Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Em palestra realizada no mês de abril no Espaço Democrático, Hubert Alqueres, diretor do Colégio Bandeirantes e ex-secretário da Educação do Estado de São Paulo, abordou o tema da proibição dos celulares nas escolas e, em caráter complementar, mencionou a série Adolescência, de enorme repercussão em diversos países. Durante sua fala, recomendou a leitura do livro A geração ansiosa, do psicólogo Jonathan Haidt. Em maio, Vilmar Rocha, coordenador nacional de Relações Institucionais do Espaço Democrático, voltou a se referir à série no artigo A série ‘Adolescência’ e o conflito entre educação e redes sociais.
Seguindo a recomendação de Alqueres, li o livro sugerido, cujo subtítulo á auto-explicativo: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais.
Fundamentado em ampla pesquisa, sobretudo em países da anglosfera, o autor, que é professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York e que esteve recentemente no Brasil, participando da programação do “Fronteiras do Pensamento”, consegue mostrar de forma contundente o estrago decorrente do que ele chama de “Grande Reconfiguração”, cujos sintomas se iniciaram em 1990, para explodir num acentuado declínio da saúde mental desde o começo da década de 2010, representado pelo aumento acentuado nos índices de ansiedade, depressão e automutilação.
Em síntese, a “Grande Reconfiguração” é resultante da mudança de hábitos ocorrida tanto entre crianças e adolescentes, que passaram a dedicar cada vez mais horas aos smartphones, e dos pais, que de início não deram atenção a isso, para depois adotarem uma postura de superproteção, impedindo que seus filhos mantivessem comportamentos comuns até alguns anos atrás.
Além de chamar atenção para os problemas da hiperconectividade em geral, em consequência de atingir as crianças em estágios vulneráveis do desenvolvimento, quando seu cérebro se reconfigurava rapidamente em resposta aos estímulos, Haidt destaca algumas diferenças sobre meninos e meninas: “As redes sociais, por exemplo, causavam maior dano em meninas, e empresas de jogos on-line e sites de pornografia afetavam com mais contundência os meninos” (p. 12).
Em decorrência dessa combinação de fatores, a infância baseada no brincar, típica da década de 1980, foi substituída pela infância baseada no celular, provocando um declínio acentuado das brincadeiras que oferecem algum risco da interação cara a cara, imprescindíveis para que as crianças se desenvolvam e se tornem adultos competentes e habilidosos.
Haidt alerta para uma das piores consequências da “Grande Reconfiguração”, qual seja o gradual abandono do modo descoberta, típico da infância baseada no brincar, em favor do modo defesa, típico da infância baseada no celular.
A tabela abaixo, reproduzida da página 87 do livro, compara essas duas mentalidades para estudantes entrando na universidade.
Os principais prejuízos fundamentais da infância baseada no celular, que provocam evidente queda no rendimento escolar, são:
- Privação social, com redução acentuada do tempo cara a cara com os amigos;
- Privação do sono, tanto em termos de qualidade como de quantidade;
- Atenção fragmentada, dificultando a capacidade de concentração em uma tarefa;
- Vício, provocador de liberação de dopamina, que produz prazer sem desencadear uma sensação de satisfação.
Um aspecto positivo do livro é que o autor não se limita a identificar o(s) problemas(s), fazendo questão de apontar soluções no sentido de “restabelecer uma vida humana para os seres humanos de todas as gerações” (p. 27).
Além de propor uma ação coletiva, envolvendo governos, empresas de tecnologia, escolas e pais, Haidt dá algumas sugestões para trazer a infância de volta à Terra:
- Smartphones só depois dos 14 anos;
- Redes sociais só depois dos 16 anos;
- Proibir smartphones nas escolas;
- Oferecer muito mais brincar livre e independência na infância.
Mesmo considerando que as condições no Brasil sejam diferentes das que prevalecem na anglosfera e que as soluções sugeridas por Haidt estejam longe de resolver todos os problemas do nosso sistema educacional, recomendo a leitura de A geração ansiosa a todos aqueles se preocupam com a situação vigente.
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