Pesquisar
Taxonomy - Geral
PEC da Segurança Pública: o que muda e por que causa polêmica?
Iniciativa propõe a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), mas divide opiniões de parlamentares e especialistas
Jorge Macedo, da Agência Senado
Edição Scriptum
A segurança pública é a maior preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa da Quaest divulgada no dia 2 de abril. O tema ganhou a dianteira no ranking de principais inquietações da população no início deste ano e segue em ascensão na série histórica do instituto.
Diante desse cenário, o governo federal apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para reformular a gestão da segurança pública no Brasil. Na última quarta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou o texto aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. No início do mês, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, já havia antecipado a minuta da proposta para líderes partidários do Congresso.
A iniciativa propõe a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado em 2018 pela Lei 13.675. O objetivo é reforçar a atuação federal na segurança, ampliando o papel da União na formulação de políticas nacionais e no combate ao crime organizado. Serão sugeridas mudanças significativas na estrutura da segurança pública no Brasil que redefinirão as competências da União, Estados, Distrito Federal e municípios. Caso seja aprovado, o texto representará uma das maiores reformas do setor nas últimas décadas.
A proposta, no entanto, divide opiniões entre parlamentares e especialistas. Um dia depois do encontro com deputados, Lewandowski veio ao Senado participar de audiência na Comissão de Segurança Pública (CSP). Na ocasião, o ministro defendeu a PEC, mas reconheceu que ela não será uma "bala de prata" para acabar com o crime organizado no País. De acordo com ele, elevar o SUSP à condição constitucional vai garantir maior estabilidade ao sistema e proteção contra mudanças políticas de curto prazo.
— É um problema muito sério, não é uma ação que vai resolver isso. A PEC não é a solução, é um início de solução e conjugação de esforços. É apenas uma tentativa de organizar o jogo para depois darmos uma nova partida — afirmou.
Segundo Lewandowski, o texto da PEC foi apresentado aos parlamentares antes da sua formalização para que já receba contribuições. A versão final do Executivo deverá ser protocolada ainda neste mês de abril.
Depois de apresentada, a proposta precisa do apoio de pelo menos 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação em cada uma das Casas, para ser aprovada. Em seguida, o texto é promulgado pelo Congresso Nacional e entra em vigor, sem precisar passar pela sanção do presidente da República.
[caption id="attachment_39701" align="aligncenter" width="560"]
Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, antecipou o texto a líderes parlamentares[/caption]
Estrutura
A proposta se baseia em alguns pilares principais:
Constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)
Já previsto em lei, o SUSP passaria a ser referendado pela Constituição Federal, fortalecendo seu status. A União passaria a coordenar um sistema nacional para integrar e padronizar a atuação das forças de segurança em todo o território nacional, inclusive polícias militares, civis e penais, além do sistema penitenciário.
Constitucionalização de fundos para financiamento
O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), que financiam projetos e ações dos setores, também ingressariam no texto da Constituição. Os recursos dos fundos são distribuídos entre os entes da federação e não podem ser contingenciados.
Fortalecimento das atribuições da União
A União passaria a ser responsável pela definição da política e do plano nacional de segurança pública e defesa social e pelo estabelecimento de normas gerais sobre segurança pública e sistema penitenciário.
Criação da Polícia Viária Federal (PVF)
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) seria convertida, em um novo órgão, a Polícia Viária Federal (PVF), com a atribuição de patrulhar todas as vias federais — estradas, ferrovias e hidrovias. A PVF poderia ser empregada emergencialmente para proteger bens federais e apoiar forças estaduais e distritais. A nova corporação não interferiria nas funções e atividades das polícias judiciárias.
Ampliação do papel das guardas municipais
As guardas municipais, que hoje existem apenas para fazer a proteção de bens e instalações municipais, seriam autorizadas a fazer policiamento ostensivo e comunitário. Essas corporações ficariam sujeitas ao controle interno, através de ouvidorias, e externo, pelo Ministério Público.
Autonomia para corregedorias e ouvidorias
As corregedorias das forças de segurança teriam autonomia na investigação de condutas funcionais. Além disso, os Estados e os municípios teriam a obrigação de instituir ouvidorias independentes para o tema da segurança pública.
