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Rito de tramitação das MPs é desafio dos novos presidentes da Câmara e do Senado
Cientista político Rogério Schmitt fez análise da mudança de comando nas duas casas legislativas
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Redação Scriptum
Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), os novos presidentes da Câmara e do Senado, terão de lidar, logo no início de seus mandatos, com uma questão que vem se arrastando no Legislativo há alguns meses: o restabelecimento do rito constitucional para a tramitação das Medidas Provisórias (MPs) editadas pelo governo federal. Este será um dos principais desafios do primeiro semestre no Congresso Nacional, segundo avalia o cientista político Rogério Schmitt. Nesta terça-feira (5) ele falou sobre as perspectivas do trabalho legislativo sob novo comando na reunião semanal do Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do PSD.
Schmitt lembrou que em razão da pandemia de Covid-19 o rito de tramitação das MPs foi simplificado. “As Medidas Provisórias passavam por uma comissão mista de deputados e senadores antes de ir a voto em plenário; as comissões foram abolidas e com o rito simplificado, passaram a ir diretamente ao plenário”, explicou. Com o fim da pandemia, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no comando do Senado, defendeu o restabelecimento do rito original, mas Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara insistiu na manutenção do rito simplificado, o que garante aos deputados a relatoria das MPs.
“Este deve ser o tema mais importante deste primeiro semestre”, acredita o cientista político, que vê na simplificação do rito um grande impacto para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), a taxa de conversão de medidas provisórias – MPs que são transformadas em lei – ficou em 57%, enquanto no governo atual chega a apenas 20%”, disse. “Uma resolução do impasse seria a sinalização estratégica para o poder de agenda do governo Lula nos próximos dois anos”.
Schmitt também falou sobre o que, acredita, será a principal pauta do Congresso este ano: a agenda econômica. “No primeiro semestre os temas prioritários serão a Lei do Orçamento de 2025, o projeto de regulamentação da Reforma Tributária, que prevê a definição do Comitê Gestor, e a nova previdência dos militares”, disse. “No segundo semestre, possivelmente estará na pauta a Reforma Tributária sobre a renda”.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os economistas Luiz Alberto Machado, Roberto Macedo e Felipe Salto, o advogado Roberto Ordine, o sociólogo Tulio Kahn, o cientista político Rubens Figueiredo, os gestores públicos Januario Montone e Mário Pardini, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino.
Card link Another linkBrasil pode liderar produção de combustíveis sustentáveis para aviões
Documento apresenta avanços, desafios e estratégias sobre como o País pode alcançar as metas de sustentabilidade
[caption id="attachment_39288" align="aligncenter" width="560"] Relatório aponta que o Brasil já possui uma infraestrutura avançada para produção de biocombustíveis, derivada de sua liderança no mercado de etanol e biodiesel[/caption]
Edição Scriptum com Estadão Conteúdo e Canal Rural
O Brasil mantém o potencial de ser líder global na produção de Combustíveis de Aviação Sustentáveis (SAF). O apontamento faz parte de relatório divulgado pela Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), segundo reportagem do Estadão Conteúdo publicada pelo Canal Rural.
No documento Rumo à Sustentabilidade na América Latina e no Caribe, a Alta apresenta avanços, desafios e estratégias sobre como a região pode alcançar suas metas de sustentabilidade e se tornar uma referência em questões ambientais.
A corrida para alcançar as metas globais de redução de emissões de gases do efeito estufa segue liderada pelo Brasil. “Com uma posição de destaque na produção de SAF e uma economia aérea robusta, o Brasil é peça-chave para alcançar os objetivos de descarbonização na aviação”, considera a Alta.
“O Brasil está posicionado como líder absoluto na produção de SAF na região. Projeções indicam que o País será responsável por 60% da produção total de SAF na América Latina até 2050, graças à abundância de matérias-primas como cana-de-açúcar, resíduos agrícolas e óleos usados”, destaca o relatório.
O texto também aponta que o Brasil já possui uma infraestrutura avançada para produção de biocombustíveis, derivada de sua liderança no mercado de etanol e biodiesel. “Isso coloca o País à frente no desenvolvimento e na exportação de SAF, contribuindo significativamente para a descarbonização global da aviação.”
América Latina
Desde 1970 o número de passageiros transportados na região representada pela Alta aumentou 18 vezes, passando de 18 milhões para mais de 324 milhões em 2023, superando a média global de crescimento, que foi de 14 vezes. Com o aumento no fluxo, também cresceu a participação do setor nas emissões de CO2.
