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Estatísticas revelam a realidade da violência contra a mulher
Sociólogo Tulio Kahn analisa os dados que mostram como a reclassificação dá clareza a este tipo de crime
Ainda bem que não vamos intervir
Existem poucas coisas mais patéticas do que o nacionalismo rasteiro e ufanista, escreve o cientista político Rubens Figueiredo
Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Existem poucas coisas mais patéticas do que o nacionalismo rasteiro e ufanista. Um portal de grande circulação divulgou, em tom grandiloquente e com enorme destaque, a seguinte chamada: “Brasil monitora deslocamento de navios dos EUA para a costa da Venezuela”. A matéria esclarece que, “por hora, o Brasil não deve intervir”. Ufa! Essa informação deve ter tranquilizado as Forças Armadas americanas. Os três destróieres da classe Arleigh Burke, como os enviados à Venezuela, são equipados com sistemas Aegis, os eficientes mísseis Tomahawk, mísseis anti-aéreos (SM-2, SM-3 e SM-6), ASROC (anti-submarino) e canhão de 127 mm. É o que existe de mais avançado na área. Se os 5,5 milhões de milicianos supostamente convocados por Maduro começarem a dar muito trabalho em terra, disparando seus 100 mil fuzis AK-103, comprados em 2006, se é que ainda funcionam, os EUA ainda podem lançar mão de seus 11 porta-aviões atômicos. É muito desequilíbrio. Resumindo: as três embarcações têm mais poder de fogo do que toda a Marinha venezuelana e talvez o exército também. Essa história do Brasil “monitorar” a movimentação americana lembra a imagem de um peixe ornamental vigiando um tubarão-tigre. O orçamento de defesa americano é de U$ 831 bilhões, contra cerca de U$ 20 bilhões por aqui (contingenciados). Eles têm mais de 13.200 aeronaves, nós 715, sendo que cerca de 63% não podem voar por falta de peças de reposição. O efetivo militar de nossos irmãos do Norte é de 1,36 milhão, enquanto por aqui somos 360 mil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já “alertou” ao povo americano acerca das dificuldades que eles irão passar por causa do tarifaço. Falou que o quilo de filé mignon lá custa U$ 150 e bom mesmo é viver aqui nos trópicos, mesmo que tenhamos uma renda per capita oito vezes menor e desigualdade de renda que nos coloca na luta pela pole position global. Intenciona “forjar uma frente internacional contra o protecionismo”, embora o Brasil seja historicamente identificado como um dos países mais protecionistas do mundo. Espero que a Venezuela monitore os destróieres americanos caso eles sejam enviados para cá. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkAusência de planejamento
Para voltar a ter desenvolvimento sólido, consistente, duradouro e sustentável, planejar é necessário, escreve Luiz Alberto Machado
Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Em artigo na edição de 24 de agosto do jornal O Estado de S.Paulo, intitulado Só com mais investimento, saímos do atoleiro, o jornalista Rolf Kuntz explora um argumento recorrentemente utilizado pelo economista Roberto Macedo, que costuma comparar os baixos níveis de investimento público dos anos recentes com os verificados nos bons anos do chamado "milagre econômico", quando alcançavam cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo os principais responsáveis pelas elevadas taxas de crescimento então obtidas. Entre outros projetos desse período, destacam-se a Usina de Itaipu e a Ponte Rio-Niterói.
Rolf Kuntz inicia seu artigo afirmando: "Enfiado num atoleiro há pelo menos 12 anos, o Brasil só voltará a ser uma economia dinâmica se investir muito mais em capacidade produtiva, cuidar menos de fantasias diplomáticas, valorizar os interessas prosaicos e fizer do governo, mais uma vez, um instrumento de modernização do País".
Na sequência, Kuntz utiliza a modesta expectativa de crescimento deste ano, de 2,21%, de acordo com o boletim Focus, para chamar a atenção para um fato incontestável: como uma economia emergente, seria mais do que razoável ambicionar um ritmo de avanço maior do que o realizado pelos países mais avançados, sendo necessário, para tanto, correr para diminuir as diferenças entre volumes de produção, níveis de consumo e perspectivas de emprego e de padrões de vida.
Lembrando que para alcançar esse objetivo o Brasil precisa poupar e investir em capacidade produtiva e que poupança e investimento dependem tanto do governo quanto do setor privado, Kuntz aponta diversos fatores pelos quais nem o governo nem a iniciativa privada têm cumprido a sua parte, quer por motivos técnicos ou econômicos, quer, sobretudo, por motivos políticos, observando-se, com frequência, acentuada inversão de valores, com prejuízos que reduzem a capacidade de poupar e investir do setor público, com consequências que se estendem ao setor privado.