[caption id="attachment_39702" align="aligncenter" width="560"]
PRF pode se tornar nova corporação, com jurisdição sobre rios e ferrovias[/caption]
Argumentos
A proposta busca estabelecer maior integração e eficiência no combate à criminalidade, ao mesmo tempo em que fortalece o controle e a transparência sobre as forças de segurança. Acima de tudo, ela coloca mais responsabilidade e poder de iniciativa no colo da União.
O Brasil teve, por um curto período, um ministério dedicado somente à segurança pública. A área foi desmembrada do Ministério da Justiça entre fevereiro de 2018 e janeiro de 2019. O ex-deputado federal Raul Jungmann foi o único titular dessa pasta. Ele reforça a necessidade de mudanças na gestão do setor, integrando o nível federal.
— Não há perspectiva de saída para a crise da segurança sem dotar a União de meios para dividir com os Estados a responsabilidade pela formulação e aplicação de uma política nacional capaz de reverter a supremacia do crime organizado — defende ele, que era ministro da Defesa até assumir a pasta da Segurança Pública.
Outro que defende a PEC é o chefe da Defensoria Pública da União (DPU), Leonardo Magalhães. A DPU é o órgão responsável pela defesa legal gratuita de cidadãos que não conseguem pagar advogados. Para Magalhães, a falta de coordenação entre Estados dificulta o combate a crimes interestaduais e internacionais.
— Cada Estado conduz a segurança pública de maneira independente, o que dificulta o enfrentamento de crimes que ultrapassam as fronteiras estaduais e até internacionais. A PEC visa estruturar uma política nacional para garantir um mínimo de padronização nas ações.
[caption id="attachment_39703" align="aligncenter" width="560"]
Jungmann defende maior participação da União na coordenação das políticas de segurança[/caption]
Debates
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), presidente da Comissão de Segurança Pública (CSP), defende que a proposta seja debatida "sem nenhum viés político ou partidário".
— É um assunto que atinge a todos diretamente, sem nenhuma distinção de classe, cor, sexo. Todos no País passamos por dificuldades nessa área. É tema comum de todos nós aqui buscarmos soluções para que a população tenha o legítimo direito à segurança pública.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), que foi delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, se posiciona a favor dos termos da proposta.
— Esse é um passo importante para consolidar uma política de segurança coordenada nacionalmente, mas com respeito à autonomia dos Estados. A integração das forças e o intercâmbio de informações são essenciais.
Na avaliação de Contarato, o tema exigirá diálogo e construção de consensos. Para o senador, a segurança pública deve unir o Parlamento, acima das disputas ideológicas.
— As preocupações relacionadas ao temor de que a União avance sobre a autonomia dos estados certamente será superada no decorrer das discussões. Importante é que tenhamos como prioridade a construção de um sistema mais eficiente, moderno e justo — avalia.
O senador Sergio Moro (União-PR) foi o autor do requerimento para a audiência com Lewandowski e reclamou da postura do Executivo diante do tema da segurança pública. Para ele, o governo tem se omitido. Moro felicitou Lewandowski pela elaboração da proposta, mas criticou as ideias que o ministério tem esposado.
— Há uma certa percepção de que o crime está sendo escalado no Brasil, tanto a criminalidade violenta como o crime organizado. Do outro lado, há uma certa percepção, com todo o respeito, de que faltam iniciativas mais contundentes por parte do Ministério da Justiça. Os exemplos que nós temos, pelo menos aqueles a que foi dada ampla publicidade, não são exatamente um consenso dentro da sociedade — apontou Moro, que também foi ministro da Justiça (2019-2020).
Opinião semelhante manifestou, também durante a audiência, a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT).
— Ouvimos relatos pesados e vemos pessoas cada vez mais inseguras, amedrontadas. Sentimos a ausência do governo nessas discussões. No ano passado, apresentei um pacote com quatro medidas para enfrentar o crime organizado. Até hoje não consegui sequer discutir as propostas — lamentou.
Para a senadora Zenaide Maia (PSD-RN), a PEC é uma medida ainda insuficiente. Ela acredita que o SUSP precisa ser melhor financiado e também chama a atenção para o déficit de efetivo policial.
— Todos sabemos que a maioria dos estados brasileiros não tem Polícia Civil nem Militar suficiente. E menos ainda a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal para combater o crime de fronteira.
[caption id="attachment_39704" align="aligncenter" width="560"]
Buzetti: propostas ainda são insuficientes para enfrentar a criminalidade[/caption]
Cadeias
Entre as mudanças propostas, o texto prevê maior controle da União sobre o sistema penitenciário. O ex-ministro Jungmann alerta para o "colapso" desse sistema.
