apoio de Covas e foram analisadas pelas instâncias de fiscalização (Tribunal de Contas, Assembleia Legislativa, Ministério Público e conselhos de administração das empresas). Em momento algum houve interferência ou obstáculo que não tenha sido resolvido com diálogo republicano, pareceres técnicos competentes e bom senso. Minha experiência leva à conclusão de que as justificativas de que amarras do setor público inviabilizam a busca por eficiência de empresas estatais e a sua eventual privatização são apenas pretextos para mascarar a incapacidade de quem não está preparado para ocupar cargo no Executivo. Cargos de governador ou secretário exigem habilidade, conhecimento e disposição para desfazer tais amarras, além, obviamente, de espírito público. Covas comprovou isso. Dotado de espírito democrático, ele tinha ânimo para negociar com todos os lados e respeitava as instituições, sem abrir mão das suas convicções como administrador. Na área de educação, manteve a mesma determinação com a qual modernizou o setor elétrico, jamais cedendo a interesses que não fossem os dos alunos. Na saúde, criou o sistema de organizações sociais para gerenciar hospitais, promovendo verdadeira revolução nos indicadores. Também reestruturou o saneamento e inovou nos serviços ao cidadão com a implantação do até hoje copiado Poupatempo. Covas apoiou, sem deixar de expressar sua opinião, as medidas que vinham sendo adotadas pelo governo federal, comandado por Fernando Henrique Cardoso. O engenheiro Mário Covas, formado pela Escola Politécnica da USP, mostrou que a construção política deve gerar resultados para os contribuintes por meio da melhoria da qualidade dos serviços e da redução das desigualdades inerentes a uma sociedade como a brasileira, marcada por desequilíbrios estruturais. Para isso, são necessários seriedade nos propósitos, objetividade na ação e controle fiscal. Mário Covas promoveu gigantesco ajuste em São Paulo, o que criou condições para devolver ao Estado a grandeza que lhe é característica.  

Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 15 de janeiro de 2025.

  Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Simples completa 18 anos de vida sob ameaças

Reforma do sistema de impostos sobre consumo pode acabar com os atrativos do regime adotado por 23,4 milhões de empresas

