Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
O Brasil tem a Contag e outras associações que assaltam os velhinhos aposentados, impedindo-os de comprar o remédio para hipertensão. A Petrobras protagonizou o maior escândalo de corrupção sistêmica da Era Cristã e também do que veio antes de Cristo. O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania assediou a ministra da Igualdade Racial. Os Correios estão falidos e o Postalis, fundo de pensão dos funcionários da estatal, aplicaram recursos em atrativos títulos emitidos pelo governo da Venezuela.
Acabamos de encarcerar um ex-presidente da República e encarceramos também outro que seria o futuro presidente da República. Integrantes do Poder Judiciário aumentam seu próprio salário. Temos os maiores juros do planeta e uma concentração bancária sem paralelo no mundo capitalista. Um ex-presidente era contra a vacina da Covid e reuniu os líderes das tropas para “resguardar” a democracia através de um golpe de Estado porque as urnas não lhe sorriram.
Têm mais de oitenta países na nossa frente no IDH. Na educação, ficamos reiteradamente em último ou penúltimo lugares nos exames Pisa, embora nosso investimento na área acompanhe o de países europeus, em termos de porcentagem de PIB. Numa lista de 190 nações, ficamos em 124º lugar no que se refere à facilidade de fazer negócios. No saneamento básico, uma tragédia: cerca de 90 milhões vivem sem esgoto. Em termos absolutos, o Brasil lidera o ranking mundial em quantidade de homicídios.
Mas aqui o que não presta mesmo é o futebol.
Não há limites para o ridículo. Depois que a França venceu o Brasil na final da Copa de 1998, em Paris, nosso laborioso Congresso Nacional resolveu fazer uma CPI para encontrar as causas do desastre. Onde já se viu ser derrotado pelo time da casa, que contava, entre outros, com Barthez, Desailly, Deschamps, Petit, Djorkaeff e Zidane? Teríamos perdido o jogo por causa de uma conspiração? Fomos subornados? Ronaldo Fenômeno, um dos maiores e mais talentosos jogadores de futebol da história, respeitado por onde passa, foi convocado para depor. Ouviu a seguinte pergunta de um deputado: “quem deveria ter marcado o Zidane no escanteio?”. Falou: “não me lembro, mas quem deveria marcar não o fez direito”.
Infeliz de um país que zomba das suas virtudes. O Brasil é um poço artesiano sem fundo de problemas. Mas o importante é criticar o futebol e a CBF, que apesar dos problemas óbvios que apresenta, pelo menos tem a decência de entregar espetáculo e performance. Gerida com verbas privadas, não roubou idosos e nos entregou o deus Pelé, cinco campeonatos mundiais (maiores vencedores de todos os tempos), dois vices (não valem nada) e duas medalhas olímpicas de ouro. Formou também uma seleção inesquecível, que jogava um futebol sinfônico, como a de 1982. A Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo. E outros melhores, como os dois Ronaldos, Romário, Rivaldo, Kaká, Vini Jr…
Segundo os dados disponíveis, temos 259 jogadores atuando nas principais ligas europeias. Gigantes europeus como o Real Madrid, Arsenal, Juventus, Bayer Leverkusen, Paris Saint-Germain, Barcelona, Manchester United e muitas outras equipes de ponta contam com brasileiros no elenco. O Brasileirão, maior campeonato nacional de que se tem notícia, está longe de ser um espetáculo de desorganização: são 380 jogos que acontecem na hora marcada. Lá estarão os juízes, bandeirinhas, policiamento… Ainda tem séries B, C e D, mais o futebol feminino. A Copa do Brasil espalha o esporte pelos campos longínquos, aproximando o menino sonhador do ídolo que parecia um astronauta de tão longe, é democracia viva. O futebol equaliza as relações sociais: o presidente do banco fala com o humilde faxineiro no mesmo nível.
Calendário e gramados podem melhorar, verdade. Também é ridícula a demora do VAR e os erros dos árbitros, alguns analisando o próprio VAR em câmara lenta. Mas isso tudo é detalhe. Imaginação desamparada da história é desvario. Pela ideia que temos de nossa superioridade futebolística, deveríamos ganhar de qualquer seleção do mundo, com facilidade, a partir dos dez minutos do primeiro tempo. De preferência com alguma jogada que demonstrasse uma magia cheia de gingado e irreverência, só nossa. Vamos falar sério: perto do que acontece no Brasil nas mais diferentes áreas, a CBF e o futebol são verdadeiras ilhas de excelência!
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