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A delegação de competência para ordenadores de despesa na administração pública: aspectos jurídicos e práticos

Para o advogado Jairo de Oliveira Bueno, trata-se de instrumento estratégico na modernização da gestão pública, representando mecanismo fundamental para a consecução dos objetivos de agilidade e eficiência

 

 

Jairo de Oliveira Bueno, advogado e consultor jurídico especializado nas áreas de Direito Público Municipal, Contratações Públicas, Concessões, Parcerias Público-Privadas e Administração Pública

Edição Scriptum

 

Este artigo analisa o instituto da delegação de competência para ordenadores de despesa na Administração Pública brasileira, examinando seus aspectos jurídicos e práticos. A pesquisa, de natureza qualitativa e exploratória, não é exaustiva em sua proposição e fundamenta-se em análise doutrinária, jurisprudencial e normativa, objetivando compreender os limites, possibilidades e responsabilidades decorrentes dessa delegação.

Conclui-se que a delegação de competência para ordenadores de despesa, quando adequadamente instrumentalizada, constitui importante ferramenta de gestão pública, desde que observados os princípios constitucionais e os limites legais estabelecidos.

Introdução

A complexidade da estrutura administrativa do Estado brasileiro e o volume crescente de demandas exigem mecanismos que proporcionem maior eficiência e celeridade na gestão pública. Nesse contexto, a delegação de competência para ordenadores de despesa emerge como instrumento fundamental para a descentralização administrativa e a otimização dos processos de gestão financeira e orçamentária.

O ordenador de despesas, figura central na execução orçamentária, é o agente público com atribuições definidas em lei, regulamento ou estatuto, responsável por autorizar despesas, emitir empenhos, autorizar pagamentos, suprimentos ou dispêndio de recursos públicos. A delegação dessas competências, quando realizada dentro dos parâmetros legais, visa promover maior eficiência administrativa e racionalização dos procedimentos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Aspectos Conceituais e Normativos

A delegação de competência encontra fundamento no art. 12 do Decreto-Lei nº 200/1967, que estabelece: “É facultado ao Presidente da República, aos Ministros de Estado e, em geral, às autoridades da Administração Federal delegar competência para a prática de atos administrativos […]”. Este dispositivo legal materializa o princípio da descentralização administrativa, visando aproximar os serviços públicos de seus destinatários.

O conceito de ordenador de despesas, por sua vez, encontra-se definido no § 1º do art. 80 do Decreto-Lei nº 200/1967, como “toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta responda”.

Requisitos e Limites da Delegação

A delegação de competência para ordenadores de despesa constitui instituto jurídico-administrativo que demanda, para sua plena validade e eficácia, a observância de requisitos específicos estabelecidos tanto pela construção doutrinária quanto pela consolidação jurisprudencial, destacando-se, entre estes, a necessidade de previsão legal expressa, a devida formalização mediante ato administrativo próprio, a imprescindível publicidade do ato delegatório, a definição precisa e inequívoca das atribuições objeto da delegação, bem como a estrita observância das vedações legais pertinentes.

No contexto da delegação de competências administrativas, a existência de limitações materiais intransponíveis, consubstanciadas nas competências indelegáveis, especialmente aquelas que envolvem atribuições exclusivas ou privativas da autoridade delegante, conforme sedimentado entendimento jurisprudencial emanado tanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto do Tribunal de Contas da União (TCU), constituindo verdadeiro núcleo intangível de competências que, por sua própria natureza e relevância jurídico-administrativa, não comportam transferência a outros agentes públicos.

Responsabilidade do delegante e do delegado

No âmbito da Administração Pública, a delegação de competência para ordenação de despesas apresenta complexa estrutura jurídica no que tange à responsabilização dos agentes envolvidos, estabelecendo-se, conforme consolidada jurisprudência do Tribunal de Contas da União, notadamente através do Acórdão nº 2.789/2010-TCU-Plenário, um sistema de corresponsabilidade entre delegante e delegado, no qual a transferência de atribuições não implica em exoneração da responsabilidade original do delegante, que permanece vinculado ao dever de fiscalização dos atos praticados por seus subordinados, sob pena de responsabilização in vigilando.

Para assegurar a efetividade e regularidade deste instituto jurídico-administrativo, faz-se necessária a implementação de robustos mecanismos de controle, estruturados em múltiplas dimensões que contemplam o controle hierárquico, sistemas de informação gerencial, prestação de contas periódica e avaliação sistemática de resultados, constituindo um arcabouço instrumental indispensável para a salvaguarda do interesse público e para a consecução dos princípios fundamentais da Administração Pública, notadamente os princípios da eficiência e da accountability.

Aspectos práticos da implementação

A formalização do ato de delegação de competência materializa-se mediante instrumento administrativo específico, tradicionalmente por meio de portaria ou documento equivalente, devendo contemplar, em seu conteúdo essencial, elementos fundamentais que garantam sua eficácia e segurança jurídica, tais como a identificação inequívoca do delegante e delegado, a especificação pormenorizada das competências objeto da delegação, os limites e condições estabelecidos para seu exercício, o prazo de vigência quando houver determinação temporal, bem como a expressa previsão quanto à possibilidade de subdelegação, quando esta for admitida no contexto administrativo específico.

A operacionalização efetiva do instituto da delegação de competência encontra-se intrinsecamente vinculada à implementação de boas práticas administrativas, configurando-se como elementos basilares deste processo a capacitação sistemática e adequada dos agentes delegados, o estabelecimento de rotinas consistentes de controle, a documentação meticulosa dos processos administrativos correlatos e a realização de avaliações periódicas dos resultados alcançados, constituindo um conjunto articulado de medidas que visam assegurar a consecução dos objetivos institucionais e a preservação do interesse público.