  [caption id="attachment_39211" align="aligncenter" width="560"] Guilherme Afif: "As consequências da inviabilização do Simples são graves"[/caption]     Edição Scriptum com Diário do Comércio O Simples, regime tributário mais usado pelas empresas brasileiras, está completando 18 anos de sucesso em um momento que seu futuro está sob ameaça. Reportagem publicada pelo Diário do Comércio mostra como a reforma dos impostos sobre o consumo pode retirar atrativos do Simples, o que pode colocar em risco a sobrevivência dos pequenos negócios, segundo especialistas. O secretário de Projetos Estratégicos de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, liderança do PSD e idealizador do regime tributário, lembra que ele foi criado para simplificar a burocracia e reduzir a carga tributária dos pequenos empresários e se tornou um sucesso: tem cerca 23,4 milhões de empresas optantes. Segundo ele, “as consequências da inviabilização do Simples são graves: muitas empresas voltariam à informalidade, outras reduziriam suas atividades ou fechariam, impactando diretamente o emprego formal e a arrecadação”. Leia a íntegra da reportagem do Diário do Comércio. “Simples Nacional atinge a maioridade sob ameaça Reforma dos impostos sobre o consumo retira atrativos do regime tributário e põe em risco a sobrevivência dos pequenos negócios, segundo especialistas A legislação que melhorou o ambiente de negócios das micro e pequenas empresas no Brasil acaba de completar 18 anos. A Lei Complementar 123, publicada em 14 de dezembro de 2006, criou o regime simplificado de tributação conhecido como Simples Nacional. O secretário de Projetos Estratégicos de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, idealizador do regime tributário, lembra que o Simples foi criado com dois grandes objetivos em benefício dos pequenos negócios: simplificar a burocracia e reduzir a carga tributária. O êxito dessa política pública pode ser medida pelos números: hoje são cerca 23,4 milhões de empresas optantes, incluindo os MEIs (microempreendedores individuais), que somam 16,4 milhões de pequenos negócios. “O Simples é uma conquista construída em décadas de lutas que trouxe para a formalidade milhões de empreendedores”, lembra Afif.  Ameaça O regime tributário mais usado pelas empresas brasileiras para o recolhimento de impostos, no entanto, atinge a maioridade em um momento em que se coloca em xeque o seu futuro. O motivo? A regulamentação da reforma tributária dos impostos sobre o consumo, referendada pelo Congresso Nacional no final do ano passado com a aprovação do PLP 68/2024. A criação dos novos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e a adoção da não cumulatividade plena – possibilidade de compensar o imposto devido com o montante cobrado sobre todas as operações nas compras de bens e serviços - devem “esvaziar” o regime tributário. “As consequências da inviabilização do Simples são graves: muitas empresas voltariam à informalidade, outras reduziriam suas atividades ou fechariam, impactando diretamente o emprego formal e a arrecadação. A perda seria ainda maior pelo desestímulo ao empreendedorismo, importante alternativa para a criação de renda”, prevê Afif. Assim, o fim da possibilidade de geração de créditos tributários para manter a competitividade dos pequenos negócios é um dos principais desafios a serem enfrentados, embora a reforma tributária tenha dado a opção do recolhimento separado da CBS e IBS da alíquota única do Simples. Para o presidente do Sescon-SP, Antonio Carlos Santos, essa mudança desafia a lógica de praticidade e desoneração, que sempre foram a essência do regime tributário voltado aos pequenos negócios. “Isso vai exigir adaptações operacionais para que as empresas mantenham sua relevância no mercado. O cenário de regimes híbridos, com maior complexidade no cumprimento das obrigações fiscais e custos tributários mais elevados, pode tornar inviável a operação de muitos pequenos negócios”, prevê Santos. Para mitigar os efeitos da reforma tributária, o Sescon-SP vai trabalhar junto ao Congresso Nacional