— O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 888 mil presos, dos quais 216 mil sem condenação. Muitas dessas prisões são dominadas por facções criminosas.
Leonardo Magalhães, da Defensoria Pública, defende uma justiça "mais equitativa".
— O problema não é a falta de leis rigorosas, mas a aplicação seletiva. É essencial garantir que apenas aqueles que realmente necessitam de prisão sejam privados de liberdade.
O senador Sergio Moro, por sua vez, diz ver com ressalvas a entrada mais ativa da União na política penitenciária. Ele cita como exemplo o Plano Pena Justa. Lançado em fevereiro, ele tem por objetivo abordar as condições de alojamento e a gestão processual da população carcerária. O plano é uma parceria entre o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
— O Plano Pena Justa soa mais como uma política de desencarceramento: é prender menos e progredir mais rapidamente de regime os criminosos. [Isso] traz algum receio para nós. Se a União quer ter atribuições mais amplas na segurança pública e coordenar a ação dos estados e municípios, não haveria aí um risco de atribuirmos à União um direcionamento que leva a um enfraquecimento da segurança pública?
Polícias
O advogado criminalista Bruno Henrique de Moura acredita que a PEC mostra que o governo está apostando em um direcionamento equivocado no tema da segurança pública. Ele também é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP).
— O objetivo primário do governo é dar uma resposta para uma sensação de insegurança que não necessariamente se reflete nos números. O Atlas da Violência mostra uma redução de homicídios por 100 mil habitantes. Mas as mortes de jovens e adolescentes por intervenções policiais aumentaram. O governo federal adota um discurso de fortalecimento da militarização das polícias, mas pouco fala sobre controle da atividade dessas forças, enquanto os números nos mostram que a violência que cresce decorre do mau uso do aparato repressivo do Estado.
Moura chama a atenção para os riscos de uma política que procure compensar essa impressão ignorando as nuances das estatísticas.
— Isso pode resultar em uma alta concentração de recursos no financiamento da militarização das forças de segurança — alerta.
[caption id="attachment_39706" align="aligncenter" width="560"]
Operação policial em favela do Rio de Janeiro: especialistas temem ênfase na militarização das forças de segurança[/caption]
O defensor público-geral, Leonardo Magalhães, acredita que a PEC terá o condão de padronizar práticas essenciais para a otimização e fiscalização do trabalho policial, como o uso de câmeras corporais pelos agentes.
— Hoje, o uso de câmeras varia muito entre estados e até entre corporações dentro do mesmo estado. Isso compromete a transparência e dificulta a fiscalização de abusos — observa.
Já o senador Sergio Moro reclamou do que entende ser uma "insistência" com a adoção de câmeras policiais. Durante a audiência da CSP com o ministro Ricardo Lewandowski, Moro questionou o foco nessa medida.
— É uma política pública que pode ser válida, pode ser discutida, mas não se pode resumir a política de segurança pública à colocação de câmeras nos uniformes.
Palestra: a proibição de celulares nas escolas
Hubert Alqueres, membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, falou sobre o tema no Espaço Democrático

Redação Scriptum
A proibição do uso de celulares nas escolas de ensinos fundamental e médio — sancionada em dezembro pela Assembleia Legislativa de São Paulo e, em janeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em âmbito nacional — já começa a apresentar efeitos positivos. Ainda assim, o uso pedagógico dos dispositivos móveis não deve ser descartado. “Esse é um tema importante, que preocupa não apenas as escolas, mas toda a sociedade”, afirmou o educador Hubert Alqueres, presidente da Academia Paulista de Educação e integrante do Conselho Estadual de Educação.
Durante palestra no Espaço Democrático — fundação para estudos e formação política do PSD — Alqueres, que foi secretário estadual da Educação em São Paulo e é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, ressaltou que “o trabalho pedagógico com tecnologia digital é indispensável na educação contemporânea”. Diretor do Colégio Bandeirantes, uma das mais tradicionais escolas particulares de São Paulo, ele relatou que parte do conteúdo hoje é transmitido aos alunos por meio de tablets. “Mas sempre sob controle e orientação dos professores.”