Jurisprudência recente do TCU sobre delegação de competência

A delegação de competência para ordenadores de despesa, quando adequadamente implementada, contribui significativamente para a eficiência administrativa.

Análise do Precedente de Janeiro de 2025

Em relevante decisão proferida em 22 de janeiro de 2025, o Tribunal de Contas da União estabeleceu importante precedente sobre a delegação de competência para ordenadores de despesa no âmbito municipal, especificamente no julgamento de recurso de revisão relacionado ao Município de Itapipoca/CE (referente ao Acórdão 1.862/2019 – Primeira Câmara).

O caso em questão trouxe significativa contribuição para a compreensão dos limites da responsabilização de prefeitos em contextos em que existe delegação de competência formalizada por lei municipal. O Ministro Antonio Anastasia, relator do caso, consolidou entendimento que merece destaque por seus aspectos inovadores e práticos.

Principais Aspectos da Decisão

O reconhecimento da delegação ex lege no âmbito da administração municipal constitui importante marco jurisprudencial, consolidando o entendimento de que a existência de lei municipal configura-se como pressuposto suficiente para conferir eficácia à delegação de competência para ordenação de despesas a secretário municipal, posicionamento este que encontra sólido respaldo em precedentes do Tribunal de Contas da União, notadamente nos Acórdãos 2.532/2023 – Primeira Câmara e 1.924/2024 – Plenário.

No que concerne à responsabilização do chefe do Poder Executivo municipal, a comprovação de que os atos de gestão foram efetivamente praticados por secretário municipal, fundamentados em competência previamente estabelecida em lei municipal, opera como fator de afastamento da responsabilidade do prefeito pela utilização dos recursos transferidos, mantendo-se tal entendimento mesmo nas hipóteses em que o prefeito figure como signatário do ajuste na condição de agente político, estabelecendo assim uma importante distinção entre a responsabilidade política e a responsabilidade administrativa.

A limitação da responsabilização encontra-se fundamentada na compreensão de que a mera assinatura do instrumento do convênio pelo prefeito, na qualidade de agente político, ou o encaminhamento da prestação de contas não são elementos suficientes para atrair, isoladamente, sua responsabilidade pela competência delegada, ressaltando-se ainda que a delegação ex lege apresenta característica peculiar ao impedir a avocação por mero ato administrativo, consolidando assim uma importante salvaguarda à segurança jurídica e à estabilidade das relações administrativas no âmbito municipal.

Precedentes Correlatos

A evolução jurisprudencial do Tribunal de Contas da União acerca da delegação de competência apresenta significativa consolidação através de relevantes precedentes, destacando-se os Acórdãos 563/2019 – Segunda Câmara e 7.304/2013 – Primeira Câmara, que estabeleceram bases fundamentais para a compreensão contemporânea do instituto da delegação de competência no âmbito municipal, especialmente no que tange à sua formalização mediante instrumento legislativo e aos limites da responsabilização dos agentes públicos envolvidos.

A sedimentação deste entendimento jurisprudencial representa marco significativo na evolução do pensamento jurídico-administrativo, consolidando uma tendência de reconhecimento da eficácia da delegação de competência quando adequadamente instrumentalizada por meio de lei municipal, estabelecendo parâmetros objetivos e critérios bem delineados para a aferição da responsabilidade dos agentes públicos envolvidos no processo de delegação, contribuindo assim para maior segurança jurídica na gestão pública municipal.

A atualização jurisprudencial materializada na decisão proferida em janeiro de 2025 reveste-se de especial relevância no cenário administrativo contemporâneo, na medida em que estabelece parâmetros mais precisos e objetivos acerca da responsabilização em casos de delegação de competência formalizada por lei municipal, representando significativo avanço na compreensão do tema e fornecendo orientação mais clara aos gestores públicos municipais quanto aos limites e possibilidades do instituto da delegação de competência.

Conclusão

A delegação de competência para ordenadores de despesa configura-se como instrumento estratégico na modernização da gestão pública, representando mecanismo fundamental para a consecução dos objetivos de agilidade e eficiência na execução orçamentária, cuja implementação demanda criterioso planejamento e robusta fundamentação normativa, alicerçada nos princípios basilares do direito administrativo e nas diretrizes constitucionais que norteiam a atuação da Administração Pública.

A efetividade deste instituto jurídico-administrativo encontra-se intrinsecamente vinculada à capacidade de estabelecer equilíbrio adequado entre os imperativos da descentralização administrativa e a manutenção de sistemas de controle eficazes, harmonizando a necessidade de dinamismo operacional com os princípios fundamentais que regem a Administração Pública, notadamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Para assegurar a implementação exitosa deste mecanismo de gestão, evidencia-se a necessidade premente de desenvolvimento de estudos técnicos aprofundados que contemplem análises quantitativas dos impactos da delegação de competência sobre os indicadores de eficiência administrativa, bem como a elaboração de métricas específicas para avaliação sistemática de sua efetividade, constituindo assim um arcabouço metodológico que permita o monitoramento contínuo e o aperfeiçoamento progressivo deste importante instrumento de gestão pública.

 

Referências

BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão nº 2.789/2010-Plenário. Relator: Ministro José Múcio Monteiro. Brasília, DF, 20 de outubro de 2010.

 

 

 

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