e as entidades da contabilidade e do empreendedorismo na implementação de ajustes na LC 123, como a correção dos limites de faturamento e extinção da obrigatoriedade do sublimite de faturamento anual, fixado em R$ 3,6 milhões. “É preciso proteger a sobrevivência e o crescimento dos pequenos negócios”, afirma. Na avaliação do gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Carlito Merss, a manutenção do regime do Simples Nacional foi uma conquista estratégica na regulamentação da reforma tributária. “Por outro lado, é fundamental que as micro e pequenas empresas continuem competitivas. Estamos atentos ao possível aumento de custo de insumos e mercadorias com a nova CBS, que terá alíquota maior do que as atuais”, diz. Outro ponto de atenção diz respeito à alíquota zero para os impostos que incidem sobre os produtos da cesta básica nacional de alimentos. “É necessário que as MPE também possam “descontar” impostos pagos pelos produtos ao longo da sua cadeia de produção, mesmo que seja por mecanismos de cashback”, defende. Propostas No Congresso, são várias as propostas para aperfeiçoar a legislação do Simples Nacional, mas sem grandes avanços na tramitação. De acordo com o vice-presidente da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas, deputado Jorge Goetten (Republicanos-SC), uma das prioridades da Frente é assegurar que a reforma tributária não comprometa o funcionamento e a competitividade do segmento. “Infelizmente, os projetos que favorecem grandes empresas costumam avançar mais rapidamente devido ao forte lobby, enquanto pautas essenciais para os pequenos negócios enfrentam lentidão. Está na hora de sairmos do discurso e darmos o devido valor às pautas dos pequenos”, defende Goetten, que afirma ter solicitado ao favorito para o ocupar a presidência da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), “olhar especial ao setor”. Dentre os projetos fundamentais para atualizar a LC 123, Goetten destaca o Simples Trabalhista, que moderniza as regras e elimina travas para aumentar a produtividade, o aumento do limite de faturamento do MEI (PLP 108) e o pacote do Pequeno e Microempreendedor (PLP 125/2023), que inclui medidas concretas como a redução de multas trabalhistas, diminuição de impostos e maior equilíbrio financeiro para os pequenos negócios. História A inclusão do artigo 179 na Constituição de 1988, que prevê tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas, por insistência do então deputado Constituinte Guilherme Afif Domingos, foi o embrião da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. O dispositivo foi regulamentado em 1995, com a criação do Simples Federal, que simplificou o recolhimento de tributos devidos à União. A unificação do tratamento diferenciado envolvendo Estados e municípios aconteceu em 2006, com a aprovação da Lei Complementar 123, após intensos debates no Congresso Nacional. Desde 1996, a legislação tem sido aperfeiçoada para acompanhar as mudanças da economia e as novas demandas dos empreendedores. Uma das alterações mais importantes na história do empreendedorismo foi a universalização do Simples Nacional, que deu sinal verde para que outros os setores entrassem no sistema. Até então, o enquadramento se baseava no setor ao qual a empresa desenvolvia suas atividades. Com a mudança, o critério passou a ser o porte do negócio, o que permitiu o ingresso de profissionais liberais organizados em empresas, como contadores e advogados. Hoje, praticamente todas as atividades econômicas podem optar pelo Simples Nacional, tendo como critério único o teto de faturamento anual de R$ 4,8 milhões. A criação da figura jurídica conhecida como microempreendedor individual, em 2008, resultado de uma grande mobilização comandada por Afif, foi outro marco da legislação. Porta de entrada para milhares de microempreendedores que atuavam na economia informal, a figura jurídica do MEI estabelece como critério de adesão receita bruta anual de até R$ 81 mil. Segundo dados mais recentes da Receita Federal, são quase 15 milhões de MEIs ativos no Brasil.”     

