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Taxonomy - Rousseau e o Democratismo

12. Surtos de democratismo evidentes no Brasil

Ao contrário de Portugal, no Brasil o democratismo não conseguiu chegar ao poder quando se tratava, também aqui, de promover a transição da monarquia absoluta para a constitucional. Não dispúnhamos de qualquer tradição em matéria de funcionamento do Parlamento. Poucos deputados tinham vivenciado os procedimentos adotados nas Cortes de Lisboa, que tampouco se tratava de algo sedimentado.

  A insistência na caracterização e crítica do democratismo prende-se ao fato de que, tratando-se inquestionavelmente de caminho ilusório para efetivação dos fins declarados, tem revelado um grande poder de atração para diversos segmentos de nossa população, em diferentes ciclos históricos. Dada a circunstância, parece aconselhável dispormos de procedimentos que permitam identificar, de pronto, quando a arenga democrática tem outros propósitos que não os anunciados. Ao contrário de Portugal, no Brasil o democratismo não conseguiu chegar ao poder quando se tratava, também aqui, de promover a transição da monarquia absoluta para a constitucional, embora a questão da Independência tivesse a primazia no processo político. Tratava-se certamente de um arranjo complexo, exigente de que procurássemos  cuidar da organização concreta dos interesses em choque, cabendo portando afunila-los e, sobretudo hierarquiza-los. Não dispúnhamos de qualquer tradição em matéria de funcionamento do Parlamento. Poucos deputados tinham vivenciado os procedimentos adotados nas Cortes de Lisboa, que tampouco se tratava de algo sedimentado. Não obstante essa evidência, grupos ativos e dispostos a manifestar-se nas ruas, ambicionavam coibir, em seu favor, os poderes do Príncipe. Tanto esticaram a corda que D. Pedro preferiu abdicar. Perdeu-se a referência que era a estruturação de órgãos capazes de manter a unidade nacional, extraordinária conquista. Expressão da influência do democratismo seria a busca por Frei Caneca de uma doutrina capaz de justificar a separação das províncias. O certo é que, até o Regresso (1840), tivemos praticamente uma década entre a abdicação e a adesão da maioria da classe política a um projeto devidamente hierarquizado, atribuindo a devida prioridade à organização da representação, isto é, a abertura de um caminho sólido para a negociação, pondo fim às tentativas de solucionar as divergências pelo recurso ás armas. O certo é que tivemos, então, meio século de estabilidade política, sem golpes de Estado ou choques armados. Em seguida à proclamação da República, o democratismo faria uma nova aparição no cenário nacional e tivemos uma década marcada pela ingovernabilidade. Naquela oportunidade, ao contrário dos anos quarenta, os partidários de uma autêntica construção democrática, exigente de paciência e dedicação, viriam a ser derrotados. A República nascente optou pelo encaminhamento autoritário. No século XX, em sucessivas ocasiões, o democratismo, expressar-se-ia nas tentativas de opor-se às formas autoritárias de governo recorrendo a procedimentos abertamente anti-democráticos (a exemplo da luta armada), comportamento que, na prática, só serviu para maior endurecimento dos regimes no poder. Naquelas oportunidades, a Nação revelou maturidade suficiente para resistir a tais enganosos cantos de sereia. Em que pese os percalços do processo político – e da impaciência dos que se revelam apressados – temos sabido enfrentar os desafios inerentes à construção democrática, que exigirá sempre sacrifício e dedicação de sucessivas gerações.

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11. O democratismo em Portugal

Em síntese, o novo regime constitucional estabeleceu a supremacia do poder parlamentar sobre o poder real, para não falarmos das imposições ao Brasil, que nos conduziriam à Independência.

