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{ ARTIGO }

Ansioso, eu?

Motivos para sofrermos de ansiedade não faltam, escreve o cientista político Rubens Figueiredo ao comentar obra de Luiz Felipe Pondé

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

Somos privilegiados por conviver ou ter convivido com alguns personagens geniais da nossa cultura. São, por assim dizer, pessoas que transformam a erudição em algo palatável sem resvalar na banalização que poderíamos chamar de “populismo intelectual”. Refiro-me ao falecido Ariano Suassuna e aos vivíssimos Mário Sérgio Cortella, Clóvis de Barros, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé. Algumas passagens de suas intervenções em palestras e texto são simplesmente brilhantes.

Um livro sensacional – agradável, profundo, instigante e divertido ao ponto de arrancar risadas do leitor – é “Você é ansioso? Reflexões contra o medo”, de Luiz Felipe Pondé (São Paulo: Planeta do Brasil, 2020, 160 p.). Escrito durante a quarentena que nos foi imposta pela pandemia, os capítulos curtos têm precisão cirúrgica e a diversidade de argumentos robustos que chegam a impressionar.

Motivos para a sermos ansiosos não faltam. Vou enumerar algumas indicações do autor. Redes sociais, maior longevidade, emancipação feminina, disseminação de práticas de coaching, desemprego gerado pelo avanço da tecnologia, dissolução da família em geral, excessos ao redor da cultura trans e de gênero, risco a respeito do futuro da democracia, ditadura da busca irrefreável do sucesso, obsessão com a alimentação e por aí vai.

Algumas passagens são particularmente interessantes. Os jovens, por exemplo, principalmente os de famílias de padrão de renda mais elevado, estabelecem “estratégias lentas de vida”. É a fuga da idade adulta. Pondé cita a psicóloga Jean Twenge, segundo a qual os marcadores sociais de amadurecimento, como sair da casa dos pais, manter-se financeiramente, sustentar um relacionamento mais ou menos contínuo e desejar ter filhos estão em baixa no mundo de hoje. O autor aponta: “a incapacidade de sofrer é forte causadora de ansiedade entre esses jovens” (pg 52).

Jovens com problemas, velhos também. Se os jovens não querem se tornar adultos, os adultos se recusam a envelhecer. Trechos divertidos são os que tratam do homem de 77 anos acompanhado de uma deusa de 30, atleta tardio que duas horas antes deve ter engolido uns 10 comprimidos de suplementos e hipotensivos, inclusive o azulzinho. Ou das “mulheres inteiras” de 50 ou 60 anos que, menopausadas e com a libido em baixa, saem para o mercado do sexo disputando com garotas bem mais jovens. Resultado? Mais ansiedade.

Pondé joga pesado: “Como se sabe há muito tempo, o feminismo é um movimento que quando se mete embaixo dos lençóis demonstra, claramente, que confunde a totalidade dos homens com seus piores exemplares” (47). E tem outro fator de ansiedade, que é a nova masculinidade, criada pelo marketing. Quem assistiu a genial série espanhola “Machos alfa” já entendeu do que se trata.

O cerco ao homem heterossexual branco que tem a indelicadeza de se oferecer para pagar a conta do jantar é brutal. Homens que trabalham, ganham mais que as mulheres e sustentam suas famílias são vistos como opressores. “Querem desmoralizar nossos hormônios”, diz o autor. O novo masculino, exige-se, é o mais parecido possível com as mulheres. Ao ler o livro, compreendi melhor os caminhos da ansiedade na sociedade contemporânea. E fiquei ainda mais ansioso.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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