Embora o SAF, que tem potencial para reduzir até 80% das emissões de CO2, seja uma ação-chave para alcançar as metas de redução de emissões, a região necessita de um conjunto mais amplo de medidas, afirma o relatório da Alta.
Entre as mudanças apontadas estão: melhorias na gestão do tráfego aéreo, otimização de rotas e investimentos em infraestrutura sustentável. Já entre as recomendações específicas para o Brasil está o aumento de investimentos em infraestrutura, implementações de incentivos fiscais e a promoção à inovação.
“Com uma abordagem estratégica e colaborativa, o Brasil pode transformar desafios em oportunidades, consolidando sua posição como motor da sustentabilidade no setor aéreo da América Latina”, considera o documento.
Brasil demorou a criar o BC por resistência de bancos e governos
Banco Central, que acaba de completar 60 anos, foi iniciativa do primeiro presidente da ditadura, o marechal Humberto Castello Branco
Ricardo Westin
Edição Scriptum com Agência Senado
Em 1964, logo após o golpe militar, o Congresso Nacional foi palco de discursos catastrofistas sobre o futuro do Banco do Brasil.
Documentos históricos do Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que alguns parlamentares entenderam que um projeto de lei que era patrocinado pelo governo e estava na pauta de votação desidrataria ou até mesmo destruiria o maior banco do País.
O deputado Fernando Gama (PTB-PR), ex-funcionário do Banco do Brasil, alertou:
— O que pretende [o projeto]? Pretende transferir para um órgão criado pela lei todas as atribuições que o Banco do Brasil vem tendo há quase um século e meio. O banco terá que ceder [ao novo órgão] seus funcionários, que conhecem efetivamente os problemas interioranos deste País, [comprometendo] o atendimento financeiro que vem dando por intermédio de suas 520 agências.
O deputado Henrique Turner (PDC-SP), que também havia trabalhado no banco, concordou:
— A mensagem ou o substitutivo que o governo acaba de enviar a esta Casa retira do Banco do Brasil a competência da execução da política monetária. Isso é uma espada sobre a cabeça do funcionalismo daquele estabelecimento e sobre a sobrevivência da própria instituição. Nesse sentido são as inúmeras manifestações que tenho recebido de várias agências do Banco do Brasil em São Paulo.
O projeto de lei em questão determinava a criação do Banco Central. Para que a nova instituição surgisse, o governo teria que retirar do Banco do Brasil algumas de suas atribuições.
Apesar do futuro sombrio descrito nos discursos, o projeto foi aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados a toque de caixa e a lei foi assinada pelo presidente da República, o marechal Humberto Castello Branco, em 31 de dezembro de 1964.
A lei de criação do Banco Central (Lei 4.595) completou, portanto, 60 anos.
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Trata-se de uma instituição essencial, pois protege a saúde econômica do País. O Banco Central controla a quantidade de moeda em circulação e o crédito geral disponível no mercado, conforme cada conjuntura, de modo a manter a inflação estável e previsível, impedir ataques especulativos, evitar depressões econômicas e estimular o crescimento sustentado.
Com esses mesmos objetivos, o órgão busca cumprir a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, utilizando a taxa básica de juros como seu principal instrumento. Essa, no entanto, é uma incumbência mais recente, adotada em 1999.
Além do poder aquisitivo interno da moeda brasileira, o Banco Central defende o seu valor internacional. É ele que tem a guarda das reservas do Brasil em moeda estrangeira.
Outra missão é regular e fiscalizar os bancos comerciais, de modo a garantir a solidez do sistema bancário e a segurança dos clientes.
— O Banco Central, acima de tudo, não é banco. Tem apenas essa designação, mas nenhuma das operações bancárias o Banco Central pratica em essência — resumiu na época o deputado Raymundo Padilha (UDN-RJ).
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Embora tenha 60 anos de existência, o Banco Central é uma instituição relativamente nova. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a organizar esse tipo de instituição.
Nos debates de 1964, quando ainda era aliado da ditadura militar, o deputado Ulysses Guimarães (PSD-SP) apoiou o projeto do governo e afirmou:
— Mesmo nações que recentemente adquiriram sua independência já trataram de criar seus bancos centrais, como Gana, Malásia, Tunísia, Sudão, Nigéria, Marrocos e Guiné. Em 1938, somente Brasil, Venezuela e Irlanda não possuíam banco central. Hodiernamente [atualmente], restou o Brasil, de vez que os outros dois já colocaram a serviço do crédito e da moeda o imprescindível mecanismo regulador.