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Estadão, 150 anos

A bomba no jornal e outras lembranças do jornalista Sérgio Rondino, que atuou durante 20 anos no grupo de comunicação

  Sérgio Rondino, jornalista e coordenador de comunicação do Espaço Democrático Edição Scriptum   Charles Lindbergh sorria enquanto o diretor do jornal o apresentava a um grupo de jornalistas. Sim, ele mesmo: o mundialmente famoso piloto norte-americano que, em 1927, 40 anos antes, cruzara pela primeira vez o Oceano Atlântico num arriscado voo sem escalas. O diretor do jornal era ninguém menos que o então patriarca da família que comandava o jornal, Júlio de Mesquita Filho. Era 1967 e eu, 20 anos de idade, repórter iniciante, fazia parte daquela roda, deslumbrado por estar ao lado daquelas figuras históricas. Ah, as memórias... Elas me assaltaram neste 4 de janeiro de 2025, com a leitura do excelente caderno especial do jornal O Estado de S.Paulo, o Estadão, lançado em comemoração pelos 150 anos de sua existência. Lembranças de muitos momentos que vivi durante 20 anos naquela agora sesquicentenária empresa de comunicação. Sou, até hoje, um assinante do Estadão. Daqueles antigos, que gostam de receber em casa de manhã o jornal impresso pelo prazer de ler enquanto tomam o café matinal. É verdade que, atualmente, parte do noticiário eu já li no dia anterior, porque também tenho a assinatura digital, mas era assim também quando eu trabalhava lá na produção e edição do noticiário do dia seguinte. Hoje, mesmo com o mundo da comunicação digital me bombardeando a cada minuto com notícias de todo o planeta, há muito o que ler no meu Estadão de todo dia. Sou, naquela expressão antiga de nossas redações, o tal “leitor assíduo”. E me refiro a “nossas” redações porque eram duas no meu tempo por lá: a do velho Estadão propriamente dito e a do jovem Jornal da Tarde, o vespertino da empresa lançado em 1966 – que fez uma revolução histórica no modo de fazer jornal e que hoje não existe mais, para tristeza minha e de muitos colegas de então. As duas redações ficavam no quinto andar do prédio da rua Major Quedinho, separadas apenas por um corredor. Que chamávamos de “corredor do tempo”, dada a diferença entre as equipes de profissionais. Diferença de idades, de vestimentas, de comportamento e até do próprio tipo de jornal que produzíamos de um lado e de outro. Eu era um jovem de 20 anos, em 1967, quando pisei pela primeira vez no imponente prédio da rua Major Quedinho, no centro de São Paulo, para me candidatar a uma vaga de estagiário na redação do Jornal da Tarde e iniciar uma carreira profissional de comunicação que dura até hoje. É claro que não cabe aqui desfiar tantas lembranças que me vieram à cabeça com esse caderno do Estadão. Mas conto um episódio, se me permitem. Uma bomba na madrugada Madrugada de 20 de abril de 1968. Como o JT era vespertino, o trabalho na redação se estendia até três, quatro da manhã, hora em que a redação do Estadão estava deserta. Quase todas as editorias tinham finalizado suas edições e alguns poucos de nós ainda esperavam outros para comer alguma coisa em uma lanchonete vizinha. Um grupo já estava esperando nos elevadores – se não me falha a memória éramos eu, o repórter Ramon Garcia, os editores Fernando Portela e Fernando Mitre, o redator Nicodemus Pessoa, e o editor Guilherme Duncan, que era meu chefe na Política. Talvez houvesse outros ali, mas já não lembro. Mitre, atual diretor de jornalismo na Rede Bandeirantes, conta que nesse momento alguém da redação avisou que faltava um título em certa página e ele voltou com mais alguém para resolver o problema. Confesso que não me lembrava desse detalhe. Foi tudo muito rápido. O que tenho na memória é que, nesse exato momento, um grupo desceu, enquanto eu e outros ficamos esperando outro elevador. Foi quando ouvimos um enorme estrondo, que parecia ter vindo lá de baixo – de fora, talvez? Ficamos atarantados. Será que o elevador caiu? Mas não. Imediatamente em seguida a luzinha do elevador que descera mostrou que ele estava voltando. A porta se abriu e vimos sair – lívidos – Portela e Nicodemus. Consultei o Portela, que me relatou assim o que lembra: “Estávamos descendo no elevador da direita (é incrível, mas lembro disso, e espero que a memória não me engane), apenas Nicodemus e eu. Imagino que à altura do segundo andar, pois o elevador já havia andado um pouco, a gente não chegou a ouvir um estrondo forte, mas um som abafado e algo como um deslocamento de ar. Ficamos meio "bobos", fora do mundo. Paralisados. Naquele momento, não tivemos ideia do que era. Não nos mexemos, e o elevador, que havia parado, subiu de volta. Quando a porta abriu, no andar da redação, só