Ao abordar os efeitos do uso excessivo de celulares por crianças e adolescentes, Alqueres citou o psicólogo e professor norte-americano Jonathan Haidt, autor do livro Geração ansiosa. “Ele apresenta evidências sólidas do impacto negativo da hiperconectividade na saúde mental e no processo de aprendizagem.”
Entre os problemas mais recorrentes, o educador destacou a perda de concentração: “O celular, se usado sem controle, é inimigo do aprendizado. Não faz sentido que um estudante, durante a aula, acesse o aparelho para buscar assuntos alheios ao conteúdo do que está sendo trabalhado pelo professor.” Outro aspecto preocupante é a redução das interações sociais nos intervalos. “Temos visto menos crianças brincando em grupo e mais alunos isolados, cada um vidrado na própria tela.”
Alqueres também mencionou os riscos associados à exposição nas redes sociais, especialmente sem supervisão. “É um ambiente onde circulam conteúdos nocivos e perigosos, com registros inclusive de incentivo à automutilação ou participação em jogos de azar ou em grupos de ódio.”
[caption id="attachment_39695" align="aligncenter" width="560"]
Segundo ele, muitas escolas particulares paulistas já haviam adotado regras para restringir o uso de celulares antes mesmo das leis entrarem em vigor. As primeiras informações recebidas pelo Conselho Estadual de Educação indicam efeitos positivos. “Casos de abstinência digital, como ansiedade ou irritabilidade, têm sido raríssimos, e os professores relatam melhora no ambiente escolar.”
A reunião semanal do Espaço Democrático foi coordenada pelo jornalista Sérgio Rondino e contou com perguntas e comentários de diversos participantes, entre eles: João Francisco Aprá (superintendente da fundação), os economistas Felipe Salto, Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Mário Pardini e Januario Montone, o médico e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária nacional do PSD Mulher Ivani Boscolo e o jornalista Eduardo Mattos.
Card link Another linkIgnorância fabricada pela desinformação é tema de Caderno Democrático
Entrevista com o jornalista e professor Eugênio Bucci trata do risco para a sociedade de confundir realidade e ficção
[caption id="attachment_39671" align="aligncenter" width="560"] Eugênio Bucci: "É rigorosamente impossível antever a evolução desse quadro"[/caption]
Redação Scriptum
Uma sociedade que não distingue a realidade da ficção, que não distingue o fato da opinião, no limite não distingue a verdade da mentira. O alerta é do jornalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Eugênio Bucci, personagem do Caderno Democrático Ignorância fabricada: a humanidade ameaçada por usinas de desinformação, mais recente publicação do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD.
O caderno, já disponível para download ou leitura on-line, traz a íntegra da entrevista de Bucci ao programa Diálogos no Espaço Democrático, disponível no canal de YouTube da fundação. Entrevistado pelo jornalista Sérgio Rondino, o economista Luiz Alberto Machado, o cientista político Rubens Figueiredo e o advogado e professor Vilmar Rocha, o professor destacou que quando desprezamos a política, mergulhamos no radicalismo. Ele falou sobre os perigos da ignorância fabricada, segundo ele resultado da ação de grandes “usinas” especializadas em produzir e distribuir desinformação por meio de atrações como memes, mistificações e crenças sem fundamento, que distorcem o modo de pensar de uma grande parcela da população, gerando consequências políticas e sociais.
Bucci aponta, na entrevista, que quando as pessoas perdem a relação com os fatos, começam a tomar decisões com base em crenças fabricadas, como já se observa em muitos países pelo mundo afora. “É rigorosamente impossível antever a evolução desse quadro”, afirmou.
Card link Another linkCrise tarifária de Trump é oportunidade para o Brasil
Para Lucas Ferraz, coordenador do núcleo de Estudos Globais da FGV, Brasil precisa ter apetite para novos acordos comerciais
[caption id="attachment_39643" align="aligncenter" width="560"]
Redação Scriptum
A guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ser uma oportunidade para o Brasil aumentar o seu apetite por acordos comerciais bilaterais com o resto do mundo. A avaliação foi feita pelo professor e coordenador do núcleo de Estudos Globais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, Lucas Ferraz, na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta segunda-feira (14). O tarifaço de Trump voltou a dominar os debates da fundação, desta vez com foco no impacto e nas perspectivas para o Brasil.