O governo brasileiro sabia da importância dos bancos centrais pelo menos desde 1917, quando o então presidente do Banco do Brasil defendeu publicamente que o País passasse a contar com um banco estatal de emissão de moeda — poderia cumprir esse papel uma nova instituição ou o próprio Banco do Brasil.
Logo depois, em 1920, a Conferência Internacional de Finanças de Bruxelas recomendou aos países que criassem bancos centrais para acelerar a recuperação econômica do mundo pós-Primeira Guerra Mundial.
De 1918 em diante, diferentes projetos de criação do Banco Central foram discutidos no Congresso. Nenhum prosperou até 1964.
O atraso de quase 50 anos pode ser atribuído justamente à resistência do Banco do Brasil, que em 1920 deixou de ser um mero banco comercial (ainda que estatal) e passou a gradativamente acumular diferentes funções de banco central.
O economista Marcelo Lourenço Filho, autor de uma dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) que trata da história do pensamento econômico brasileiro sobre o Banco Central, afirma:
— O Banco do Brasil conseguiu assumir aos poucos o protagonismo dentro da economia brasileira. O surgimento do Banco Central tiraria muito do seu prestígio e o transformaria numa peça menor da engrenagem econômica do País. Isso era algo que o Banco do Brasil não queria.
O lobby do Banco do Brasil foi forte nos debates parlamentares de 1964. Uma das ideias levantadas foi a de que o banco fosse hipertrofiado e assumisse todas as funções que caberiam à nova instituição, eliminando a necessidade de criação do Banco Central.
O deputado Franco Montoro (PDC-SP) manifestou a posição oficial do Partido Democrata Cristão, favorável a essa ideia:
— Existem pelo mundo numerosos bancos centrais que, além das atividades monetárias que lhes são próprias, praticam operações bancárias comuns sem que se tenha notícia de perturbações no seu funcionamento. É que eles, como acontece com o Banco Central da Austrália, separam as duas atividades em dois departamentos distintos. Não nos custará fazer o mesmo, criando no Banco do Brasil, como se tem sugerido, uma diretoria monetária e uma diretoria bancária.
Outra ideia ventilada para proteger o prestígio do Banco do Brasil foi simplesmente retirar-lhe todo o caráter comercial e metamorfoseá-lo em banco central. O senador Mem de Sá (PL-RS) avaliou que essa seria uma péssima solução:
— A alternativa de liquidar as operações de banco comercial, rural e industrial do Banco do Brasil para transformá-lo em banco central seria inconveniente aos interesses nacionais, visto que privaria o governo de um organismo aparelhado para exercer importante ação direta de suplementação da rede bancária privada, na distribuição seletiva de crédito às atividades econômicas.
Os parlamentares favoráveis à criação do Banco Central, por sua vez, garantiram que, quando a nova instituição fosse fundada, não haveria o menor risco de o Banco do Brasil perder prestígio, definhar e muito menos fechar.
O deputado Pedro Aleixo (UDN-MG) disse:
— Quanto aos que temem o esvaziamento do Banco do Brasil, não é possível deixar de reconhecer a legitimidade do seu temor. Nada deve ser feito que ponha em risco sua estrutura financeira e sua capacidade de continuar prestando serviços à comunidade. Entre esses serviços, uma grande parte jamais poderia ser transferida para outras instituições públicas ou privadas. Nada disso, porém, justificaria que, por excesso de cuidado ou insuficiência de imaginação, mantivéssemos um estado de coisas que comprovadamente tem sido responsável por parte do desequilíbrio financeiro aqui e alhures.
O colega Ulysses Guimarães acrescentou:
— O Banco do Brasil, muito ao revés, será tonificado na sua situação genuína, congênita e específica de banco, tendo praticamente o monopólio dos depósitos. Para discordar da opinião que foi manifestada desta tribuna, de que isso iria trazer como consequência o fechamento de agências, eu digo que o governo não nos dá essa notícia. Não se iria encaminhar no sentido da ruína do Banco do Brasil.
