Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
O debate sobre a reforma política no Brasil parece ser interminável. Não deixa de ser surpreendente que ele tenha começado nos anos 1980, e que tenha chegado até os dias de hoje. Sob muitos aspectos, no entanto, pode-se até argumentar que uma boa parte da reforma política já tenha sido feita. As medidas legais aprovadas nos últimos anos devem, por exemplo, reduzir bastante a fragmentação partidária no Congresso a partir de 2023.
Basta lembrar que as eleições de outubro serão as primeiras com uma cláusula de desempenho nacional de 2% dos votos válidos, com a proibição de coligações entre os partidos nas eleições proporcionais e com a autorização para a formação de federações partidárias (segundo o noticiário, pelo menos três federações serão formalizadas até o fim de maio). Tudo indica que a próxima legislatura será a menos fragmentada dos últimos trinta anos.
A iniciativa mais recente neste abrangente campo da reforma política foi a instalação, na Câmara dos Deputados, de um grupo de trabalho para debater a adoção do sistema de governo semipresidencialista. E faz menos de um ano que os deputados federais rejeitaram uma proposta de emenda constitucional que previa a substituição do sistema eleitoral proporcional pelo sistema conhecido como “distritão”.
Mas, neste novo artigo, gostaria de chamar a atenção para um tema totalmente negligenciado no debate sobre a reforma política ao longo da última década. Poderíamos até batizá-lo como a “reforma política esquecida”. Estou me referindo às distorções no tamanho das bancadas dos Estados na Câmara dos Deputados.
A Constituição de 1988 estabelece, no parágrafo 1º do seu artigo 45, que “o número total de deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da federação tenha menos de oito ou mais de setenta deputados”.
Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei Complementar nº 78, de 30/12/1993, assim determinou em seu artigo 1º: “o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da federação”.
Traduzindo tudo isso para o português. Por um lado, a nossa legislação reconhece o clássico princípio democrático do “um homem, um voto”. Quanto mais populoso um Estado, maior será o número de deputados federais que o representarão em Brasília. Por outro lado, porém, a legislação também estabelece quantidades mínima (8) e máxima (70) de deputados por Estado.
Na prática, portanto, o estabelecimento de um piso e de um teto para as bancadas estaduais tem como consequência o fato de que a distribuição de cadeiras na Câmara entre os Estados não será 100% proporcional. Alguns Estados de pequeno porte acabarão elegendo mais deputados do que elegeriam numa distribuição rigorosamente proporcional. E outros Estados de grande porte poderão eleger menos representantes do que o esperado numa distribuição sem este viés.
Há uma defensável lógica política neste formato: evitar a chamada “tirania das maiorias”. A sobrerrepresentação das unidades da federação menos populosas, e a consequente sub-representação das maiores, permitiria um maior equilíbrio federativo, dando às minorias um maior poder de veto.
Por sua vez, os críticos desta distorção também argumentam corretamente que já existe uma paridade na representação dos Estados no Senado Federal (três senadores por Estado). Assim, as distorções na composição da Câmara seriam redundantes, pois já caberia ao Senado o papel de dar maior voz às minorias.
O fato é que a discussão deste tema parece ter virado um tabu. Não me recordo, ao longo das últimas legislaturas do Congresso Nacional, de nenhuma proposta de mudança, seja do artigo 45 da Constituição, seja do artigo 1º da lei complementar nº 78. Numa visão mais benigna, talvez já tenhamos atingido um ponto de equilíbrio político nesse tema.
Mesmo assim, no meu próximo artigo, tentarei mensurar empiricamente o grau de distorção do princípio do “um homem, um voto” resultante da distorção da proporcionalidade entre as bancadas estaduais na Câmara. Veremos também quais Estados saem ganhando e quais saem perdendo com as regras atualmente em vigor. E, por fim, veremos se é possível propor alguma solução paliativa para o problema.
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