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{ ARTIGO }

Americanah

Luiz Alberto Machado escreve sobre o livro de autoria da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e faz um paralelo sobre a questão do identitarismo

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

Dois fatores me levaram a escrever este artigo: o primeiro diz respeito ao meu gosto pela leitura, em especial por livros que me permitam conhecer a realidade de outros países; o segundo refere-se ao grande sucesso do Diálogo no Espaço Democrático sobre o tema do identitarismo, com a participação do cientista político Carlos Sávio Gomes Teixeira.

Americanah (Companhia das Letras, 2024) é o título do romance de autoria da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, ambientado entre a Nigéria, a Inglaterra e os Estados Unidos, que combina história de amor e crítica social e na qual prevalece o aguçado olhar sobre a questão racial a partir de vários ângulos.

Meu interesse pela junção entre leitura e conhecimento de outros países levou-me a escrever a crônica intitulada Volta ao mundo por meio de livros, publicada na antologia Tempo de voar (Scortecci, 2023, pp. 71-76 ). Sendo ler e viajar duas de minhas maiores paixões, combiná-las é uma forma de transmitir emoções e sentimentos experimentados em textos de livros cujos conteúdos remetem a países de diferentes partes do mundo, permitindo-nos visitá-los ou revisitá-los, conhecendo ou reforçando o conhecimento anterior de sua história, sua geografia, seu povo, sua cultura, suas tradições, sua política e/ou sua economia.

Com Americanah, retomei o foco na realidade da Nigéria, muito bem explorada por Abi Daré no livro A garota que não se calou (Verus, 2021), integrante da referida crônica. Naquele livro, a também nigeriana Daré conta a história de Adunni, uma menina que perdeu precocemente a mãe que acreditava na educação como a única maneira de não se calar – de não perder a capacidade de falar por si mesma e decidir o próprio destino. Com a morte da mãe, Adunni é, primeiramente, vendida pelo pai aos 14 anos para ser a terceira esposa de um homem ávido para ter um filho do sexo masculino. Como terceira esposa, ela é tratada como serva pelo marido e perseguida pela primeira esposa. Na sequência, ela consegue fugir do casamento arranjado, mas acaba sendo vendida para uma família rica que mora em Lagos, na qual é explorada, surrada e humilhada pela patroa, além de sofrer frequentes ameaças de assédio sexual por parte do patrão. Apesar de todas as adversidades, Adunni mantém a perspectiva de voltar a estudar, a fim de escapar da vida em que nasceu e de construir o futuro que escolheu para si mesma, bem como de contribuir para que outras meninas como ela possam ter uma história diferente.

A trama de Americanah tem início em Lagos, nos anos 1990. Enquanto Ifemelu e Obinze experimentam a inigualável sensação do primeiro amor, a Nigéria enfrenta tempos sombrios sob um regime militar. Procurando alternativas às universidades locais, paralisadas por sucessivas greves, Ifemelu muda-se para os Estados Unidos, onde rapidamente se destaca no meio acadêmico, ao mesmo tempo em que se depara pela primeira vez com a questão racial, tendo de enfrentar as dificuldades representadas pela vida de imigrante, mulher e, sobretudo, negra. Obinze, que pretendia encontrá-la, vê seus planos interrompidos pelo atentado do Onze de Setembro, quando as portas americanas foram temporariamente fechadas aos estrangeiros.

Quinze anos mais tarde, Ifemelu é uma consagrada blogueira que reflete sobre o dia a dia dos africanos na América, focalizando questões como imigração, preconceito racial e desigualdade de gênero. O tempo e o sucesso, porém, não atenuaram o apego à terra natal, nem sua ligação com Obinze, que não teve a mesma sorte, passando por diversas privações na Inglaterra, até ser extraditado, após várias tentativas frustradas de obter o visto para permanecer no país.

Em seu retorno ao país natal, Obinze se transforma num empresário de sucesso no ramo imobiliário, casando-se e vivendo confortavelmente. Ifemelu, por sua vez, ao finalmente também retornar à Nigéria, depois de resistir por algum tempo, tenta retomar um lugar na vida de seu companheiro de adolescência, num país muito diferente do que deixou.

Ao concluir a leitura de Americanah, foi inevitável a associação com as colocações de Carlos Sávio no Diálogo no Espaço Democrático, segundo as quais a monopolização do debate intelectual pelo identitarismo, observada nos últimos anos, é um desserviço ao Brasil, pois, apesar de defender causas que têm valor, os identitários deixam em segundo plano questões muito mais importantes, como a busca de um projeto nacional, que estabeleça metas e modos para que o País se torne uma nação mais justa, eficiente e moderna. Para ele, o radicalismo e a agressividade dos defensores das questões de gênero e raça vêm “envenenando” as relações políticas e inclusive favorecendo a ascensão de líderes extremistas, especialmente de direita.

Na sequência, Carlos Sávio destacou ainda que os identitários, apesar de se proclamarem defensores das minorias, têm pouca conexão com as pessoas comuns que dizem defender. “A maioria dos integrantes dessas minorias não se identifica com a agenda identitária. Nesse aspecto, os evangélicos, que são os principais adversários do identitarismo, se identificam muito melhor com as aspirações populares, reforçando a importância do empreendedorismo, investindo na autoestima dos fiéis e, inclusive, garantindo um papel de destaque às mulheres”, explicou.

Mesmo evitando estabelecer comparações entre realidades tão distintas quanto às da Nigéria, dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Brasil, é possível perceber pelo menos um efeito comum de algumas causas identitárias no cotidiano de todos esses países, qual seja, o agravamento da radicalização política. Tal radicalização atinge, principalmente nos casos de Brasil e Estados Unidos, um grau preocupante de polarização.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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