Impaciente, o deputado Abel Rafael (PSD-MG) foi mais incisivo:
— Trazer à discussão o nome do Banco do Brasil, as transformações que ele vai sofrer, para torpedear a criação do Banco Central é um crime contra o Brasil. O Banco do Brasil não pode ser um tabu contra o progresso financeiro do País. O Banco do Brasil tem realizado muito, mas nós aqui não temos sistema financeiro, sistema bancário. Nós temos bancos, diretores de bancos, gerentes de bancos. Sistema financeiro, nós não temos.
O economista Marcelo Lourenço Filho explica que, além do Banco do Brasil, houve outros atores que ajudaram a retardar a criação do Banco Central em quase 50 anos:
— Primeiro, os diferentes governos, que compensavam os seus déficits orçamentários emitindo moeda livremente. No fundo, não lhes interessava um Banco Central que separasse o financiamento do Estado das questões de política monetária. Depois, os empresários, sobretudo os industriais, que se beneficiavam do ambiente de expansão do crédito liderado pelo Banco do Brasil.
De acordo com ele, os bancos privados também se opuseram à novidade:
— Diversas casas bancárias se aproveitavam da liberalidade institucional decorrente da ausência de um banco central. Muitas delas certamente não existiriam se a instituição estivesse em funcionamento, impondo regras mínimas para o setor bancário.
Os documentos históricos do Arquivo do Senado reforçam essa explicação. A respeito da resistência dos bancos, o deputado Abel Rafael discursou em 1964:
— Uma grande indústria nesta nação é fundar um banco. Quem quiser ficar rico muito depressa, faça uma pequena sociedade, junte 50 milhões e funde um banquinho. Em três tempos, encampa outro, encampa mais outro e acaba como o senhor Magalhães Pinto [então dono do Banco Nacional e governador de Minas Gerais]. Os homens que estão influindo nas discussões desta Casa são banqueiros. Quando se levanta um projeto para discipliná-los, aí muitas forças se erguem. Os grandes tubarões não querem que o Banco Central saia.
Quanto à má vontade dos próprios governos federais em relação à criação do Banco Central, o senador Mem de Sá afirmou:
— É preciso livrar o Brasil da política inconsciente e irresponsável que o tem desgraçado na economia. Não há quem negue que o arbítrio e a discricionariedade do presidente da República, exercidos através do ministro da Fazenda e do presidente do Banco do Brasil, ambos de sua confiança pessoal e demissíveis a seu nuto [desejo], levaram nossa política monetária e creditícia à situação anárquica, se não caótica, que penosamente agora tentamos superar.
De acordo com o deputado Ulysses Guimarães, era mais cômodo para o governo “fabricar recursos clandestina e descomedidamente” do que recorrer aos “meios naturais de obtenção de recursos”, como os empréstimos e o aumento de impostos.
Nas palavras do deputado Raymundo Padilha, a liberdade que o presidente da República tinha para ordenar a emissão de moeda para cobrir as contas públicas o tornava um “ditador potencial”.
Em 1947, o senador Andrade Ramos (PSD-DF) disse que as emissões sem freios eram responsáveis diretas pela “contínua alta dos preços”, pela “desconfiança no degradado valor da moeda” e pela “queda das cotações dos títulos da dívida pública”.
A criação do Banco Central não foi recomendada apenas pela Conferência Internacional de Finanças de Bruxelas, de 1920. Pouco tempo depois, o Brasil recebeu duas expedições financeiras inglesas, uma em 1923 e 1924 (a Missão Montagu) e outra em 1931 (a Missão Niemeyer), que também bateram nessa tecla.
O interesse dos ingleses era que a economia brasileira se tornasse sólida o suficiente para que o governo conseguisse obter novos empréstimos em Londres e tivesse capacidade para honrá-los.
Em 1937, o governo Getúlio Vargas submeteu à Câmara dos Deputados um projeto de criação do Banco Central, mas ele foi logo engavetado por causa do autogolpe que instaurou a ditadura do Estado Novo (1937-1945) e fechou o Congresso.
Dez anos depois, na condição de senador, Vargas (PSD-RS) explicou aos colegas parlamentares por que não criara o Banco Central no período do Estado Novo:
— Durante anos, meu governo também pensou no Banco Central. E esteve quase pronto esse Banco Central. Não o criou única e exclusivamente porque com a guerra [Segunda Guerra Mundial] próxima e conhecendo as consequências inevitáveis dessa situação, não poderia responder pelo equilíbrio orçamentário. E um Banco Central só funciona bem quando o Orçamento [federal] está equilibrado. Fora daí, passa a ser um organismo mais nocivo e contraproducente do que eficiente e benéfico.
