José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
Edição Scriptum
Tenho teoria formulada com base nas 5 idades. É bem simples.
Primeira idade. Você não conhece ninguém e ninguém lhe conhece. É a de todos nós, no começo de nossas vidas. Nada a lamentar, pois.
Segunda idade. Você conhece todo mundo e ninguém ainda lhe conhece. Avançando um pouco mais, no tempo, acontece com todo mundo. Lemos jornais, vemos TV, sabemos quem são os atores na história, mas esses passam por nós e sequer nos cumprimentam. O que é normal.
Terceira idade. Você conhece todo mundo e todo mundo lhe conhece. É a da plenitude da vida social. Uma fase boa. Só que passa, esse o problema, infelizmente passa. Pessoa (Caeiro, O guardador ...) até escreveu:
Que te diz o vento que passa?
Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
Só para lembrar, inspirado nele, o amigo Manuel Alegre fez a mais famosa canção de protesto, contra Salazar, que Portugal conheceu (Trova do vento que passa). Assim começa:
Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz.
Quarta idade. Todo mundo lhe conhece e você já não sabe quem são os que lhe cumprimentam. É aquela onde estou, hoje. De vez em quando, após um encontro com alguém mais moço, pergunto “Você é filho de quem?” Quando explanei à querida Tânia Bacelar como funciona essa idade, ela definiu lindamente ‒ “É a da tampa do caixão, Zé Paulo”. É mesmo. Tenho pena de nós. Faltando só a última.
Quinta idade. Você não conhece mais ninguém e todo mundo já se esqueceu de você. Só falta essa. O começo do fim. Espero, apenas, que demore (muito) a chegar. E bem a propósito lembro versos de José Bernardino, cantador de São José do Egito (PE):
Já vou sentindo o excesso
Do peso na minha carga
Trilhando um caminho estreito
Vendo tanta estrada larga
Sinto uma sede tão grande
Que a ponta da língua amarga.
Isto posto, exponho agora outra teoria pessoal, a das idades comparadas com as estações do ano, Primavera ‒ Verão ‒ Outono ‒ Inverno. Que começou num dia em que estava fazendo aniversário e apareceu, no escritório, o (grande) pintor Zé Cláudio, saudades dele. Entrou na sala, mostrou uma folha seca de Coração-de-Nêgo (nem sei mais se podemos continuar a dizer o nome, politicamente incorreto, desse pé de pau) que apanhou no chão e falou “É seu presente”. Não entendi, que folha seca não é propriamente um presente. E, pior, ele nem me deu, colocou foi em sua bolsa. Uma semana depois chegou belo quadro seu, com aquela folha pintada. Que belo presente!, senhores. Obrigado, amigo. E respondi, na hora, com esses versos que expressam bem as tais quatro idades:
São 4 as folhas que a vida
Esparrama pelo chão
A primeira é esperança
A segunda é amplidão
Mas o destino tonteia
Quando se acaba o verão
Que a terceira é desalento
E a quarta é solidão.
Tudo recomendando, como dizia o amigo Eduardo Galeano, que “Neste mundo…/ Seremos capazes de viver cada dia como se fosse o primeiro/ E cada noite como se fosse a última”.
Por isso, neste novo ano que já vem, desejo aos leitores que vivam plenamente suas boas idades. E que o vento demore a lhe trazer dita quarta folha, do inverno, a da solidão. Valendo lembrar outros versos, agora do mesmo Pessoa (sem título, 1928),
Ó vento vago
Das solidões,
Minha alma é um lago
De indecisões.
Por tudo então, bem no fundo desse lago da existência, bons anos a todos e cada um. E há braços, com o coração.
P.S. Agora, perdão, mas o mar me espera. O “Mar” de Antonio Machado, para quem “não lhe servem âncora, timão, remos e o medo de naufragar”. O “Mar calmo“, de Shakespeare. O “Mar amigo“, de Baudelaire. O “Mar sempre recomeçando“, de Valéry. Os “Mares” de Camões, “nunca dantes navegados”. O “Mar salgado“, cantado por António Correia de Oliveira e Pessoa. O “Mar tenebroso” dos navegadores antigos, de que falava Torga. O mesmo Torga que, entre 12 e 18 anos, viveu no interior de Minas Gerais, como caçador de cobras, mas essa é outra história… O mar azul da Lagoa Azul, aqui em Pernambuco. E tantos outros. Por isso me despeço agora dos leitores com a intenção de voltar a essas páginas só depois do carnaval. Como em todos os outros anos, antes. Se Deus permitir, sem dúvida. Até lá, pois. Graças. Adeus. Pensando bem até breve, melhor assim.
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