me lembro da cara apavorada de alguém gesticulando e gritando "Bomba no jornal! Bomba no jornal!". A partir daí não me recordo de mais nada. A não ser que continuei um tempo, alguns minutos, meio bobo. Escapamos por frações de segundos”. Foi uma bomba. Colocada junto a uma das portas metálicas de entrada (que à noite ficava fechada), no lado da rua Martins Fontes, provocou uma explosão tão violenta que arremessou aquela porta em direção à outra entrada, onde ficava o porteiro Mário José Rodrigues, o nosso sêo Mário, figura gentil. Ele não foi atingido, mas jogado violentamente contra a parede. Ficou apenas ferido, ainda bem. E nós? Se houvéssemos descido segundos antes talvez estivéssemos cruzando o saguão da portaria no exato momento em que a pesada porta veio voando do outro lado. É assim que me lembro. O que se seguiu, como não poderia deixar de ser, foi a convocação geral e muito trabalho para todos nós, até o JT sair às ruas com a manchete: “Uma bomba neste jornal”. Naquele momento era presumível imaginar que se tratava de terrorismo da extrema esquerda. Mas não era possível comprovar, o que só ocorreu anos depois. Vale reproduzir um trecho do livro Pedro e os lobos (Ava Editorial), de João Roberto Laque, que conta a história do militar e guerrilheiro urbano Pedro Lobo de Oliveira: “(…) Três da manhã do dia 20 de abril. Pedro Lobo e seus companheiros da esquerda armada estão a postos para mais um atentado. Dessa vez, o alvo é a sede do jornal O Estado de S.Paulo. Desde muito, a família Mesquita é odiada pelas esquerdas. Os proprietários do centenário matutino e do Jornal da Tarde conspiraram contra João Goulart ainda no início do seu governo e chegaram a passar o chapéu entre empresários, visando financiar o golpe que derrubaria João Goulart. E, para a afronta aos Mesquita, Pedro é um dos escalados: “‘A gente parou o carro próximo à entrada do jornal, um companheiro desceu e foi lá na entrada do prédio colocar a bomba, que tinha seis quilos de uma dinamite gelatinosa preta. Dali, o comando desceu para a Praça da Bandeira e cada um seguiu para sua casa.” A violenta explosão no prédio da rua Major Quedinho com a Martins Fontes, centro da cidade, arrebenta a porta de aço, destrói o saguão revestido de mármore, deixa ferido o porteiro do jornal, Mário José Rodrigues, e estilhaça os vidros das janelas de todos os prédios num raio de quinhentos metros”. Um carro explode Pois é... haveria outra bomba, anos depois, em 1983, quando as redações e toda a empresa já haviam se mudado para um novo e imenso prédio na Marginal do Tietê. Dessa bomba, felizmente, só fiquei sabendo no dia seguinte, e a cito apenas para lembrar como o Estadão foi alvo também de terrorismo da extrema direita. Sobre ela, reproduzo trecho do livro Memórias de uma guerra suja (Ed. Topbooks), dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, com depoimento do delegado Claudio Guerra, integrante dos órgãos de repressão durante o regime militar: “(…) Um dos jornais mais críticos ao sistema era O Estado de S. Paulo. Perdigão e Vieira (os coronéis da linha dura Fredie Perdigão Pereira e Antonio Vieira) queriam fazer um atentado lá, para chamar atenção, fazer barulho, mas sem vítimas. Eu mesmo idealizei tudo. A bomba seria colocada do lado de fora do prédio do jornal, assim eu teria mais controle para não atingir ninguém. Foi no dia 14 de novembro de 1983. (…) Montei a bomba com um despertador como gatilho, guardei no porta-malas do carro e fui para o estacionamento do jornal O Estado de S.Paulo. Parei o Voyage com a traseira virada para o prédio. O prédio do jornal era grande. Ao lado, havia um viaduto na Marginal, onde eu fiquei esperando o momento da explosão. Tive o cuidado de preparar a bomba com o mesmo tipo de explosivo que o pessoal de Cuba usava, mas era para ficar caracterizado que a autoria era da esquerda. Ficamos observando para se ver se alguém encostaria no carro. Ninguém apareceu. Aí aconteceu a explosão, foi aquele fogaréu”. E assim foi. Haveria muito mais o que contar – a noite do AI-5, o confisco da edição com o editorial Instituições em frangalhos, último redigido pelo próprio doutor Julinho, os censores e as receitas publicadas nas matérias censuradas, as grandes coberturas como as da tragédia de Caraguatatuba e do incêndio no edifício Joelma, do congresso da UNE em Ibiúna... Longa história. Continuo gostando do velho jornalão (hoje menor, formato Berliner), com sua tradição, seus acertos e seus erros. Há quem não goste. Mas como negar a relevância de seu papel na história do País? Fico entre aqueles que o aplaudem.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Brasil precisa elevar o nível das avaliações educacionais