  Registra-se na cultura luso-brasileira uma longa convivência com o democratismo. Seu início situa-se no tempo em que a Corte transferira-se para o Rio de Janeiro onde se achava o governo de D. João VI. É importante tê-lo presente para nos darmos conta de que não é o caminho que conduz à tranqüila consolidação de governo democrático representativo. A Revolução do Porto (1820) foi desencadeada com o propósito básico de obrigar d. João VI a regressar a Portugal. A guerra contra a ocupação do país por tropas francesas --motivo da mudança da Corte para o Rio de Janeiro-- durou sete anos e produziu uma grande destruição. Morreram mais de cem mil pessoas. As cidades haviam sido saqueadas e devastadas, enquanto a economia agrícola fora completamente desorganizada. Expulsos os franceses, o comando do exército manteve-se em mãos de oficiais ingleses. Em 1817, ocorre manifestação de insatisfação dos oficiais portugueses com essa situação, ferozmente reprimida. Os implicados foram enforcados, entre eles militares de muito prestígio, conquistado durante a defesa do país. Na época da Revolução do Porto, havia cem mil homens em armas e sua manutenção consumia 75% das receitas públicas. Tudo isto seria sanado com  a volta de D. João VI, acreditava-se. Seu retorno haveria de permitir ainda a transição da monarquia absoluta para a constitucional. Assim, a Revolução do Porto atendia a profundas aspirações nacionais. Acontece que o movimento foi empolgado pelo democratismo. Estabelecido o regresso de D. João VI a Lisboa, e que o país passaria a dispor de uma Constituição, a liderança pretendeu que, embora o Rei devesse, formalmente, chefiar o Executivo, o funcionamento deste dependeria do Parlamento. Em síntese, o novo regime constitucional estabeleceu a supremacia do poder parlamentar sobre o poder real, para não falarmos das imposições ao Brasil, que nos conduziriam à Independência. O país dividiu-se entre partidários da monarquia absoluta e partidários do democratismo. Em fins da década de vinte, após a morte de D. João VI, o Parlamento foi fechado. A guerra civil campeou de 1828 a 1834. Abdicando da Coroa do Brasil, D. Pedro I envolveu-se naquele conflito e impôs a vigência de sistema constitucional equivalente ao adotado no Brasil. Depois de sua morte, em 1836, o democratismo consegue novamente empolgar o poder e mais uma vez Portugal é arrastado à instabilidade. Forma-se uma organização paramilitar, a Guarda Nacional, dispondo de partidários armados, entre estes os trabalhadores do Arsenal (chamados arsenalistas), comandados por um dos chefes da situação, que deixara crescer a barba, dizia, “para meterem mais terror à população inerme da capital”. Impossibilitada de governar, a parte daquela liderança que se encontrava no poder decidiu-se por dar uma demonstração de força. Na noite de 13 de março de 1838, as tropas do governo cercaram os arsenalistas no Rossio e os metralharam. O massacre do Rossio passou a se constituir num símbolo do exercício do poder pelo democratismo. Partindo de idealizações absurdas, cria uma situação de ingovernabilidade, ensejando soluções de força.

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10. Um passo atrás

Um século depois do furacão desencadeado pela Revolução Francesa, o democratismo continuava marcando presença na vida política francesa.

Temos em vista o encaminhamento dado à Revolução de 1848, que consistiu num fenômeno mais ou menos generalizado na Europa Ocidental. Na maioria dos que então se engajaram nesse movimento, a reivindicação catalisadora consistia na adoção de uma Constituição, isto é, a crença de que a providência poria fim à monarquia absoluta, conquista que somente se efetivaria na Dinamarca. Nos demais, campeou a repressão, ainda que reclamos de menor significado tivessem sido atendidos. Na França, entretanto, adquiriu maior complexidade ao diferenciar-se dos demais porquanto vivia então regime parlamentar (constitucional, vale dizer), ainda que não-democrático. Deste modo, a Revolução de 1848 assumiu caráter anti-monárquico, complicando-se no desdobramento. A Revolução foi desencadeada entre 22 e 24 de fevereiro.O governo organizou a resistência mas acabou sendo vaiado pela tropa que, entre outras coisas, teve em suas fileiras  a adesão de alguns  batalhões aderindo aos insurretos, o que levou à abdicação do monarca. Proclamou-se, então, a República. Em abril elege-se a Assembléia Constituinte. A representação dos monarquistas dispõe de um terço das cadeiras, dividindo-se em legitimistas e orleanistas, grupos estes irreconciliáveis, a ponto de terem preferido a República, já que a volta da monarquia pressupunha a existência de um único pretendente, o que nem se deu nem poderia ocorrer. O desfecho napoleônico, através de Luís Napoleão Bonaparte (1808/1873) ainda não se configurava. A França afrontava desde os últimos anos uma grave crise econômica que começara com problemas climáticos afetando as safras, gerando escassez de alimentos, desemprego generalizado e retração do mercado, afetando a indústria. Enquanto funcionava a Constituinte, aparece em cena a ação de movimento popular afeiçoado ao socialismo, corrente que então emergia no cenário político do país, sob a liderança de Louis Auguste Blanqui (1805/1880). Este acreditava firmemente que uma pequena minoria organizada, capaz de realizar um golpe de mão revolucionário, atrairia as massas populares, tornando-se apta a alcançar a vitória  da revolução socialista. Em fins de maio e começos de junho lançou-se a essa aventura, ferozmente reprimida e cujo resultado principal seria trazer para primeiro plano o medo de que o país ingressasse de novo na anarquia e na desordem. A manutenção da ordem tornar-se-ia aspiração generalizada, situação de que saberia tirar partido Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, fenômeno histórico que daria razão aos ingleses na resistência à adoção abrupta do sufrágio universal. A nova Constituição, promulgada a 12 de novembro, previa a eleição do chefe do Executivo. Candidato, Luís Bonaparte alcançaria estrondosa consagração: 5,5 milhões de votos (o oponente carrearia apenas l,4 milhão). Inaugurou o recurso a plebiscito para restaurar a monarquia absoluta. O primeiro teve lugar em  1851, quando passou a dispor de todos os poderes, isto é, livre da ingerência do Parlamento em seu governo. Logo em seguida, (janeiro de 1852), novo plebiscito destinado a atribuir-lhe a dignidade imperial, com o título de Napoleão III. Assim, um século depois do furacão desencadeado pela Revolução Francesa, o democratismo continuava marcando presença na vida política do país. Em que pese a constatação, a França proporcionaria relevantes contribuições teóricas favorecedoras do pleno desabrochar das virtualidades do governo representativo. Além do liberalismo doutrinário e da doutrina da representação como sendo de interesses --o primeiro antes caracterizado --, cabe indicar, para posterior desenvolvimento, o mérito de haver, na obra de Aléxis de Tocqueville, conseguido restaurar a validade do ideal democrático.