O cenário é de crise, mas há oportunidades. Segundo Ferraz, o apetite por novos acordos aumentou no mundo em função do tarifaço. “Observamos a União Europeia negociando novas frentes com Índia, Indonésia e Vietnã, por exemplo; há muitos movimentos no xadrez internacional do comércio”, disse. Assim, o professor da FGV considera que se o Mercosul fosse um bloco mais dinâmico poderia aproveitar essas oportunidades. “O Mercosul tem um acordo com o Canadá paralisado; outro com o México também parado; o Brasil precisa se movimentar”. Ele considera, porém, que com Luiz Inácio Lula da Silva de um lado e Javier Milei de outro, tudo fica mais complicado. “Falta alinhamento político entre os dois, e nós sabemos que o Mercosul só anda quando há alinhamento entre Brasil e Argentina”, afirma.
Ferraz considera que há um problema estrutural grave na política de comércio exterior do Brasil: os poucos acordos comerciais que temos travam a diversificação. “É um problema estrutural, do governo e também do setor privado”, disse. Ele lembrou que só recentemente o País parece ter acordado para a necessidade de maior inserção. “O presidente Lula foi para a Ásia e falou em acordos com o Japão, o Vietnã e a Índia, que é o país que mais cresce no mundo há alguns anos”. Ele destacou que o Brasil tem hoje um acordo de 400 linhas tarifárias com a Índia, “mas há mais de 10.300”.
Para ele, falta visão estratégica para a Ásia. “O Ocidente desenvolvido, Estados Unidos e União Europeia, são muito protecionistas no agronegócio, por isso, quando falamos de diversificar riscos e aumentar a gama de países de destino dos nossos produtos, precisamos olhar para a Ásia”. O professor da FGV enxerga, porém, um entrave que precisa ser superado neste processo. “Exportamos commodities para a Ásia e importamos produtos manufaturados e isso gera um problema de economia política nas negociações: a indústria brasileira não gosta de acordos comerciais com a Ásia porque teme a competitividade dos produtos manufaturados de lá, que são baratos”. Para ele, se o caminho for a diversificação do destino para os produtos do nosso agronegócio, o caminho é a Ásia. “Ainda que um ou outro setor se sinta desconfortável”.
E a necessidade de diversificação é grande. Ferraz apontou que a concentração da pauta brasileira para a China pode ser um risco para o País – hoje, mais de 70% de tudo o que exportamos para o país asiático é de soja, petróleo e minério de ferro. “Seria importante que mesmo para a China o Brasil tivesse uma pauta mais diversificada”, defendeu.
No contexto das oportunidades trazidas pela guerra comercial americana, Ferraz, que em 2019 participou das primeiras reuniões de negociação do acordo Mercosul-União Europeia como secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, acredita que as possibilidades de sucesso aumentaram. “Desde 2019 a França se opunha ao acordo e hoje, mesmo que seja resistente, não terá quórum para bloquear, o que significa que as chances aumentaram muito”.
Outro ponto citado por Ferraz, no qual o Brasil pode se destacar, é a agenda verde, que não vai parar apesar da oposição de Donald Trump. “É uma agenda permanente e o Brasil tem claras vantagens comparativas, mas precisamos investir nas oportunidades que temos porque nos vendemos muito mal lá fora”, pontuou. “O Brasil não é bom em promoção comercial, em promoção da atração de investimentos; o Chile tem 19 milhões de habitantes e metade do PIB do Estado de São Paulo, mas tem 55 escritórios internacionais de promoção, enquanto São Paulo tem quatro e a APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) só 12”.
O economista Felipe Salto afirmou que o Brasil pode se beneficiar do tarifaço de Trump, mas lembrou que o desafio interno é imenso. “Crescemos quase 7% no acumulado de dois anos, mesmo com o monte de bobagens da política econômica, então imaginem se tivéssemos organizado as contas públicas, retomado a política de superávits primários e se a dívida pública estivesse estacionada em relação ao PIB”. Segundo ele, “vários governos brasileiros deixaram de lado o desenvolvimento acreditando que a estabilização seria suficiente, e assim as atividades de planejamento orçamentário e fiscal foram deixadas de lado”. Relembrando uma frase do também economista Andrea Calabi, inspirada no filósofo estoico Sêneca, disse: “Não há vento bom para nau sem rumo”.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático os economistas Felipe Salto, Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Mário Pardini, Januario Montone e José Luiz Portella, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, o advogado Roberto Ordine, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação do PSD.
Card link Another link