Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático
Edição: Scriptum
O governo federal publica dados de homicídios dolosos por município usando como fonte os boletins de ocorrência enviados pelos Estados para o Ministério da Justiça. Este procedimento teve início em 1999 (com dados retroativos a 1997), mas a série disponibilizada atinge apenas o período de janeiro de 2018 a outubro de 2023.
Para permitir a comparação entre os anos, utilizei apenas o período de janeiro a outubro de cada ano. De 2018 para cá a queda nos homicídios foi de aproximadamente 25%, passando de 41 mil para 31 mil casos nacionalmente. Apenas cinco unidades federativas não apresentaram queda neste período: Amazonas, Amapá, Maranhão, Piauí e Rondônia. Três destes Estados estão na região Norte, que em conjunto apresenta o pior desempenho regional, seguida do Nordeste.
Os demais 22 Estados tiveram quedas – algumas expressivas – sugerindo que estamos diante de um fenômeno nacional generalizado e, como tal, provocado por fenômenos igualmente nacionais e generalizados. Os suspeitos habituais são a demografia, a economia, mudanças de legislação, pandemia, ou políticas de âmbito nacional.
Onde entram neste cenário as facções criminosas e seus ciclos de conflito e pacificação? Elas ajudam a entender o cenário apenas em Estados e momentos específicos. A observação das variações anuais são um meio para tentar identificar sua presença. Observe-se, por exemplo, o crescimento de 56% dos homicídios no Amazonas em 2021, ou de 58% no Amapá em 2023. Ou, ainda, o crescimento de 86% das mortes no Ceará em 2020, antecedido por uma queda de 53% no ano anterior. Parece claro que estas variações abruptas e intensas guardam alguma relação com a dinâmica das facções.
De modo geral, todavia, a explicação fundada na dinâmica das facções é bastante frágil e insuficiente para explicar o quadro geral. Observe-se, neste sentido, a forte queda em 21,3% nos homicídios em 2019 com relação ao ano anterior, em 26 dos 27 Estados. Difícil argumentar que se tratou de um acordo de pacificação nacional e simultâneo. Mudanças demográficas tampouco explicam quedas desta magnitude e neste intervalo curto de tempo. Não sabemos ao certo, ainda, a que se deveu, mas certamente não foi a nenhum destes fatores.
O aumento em 2020, de 7,2% – abrangendo 19 Estados – no ano da pandemia de Covid-19 – é mais fácil de entender, uma vez que crescimento similar foi observado em diversos países em razão da diminuição da vigilância natural, diminuição do policiamento, aumento da violência doméstica, variações no consumo de álcool e outros fatores aventados pela literatura. Os anos seguintes retomam a trajetória de queda, de respectivamente -4,7%, -1,7% e -5% em 2021, 2022 e 2023. Aspectos regionais, como vimos no caso do Norte, ajudam a entender alguns matizes desta tendência.
Uma curiosidade digna de nota é que nenhum Estado teve cinco pontos consecutivos de queda nos homicídios (nem de crescimento). Assim, se é que houve alguma política estadual bem sucedida de combate aos homicídios neste período, ela não foi constante nem forte o bastante para superar os fatores nacionais em sentido oposto.
Como o ano de 2024 se inicia, é o momento de invocar a bola de cristal. A população continua envelhecendo e a economia apresenta sinais de melhora, em especial do emprego. Desde 2023 interrompeu-se o fluxo desenfreado de aquisição de armas de fogo pela população. As polícias estaduais parecem progredir aos trancos e barrancos no uso de dados, evidências, gestão por resultado e tecnologias – como câmeras corporais – que implicam na redução da letalidade. Programas como o Bolsa Educação devem impactar na taxa de evasão escolar a partir deste ano. Pelo menos com relação às macro tendências, portanto, parece que os homicídios vão continuar o processo de queda neste ano. Hora de focar no que está explodindo, como os estelionatos virtuais e no crime organizado.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.