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9. O liberalismo doutrinário, criação francesa 

Durante cerca de vinte anos, a França viveria sob monarquia constitucional (representativa), graças à vigência do liberalismo doutrinário, primeira versão dessa doutrina consistentemente elaborada (e experimentada) no continente.

    Napoleão defrontar-se-ia, afinal, com sérias derrotas militares, tanto na Península Ibérica, pela revolta popular contra a ocupação por tropas francesas, do mesmo modo que no Extremo Oriental, pela resistência dos russos à tentativa de dominação. Minava a aureola de invencibilidade, que granjeara, e, de certa forma, nutria o seu prestígio interno. Enfraquecido, seria forçado a abdicar em abril de 1814. Conseguiu reinstalar-se em Paris, um ano depois, mas apenas por 100 dias, vitimado desta vez pela derrota militar imposta pelos ingleses. Entre março de 1815 e julho de 1830, a França viveu sob governo dos chamados “ultras”, por pretenderem, nada mais nada menos, que restaurar o Antigo Regime. Em meados de 1830 eclode a chamada Revolução Liberal, que coloca no poder uma nova dinastia. Durante cerca de vinte anos, a França finalmente viveria sob monarquia constitucional (representativa), graças à vigência do liberalismo doutrinário, primeira versão dessa doutrina consistentemente elaborada (e experimentada) no continente. Liderou-o François Guizot (1787/1874), sucessivamente Ministro do Interior, Ministro da Instrução Pública, a partir de 1840, Ministro do Exterior, mas de fato chefe do governo, situação que se efetiva com sua nomeação para a Presidência do Conselho de Ministros em 1847. Para os doutrinários, o regime representativo não representa apenas o povo mas todas as forças e instituições existentes no país, sendo o Rei das mais fortes. Ao contrário da Inglaterra, onde sobressaíra o poder do Parlamento, na França forças sociais intervieram outorgando o poder ao Rei e ao Parlamento. Os doutrinários propiciaram uma contribuição fundamental no sentido de preservar o espírito da ideia liberal, no século anterior virtualmente circunscrito à Inglaterra, distinguindo-o nitidamente do democratismo difundido pela Revolução Francesa, sem voltar as costas ao sistema representativo e, deste modo, distinguindo-se também dos “ultras”, isto é, em geral dos saudosistas do Antigo Regime (monarquia absoluta), que, a seu ver, longe estava de ser a única forma de conservadorismo, nem esse regime tinha o monopólio da observância do conjunto das tradições nacionais, que não poderiam ser simplesmente ignoradas ou menosprezadas, sem a devida e desapaixonada avaliação. Em síntese, nos vinte anos em que estiveram no poder proporcionaram à França a experimentação de funcionamento das instituições fundamentais do sistema representativo, notadamente de uma forma de governo onde o Parlamento tinha plena audiência, sem exclusividade ou prevalência. A par  da mencionada experiência, sem precedentes na história da França, grande esforço desenvolveram no sentido de tornar a Universidade pública uma instituição laica, o que não conseguira Napoleão, que se limitaria  a impedir o funcionamento da instituição (a famosa Sorbone), por obstinadamente manter intactas suas características medievais. Os doutrinários conceberam e plasmaram as Forças Armadas como uma instituição profissional, voltada para a defesa do país e a garantia da inviolabilidade de suas fronteiras, deixando de constituir ameaça permanente aos vizinhos, como se dera nos tempos de Napoleão.

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