O que Vargas fez no governo foi adotar uma postura gradualista. Em 1945, ele criou a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), subordinada ao Ministério da Fazenda, que tinha como objetivo “exercer o controle do mercado monetário e preparar a organização do Banco Central”.
O economista Thiago Gambi, professor de história econômica na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), avalia:
— Não se pode dizer que o Brasil simplesmente ignorou as recomendações de se criar um banco central. O que o País fez foi montar um arranjo institucional próprio, que, por um tempo, conseguiu dar resposta aos seus problemas e suprir as funções que caberiam a um banco central. Essa é outra razão que explica a criação tardia do nosso Banco Central.
Às vésperas de o Banco Central ser criado, as atribuições que no futuro seriam suas eram repartidas entre a Sumoc, o Banco do Brasil, a Carteira de Redesconto, a Carteira de Câmbio e a Caixa de Mobilização Bancária. O protagonismo, de qualquer forma, era do Banco do Brasil.
Para muitos parlamentares, essa fragmentação era um problema.
— Na política financeira do Brasil, manda a Sumoc, manda o Banco do Brasil, manda o Ministério da Fazenda, manda o Ministério do Planejamento, todo mundo manda, e não há planejamento algum, porque não há organização financeira — criticou o deputado Abel Rafael.
— Em matéria de crédito e de moeda, não existe uma orientação, porque há vários órgãos simultaneamente falando, opinando, decidindo e, pior do que isso, conflitando nas suas opiniões. É uma Babel. Daí a dificuldade que sentimos nesta Casa, pois, quando queremos situar a responsabilidade em determinado órgão, ela se dilui, torna-se aguada — concordou o deputado Ulysses Guimarães.
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Assim que assumiu o poder, em 1961, o presidente João Goulart lançou como bandeira de governo as Reformas de Base. Entre elas, estava a reforma bancária, que previa a criação de um banco central. Segundo ele, o controle exercido sobre os bancos pela futura instituição garantiria a democratização do crédito.
Goulart enviou o anteprojeto de reforma bancária ao Congresso em março de 1963, mas o texto não teve tempo para ser aprovado. Exatamente um ano depois, veio o golpe de Estado, e as Reformas de Base foram sumariamente engavetadas.
Apesar de discordar de Goulart em quase todas as questões de Estado, a ditadura militar também enxergava a necessidade de um banco central e, ainda em 1964, remeteu um anteprojeto semelhante ao Congresso.
O general Castello Branco encampou a ideia por causa de seu ministro da Fazenda, o economista Octavio Gouvêa de Bulhões, que fora diretor da Sumoc e era um defensor histórico da criação do Banco Central.
O Congresso, que não havia levado à votação final nenhum dos projetos de lei apresentados nos anos anteriores, foi forçado a aprovar sem demora a proposta da ditadura. O Ato Institucional nº 1 (AI-1) dizia que, se um projeto do governo não fosse votado em 30 dias na Câmara e outros 30 dias no Senado, o texto seria automaticamente aprovado.
O projeto do Banco Central chegou ao Senado no fim de outubro de 1964 e, após discussões, pareceres e aprovações apressuradas, foi aprovado no fim de novembro.
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A nova instituição começou a funcionar em março de 1965. Mas não com plenos poderes. Ela nasceu com o Banco do Brasil lhe fazendo sombra.
O Banco Central só passou a deter 100% das funções que lhe deveriam caber duas décadas mais tarde, em 1986, quando o governo enfim retirou do Banco do Brasil a chamada conta-movimento, seu último instrumento de poder monetário.
O edifício-sede do Banco Central, em Brasília, foi inaugurado em 1981. A sua icônica arquitetura foi inspirada na Cruz de Cristo gravada no dobrão de 1725, uma moeda dos tempos coloniais.
Card link Another linkDesafio interno do Brasil é maior que o das relações comerciais com Trump
Em palestra no Espaço Democrático, economista Felipe Salto cita o baixo crescimento como um problema estrutural que precisa ser enfrentado
[caption id="attachment_39265" align="aligncenter" width="560"] O economista Felipe Salto: "Temos que nos mobilizar em torno de um grande tema, e este tema é o do desenvolvimento econômico, do crescimento"[/caption]
Redação Scriptum
A reviravolta que o governo dos Estados Unidos promete empreender nas relações comerciais com seus parceiros pode ser um grave problema para o Brasil, mas há questões mais graves com as quais o País deve se preocupar olhando para a conjuntura doméstica. Em palestra nesta terça-feira (28), na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD –, o economista Felipe Salto, ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e atualmente economista-chefe da Warren Investimentos, apontou alguns dos gargalos que o Brasil terá de enfrentar.