Para Alexandre Schneider, quando aumentamos a exigência, criamos um círculo virtuoso: as escolas se adaptam, os professores se capacitam

  Alexandre Schneider, doutor em administração pública e governo, foi secretário municipal de Educação de São Paulo e é secretário estadual de Educação de Pernambuco Edição Scriptum   A mais importante avaliação internacional de matemática e ciências acaba de revelar um quadro preocupante sobre a educação brasileira. O Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) — que há mais de 20 anos avalia o desempenho de estudantes do 4º e 8º ano em diversos países — contou pela primeira vez com a participação do Brasil em 2023. Os resultados soaram como um alarme: ficamos entre as últimas posições. No 4º ano, o País ocupou o 64º lugar em matemática e o 61º em ciências, entre 66 nações. No 8º ano, o cenário não foi muito diferente: 45ª posição em matemática e 43ª em ciências, entre 47 países. Mais que lamentar esses resultados, precisamos entender por que chegamos a tal ponto e como podemos mudar esse cenário. Uma das respostas está na forma como avaliamos nossos estudantes. Compare duas questões de matemática. Em nossa avaliação nacional, o Saeb, um aluno típico encontra problemas como calcular quantos litros há numa caixa-d’água com três quartos de sua capacidade total de mil litros. Uma pergunta direta, que exige basicamente a aplicação de uma fórmula. No TIMSS, esse mesmo aluno depararia com um desafio mais instigante: calcular as novas dimensões de um jardim retangular cuja área precisa ser aumentada em 25%, mantendo a forma original. A diferença é gritante — enquanto um teste cobra a mera reprodução de conhecimento, o outro exige raciocínio, criatividade e aplicação prática. Em ciências, o contraste é ainda mais revelador. Enquanto pedimos a nossos estudantes que expliquem mecanicamente o processo de fotossíntese, o TIMSS os desafia a entender por que a água se comporta de maneira única ao congelar, relacionando o fenômeno a sua estrutura molecular. É a diferença entre memorizar e verdadeiramente compreender. As avaliações educacionais são mais que instrumentos de medição — são poderosas ferramentas de transformação. Redes públicas e escolas privadas organizam seus currículos e metodologias para responder às exigências dessas avaliações. Quando mantemos avaliações com baixo nível de complexidade, inadvertidamente sinalizamos que esse é o padrão aceitável de aprendizagem. Alguns argumentarão que elevar o nível das avaliações pode resultar em notas ainda mais baixas no curto prazo. Sim, é uma possibilidade real — e necessária. Resultados mais baixos inicialmente não seriam um fracasso, mas um retrato mais fidedigno de nossa realidade educacional. É preferível encarar essa verdade incômoda a nos contentarmos com uma falsa sensação de progresso. A história da educação nos mostra que os sistemas educacionais tendem a responder às expectativas que estabelecemos para eles. Quando definimos metas mais ousadas e elevamos o nível de exigência, criamos um círculo virtuoso: as escolas se adaptam, os professores se capacitam, e os alunos são desafiados a alcançar patamares mais altos. É como um atleta que progressivamente aumenta a intensidade de seus treinos para competir em níveis mais elevados. Elevar o nível de complexidade do Saeb não significa abandoná-lo, mas fazê-lo evoluir. Nossa educação precisa dessa progressão para formar jovens capazes de competir globalmente e encontrar soluções criativas para problemas complexos. A mudança exigirá preparo dos professores, adaptação das escolas e uma mudança de mentalidade. Mas o custo de não mudar é muito maior: continuarmos formando estudantes despreparados para os desafios de um mundo cada vez mais complexo. Os resultados do TIMSS são um mapa do caminho que precisamos percorrer. O primeiro passo é elevar a complexidade de nossas avaliações, mesmo que isso signifique enfrentar resultados inicialmente desconfortáveis. O futuro de nossa educação — e, consequentemente, de nosso País — depende dessa mudança corajosa e necessária.  

Artigo publicado no jornal O Globo em 20 de dezembro de 2024

  Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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