Como tem observado o economista Felipe Salto em seus pronunciamentos e artigos, imaginar uma reversão desse quadro no curto prazo não passa de ilusão, uma vez que uma das características mais marcantes do atual governo reside não em poupar, mas em aumentar sistematicamente o nível de gastos, sem priorizar investimentos de impacto duradouro. Essa atitude torna-se ainda mais preocupante se considerarmos que estamos caminhando para o final do mandato e a prioridade absoluta do presidente passa a ser a sua própria reeleição.
Diante disso, continua Kuntz: "Não há como tratar as condições de crescimento da produção, de abertura de empregos e de geração de condições de consumo como fatos 'meramente' econômicos e mensuráveis apenas por critérios técnicos. O atoleiro enfrentado pelo Brasil há pelo menos 12 anos − alguns analistas, entre os quais me incluo, levariam a análise bem mais longe − é um fato político, produzido por decisões e arranjos políticos. O ganho de produtividade necessário para livrar o País desse atoleiro também é, portanto, uma questão política e seria bom se todo cidadão o entendesse dessa forma".
Para justificar seus argumentos, Kuntz lembra que o País cresceu menos de 2% em seis dos dez anos entre 2015 e 2024, igualando ou superando 3% em apenas quatro. A maior taxa, 4,8%, ocorreu em 2021, em parte como compensação do desastre do ano anterior, quando, em função da retração provocada pela pandemia, o valor produzido encolheu 3,3%. Em nenhum outro período o resultado sequer bateu em 4%.
Kuntz conclui seu artigo reafirmando que "para crescer é preciso investir em meios de produção e em mão de obra. Neste século, raramente o valor investido igualou ou superou 18% do PIB, barreira ultrapassada em vários países emergentes. No primeiro trimestre essa taxa bateu, no Brasil, em 17,8%".
Concordando integralmente com os aspectos apontados por Kuntz, Macedo e Salto, ouso acrescentar um elemento a mais na já complicada enrascada em que se encontra a economia brasileira.
Esse elemento é a ausência de planejamento. Tanto no governo como no setor privado, é recomendável um planejamento que não apenas estabeleça e articule objetivos de curto, médio e longo prazos, mas faça o acompanhamento de sua execução e promova, quando necessário, os ajustes adequados.
Em nosso País, entretanto, a palavra planejamento costuma ser muito mal vista, assemelhando-se, de certa forma, a um palavrão. Quando ocorre − o que nem sempre acontece −, o planejamento é considerado inoportuno por liberais por acreditarem que ele necessariamente implica em adoção de medidas autoritárias e centralizadoras, impedindo ou prejudicando o desempenho dos agentes. Os adeptos de uma visão mais intervencionista do Estado, por sua vez, costumam confundi-lo com ações imediatistas, suficientes, quando muito, para garantir a popularidade dos governantes.
Para complicar, as sucessivas crises que se abateram sobre a nossa economia fizeram com que, em vez de políticas de médio e longo prazos, quase sempre as ações adotadas visassem enfrentar problemas urgentes, caracterizando um indesejável curto prazismo.
Soma-se a isso, o péssimo hábito cultivado pela maioria dos nossos políticos de não darem continuidade aos projetos de antecessores, em especial quando provenientes de governantes de outros partidos. Talvez a última exceção a essa prática tenha ocorrido no primeiro governo Lula, cuja equipe econômica, liderada pelo ministro Antonio Palocci, continuou adotando a política econômica que deu bons resultados no governo FHC, sintetizada pelo tripé macroeconômico metas de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal.
A rigor, mesmo esse tripé está muito mais para uma política de curto prazo, implementada para garantir a estabilidade monetária obtida com o Plano Real, do que para um exemplo bem acabado de bom planejamento.
Deste, os exemplos mais recentes são, provavelmente, os Planos Nacionais de Desenvolvimento, concebidos ainda no regime militar. De lá para cá, em vez de exercitar o planejamento, o que tivemos no Brasil foram sucessivas tentativas de apagar incêndios.
A meu juízo, portanto, a elevação das taxas de poupança e investimento recomendada por Roberto Macedo e Rolf Kuntz é indispensável para que o Brasil volte a crescer em níveis mais robustos. Porém, para que volte a ter um desenvolvimento sólido, consistente, duradouro e sustentável, será preciso retomar a prática do bom e velho planejamento!
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkO Brasil perdeu o rumo depois da Constituição de 1988
Para Samuel Hanan, sem diagnóstico dos problemas e definição de um plano de metas para execução é impossível alcançar o progresso estampado na bandeira nacional
Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Em outubro de 1988, o Brasil comemorou a promulgação da nova Constituição, considerada uma das mais modernas do mundo, notadamente pela defesa dos direitos sociais. Agora, passadas menos de quatro décadas, é patente que os avanços mais necessários à nação não se concretizaram e o Brasil perdeu o rumo.
Obviamente, não se pode atribuir a situação atual à Carta Magna de 1988, mas é possível tomá-la como marco temporal, pois a consolidação democrática baseada na Constituição Cidadã contrasta com a eficiência dos governantes desses quase 37 anos, período no qual convivemos com corrupção, acentuado desperdício de recursos públicos, impunidade, custos altíssimos e escolhas de nossos governantes, que se revelaram desqualificados e/ou inexperientes.
A falta de recursos é uma falácia cristalizada nos discursos, desculpa recorrente para a incapacidade de gestão. Não se sustenta diante de análise mais aprofundada. Os recursos financeiros arrecadados pela União, Estados e Municípios – aproximadamente de 34% a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) –, somados aos montantes concedidos a título de incentivos, renúncias e/ou desonerações fiscais e/ou gastos tributários (que representam 5% do PIB), bem assim consideradas as estimativas de sonegação e sobrepreços praticados nas compras e contratações de serviços públicos (estimados em mais de 2% do PIB) são tão expressivos que derrubam qualquer tese contrária. Não há justificativa para o País ter um crescimento do PIB tão baixo, péssima infraestrutura e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) absolutamente incompatível com as riquezas da Nação – (84ª posição no ranking das Organizações das Nações Unidas (ONU) em 2024, ante a 73ª colocação em 2022 –, o que se reflete em péssima qualidade de vida para a população, com indicadores sofríveis em saúde, educação, saneamento básico e segurança pública.
No período pós-CF/88, o crescimento do PIB per capita nacional foi inexpressivo, ficando abaixo da média mundial, ainda que a carga tributária tenha aumentado em mais de 41% no mesmo período.
Somam-se a isso a volta de inflação anual rebelde, já superior a 5% ao ano, acima da meta estabelecida de 3,50%; o crescente déficit público já consumindo de 9% a 10% do PIB; e a dívida pública superando 75% do PIB. O país amarga déficit em transações correntes e ainda vê a participação dos salários no PIB cair de 49,2%, em 1995, para menos de 40%, em 2024. O Brasil segue andando de lado, enquanto outras nações aceleram para frente.
Por que chegamos a esse estágio e qual o caminho? A resposta está na falta de planejamento. Sem um diagnóstico correto dos grandes problemas nacionais e da definição de um plano de metas para execução a médio e longo prazos, é impossível alcançar o progresso estampado na bandeira nacional.
Estamos no caminho errado, agravado pela adoção do instituto da reeleição para cargos executivos, em 1997, e que precisa ser revisto com urgência. Não é só. O Poder Executivo é composto por 38 ministérios (incluindo seis secretarias vinculadas à Presidência da República) e é inaceitável que nenhum deles se dedique, de fato, a traçar o Brasil do futuro. O modelo atual molda um país “concordatário”, gerido pelo caixa.
A falta de planejamento tem levado o Ministério da Fazenda a atuar como se o Brasil fosse um doente na UTI, sob o uso de cuidados paliativos. Incentivos e desonerações fiscais são concedidos à vontade, em completa inobservância da Constituição Federal, assim como é feita espasmodicamente a distribuição de toda sorte de incentivos setoriais, em detrimento de incentivos regionais.
É premente mudar essa realidade, combatendo os grandes males do País – entre os quais o gigantismo da máquina pública e enormes desperdícios – e focar no planejamento de soluções definitivas para o equacionamento dos gargalos sobejamente conhecidos na produção e distribuição de energia, uma das mais caras do mundo; em logística e infraestrutura – que reclamam a construção e modernização de portos e aeroportos, ferrovias e rodovias, além de buscar maior utilização de nossa enorme bacia hidrográfica para fins de navegação.
Além disso, um país cuja economia depende enormemente do solo (agrobusiness) e do subsolo (mineração e petróleo) não pode se dar ao luxo de não possuir uma política clara, transparente e uniforme, capaz de destravar o licenciamento ambiental e garantir investimentos ecologicamente sustentáveis.
Há, ainda, outra questão fundamental para a retomada necessária do desenvolvimento. O Brasil precisa olhar para além do PIB e incluir na linguagem governamental, de forma coordenada, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Coeficiente de Gini – medida do grau de concentração de renda em determinado grupo –, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e outros indicadores capazes de mensurar a qualidade de vida da população, esta sim o grande objetivo de uma verdadeira nação.
O País tem o bom exemplo deixado pelo presidente Juscelino Kubitschek, que governou o Brasil de 1956 a 1960. Pode bem ser a inspiração para, urgentemente, elaborar um Plano Vintenário de Desenvolvimento Socioeconômico Ambiental, independentemente de quem ou qual partido saia vitorioso nas eleições presidenciais de 2026. Essa deveria ser a bandeira levantada por todos os candidatos verdadeiramente comprometidos com o futuro da nação.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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