Um dos principais é discutir o crescimento econômico para o País neste novo cenário. “Temos que nos mobilizar em torno de um grande tema, e este tema é o do desenvolvimento econômico, do crescimento”, disse ele. “Parece que virou pecado discutir isto, só podemos debater se a inflação vai ficar 0,5 ponto percentual acima do centro da meta, essas minúcias”. Para Salto, o baixo crescimento brasileiro é sistêmico e está intimamente relacionado ao desajuste fiscal crônico do País – desde 2014, apontou ele, a dívida pública vem crescendo. “Precisamos de um novo plano fiscal”, disse.
O economista Roberto Macedo, que levantou nessa reunião o tema do baixo crescimento, defendeu que o Brasil aumente o percentual de investimentos públicos, essencial para que possa crescer. “Não temos fôlego para taxas maiores que os 3% deste ano sem investimentos”, disse, lembrando que na década de 1970 o governo chegou a investir 10% do PIB em infraestrutura e hoje está em apenas 2%. “O pior é que o efeito da gastança da PEC da Transição, lá de 2022, 2023, se esgotou”, apontou, fazendo o alerta para o que considera um grande risco: “Lula não tem responsabilidade fiscal, é populista e só pensa em se eleger, e o grande risco é inventar outra PEC da transição, pensando na eleição do ano que vem; além disto temos o Congresso extrativista”. Com crescimento econômico, defendeu ele, tudo melhora: cresce a arrecadação, o emprego, a renda, a demanda. “Seria uma boa ideia criar uma meta de crescimento, assim como temos meta de inflação; poderíamos começar com 4% ao ano e ir subindo”, disse.
Salto concordou com Macedo: “Precisamos que o setor público invista para valer, que tenha uma burocracia capaz de fazer projetos relevantes, que tenha sistema de monitoramento e avaliação desses projetos”. E acrescentou um ponto importante à discussão: o Plano Plurianual (PPA), ferramenta de planejamento orçamentário que estabelece diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal. “Ninguém debate o PPA, os parlamentares estão preocupados com os R$ 50 bilhões de emendas”, disse Salto. “Precisamos fazer uma reforma orçamentária que vincule o orçamento ao PPA e então as emendas não poderão mais ser soltas como hoje, serão vinculadas a projetos estruturantes como uma grande ferrovia em construção, não uma academia ao ar livre no meio do nada”.
Outro ponto de atenção destacado por Salto é como a política e a pré-campanha eleitoral vão impactar os desafios que o governo terá na área fiscal. “O Congresso volta com duas lideranças novas que se alinharão ao governo, mas reforçarão a tese de um Congresso que continuará tendo maior participação no orçamento público”, acredita. “Em abril de 2026 o quadro eleitoral estará mais bem definido, mas até lá a gestão será medíocre, não dá para fazer as grandes transformações que deveriam ter sido feitas no primeiro ano de governo, quando optou-se por uma expansão irresponsável, com o aumento do teto de gastos em R$ 145 bilhões, uma licença para gastar”. Para ele, “os problemas estruturais continuam os mesmos e as instituições do Estado que têm a ver com o desenvolvimento e o financiamento do desenvolvimento econômico, como o BNDES, voltam a namorar com as estratégias preocupantes que foram praticadas no governo Dilma (Rousseff) e no segundo governo de Lula”.
Falando especificamente sobre a nova ordem da política comercial que os Estados Unidos tentarão impor aos seus parceiros, Salto enfatizou que falta ao Brasil uma formulação de política econômica. “O governo está reativo ao que acontece; é um debate raso e estamos à mercê de uma política extremamente incerta que será implementada pelo Trump”.
Participaram da palestra de Felipe Salto, com comentários e perguntas, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, o coordenador nacional de Relações Institucionais do Espaço Democrático, Vilmar Rocha, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o advogado Roberto Ordine, o sociólogo Tulio Kahn, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, os gestores públicos Januario Montone e Mário Pardini, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino.