Januario Montone, ex-diretor diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo, é colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Governar exige foco e determinação para obtenção de resultados concretos num tempo que é muito curto quando olhado com cuidado. Você sabia que uma gestão de quatro anos tem pouco mais de 1.000 dias úteis?
Em áreas como a Saúde, entre outras, os serviços são prestados também à noite, aos finais de semana e feriados, mas a máquina púbica se move, quando se move, nos dias úteis. Nas três esferas de governo.
Os prefeitos que serão eleitos este ano cumprirão um mandato de 1.019 dias úteis (2025 a 2028); os atuais (2021 a 2024) vão completar 1.015 dias.
O prefeito deve ter em mente que quando alguém lhe pede duas semanas de prazo (10 dias úteis) para um projeto qualquer, está lhe pedindo 1% do seu mandato. Isso se não descontarmos os períodos de eleições e pós-eleições (o segundo semestre inteiro do último ano do mandato), nem as restrições do período eleitoral (abril a setembro antes das eleições), ou as restrições e turbulências na atuação dos governos estaduais e do federal bem no meio do mandato municipal (restrições para transferências de recursos, mudança de interlocutores e outros ajustes decorrentes das eleições estaduais e nacionais).
Um dos maiores avanços nessa área foi a institucionalização da transição de governos, que auxilia os novos administradores nos primeiros meses de governo, mas nem sempre elas são eficazes.
Em resumo, o tempo é muito curto e deve ser considerado um insumo essencial cujo desperdício é fatal para o sucesso da administração.
Essa realidade é ainda mais visível neste período que atravessamos, de aumento da pressão social por melhoria dos serviços públicos e escassez de recursos não apenas financeiros, mas de instrumentos adequados de gestão.
O administrador municipal, esfera do estado mais próxima e ao alcance da revolta popular, é o mais pressionado por essa conjuntura e não consegue escapar de diretrizes básicas de gestão em momentos de crise:
· Aumentar as receitas sem aumentar os impostos, modernizando os instrumentos de arrecadação e fiscalização, com uso intensivo de TI;
• Reduzir os gastos sem comprometer a qualidade e as necessidades de expansão dos serviços, modernizando não apenas os instrumentos de gestão, mas o próprio modelo de gestão adotado, com informatização intensiva, gerenciamento das despesas e novos modelos de prestação e contratação de serviços;
• Em resumo, fazer mais e melhor com mais ou menos os mesmos recursos.
A esfera municipal talvez seja a que mais depende da aplicação incansável dos princípios do Ativismo Governamental, expressão do empreendedorismo para o setor público.
O Ativismo Governamental é a busca obstinada de resultados, construindo este círculo virtuoso de ação contínua.
Trabalho – As coisas não acontecem do nada, elas resultam de muito esforço e dedicação.
Competência – Saber fazer, convocar quem sabe fazer, saber transformar ideias em realidades.
Austeridade – É preciso fazer valer cada real de dinheiro público revertendo a imagem de que dinheiro público não é de ninguém e reforçando o princípio de que é de todos.
Criatividade – A busca incessante de novas soluções para novos e velhos problemas e para aperfeiçoamento de tudo o que se faz.
Parceria – Não reinventar a roda nem insistir em fazer o que outros podem fazer melhor.
O empreendedorismo no setor público é mais complexo que no setor privado. No setor privado o empreendedor pode fazer qualquer coisa que não esteja proibida por lei. Ele identifica as oportunidades e coloca sua criatividade e capacidade de ação para que se transforme em negócio. O empreendedor público só pode fazer o que a lei determina ou permite. Além disso, na área privada o corpo dirigente é mais estável (os proprietários e dirigentes) e o corpo funcional mais rotativo (os empregados). No setor público o corpo funcional (os servidores) é que é estável e o corpo gerencial é rotativo, com os mandatos e substituições durante os mandatos.
Para o gestor público (prefeito e equipe dirigente) cada dia é um dia a menos no seu período de gestão. Um dia a menos daqueles pouco mais de mil dias. Para o corpo funcional, cada dia é apenas um dia a mais em sua vida profissional. Lembro quando estive no Ministério da Saúde. Uma servidora da área de cerimonial, diante de um impasse qualquer, ponderou que já estava em seu 17º ministro!
Costuma-se afirmar que o empreendedor de sucesso é aquele que consegue “pensar fora da caixa”, não limitando sua criatividade ao que é usual. O empreendedor público tem que pensar fora da caixa duas vezes: para encontrar uma solução e para encontrar uma maneira de implantar sua solução dentro dos parâmetros da legislação ou buscar aprovar uma legislação que atenda seu projeto. Porém, essa alternativa pode esbarrar nos limites da competência municipal. Assim, muitas das mudanças almejadas estão fora do seu alcance, dependendo de regulamentação federal. Sem falar que tem que passar pela aprovação das casas legislativas de cada esfera.
Mesmo assim, sempre vale a pena buscar alternativas. Apesar das restrições, há uma imensa margem de atuação com a revisão de normas infralegais – decretos e portarias – e da própria legislação municipal. Também é importante buscar sustentação da jurisprudência mais atualizada, quando surgem os obstáculos. Ousadia é essencial.
Há, principalmente, um enorme espaço de atuação na construção de modelos mais criativos para a melhoria dos serviços públicos em todas as áreas, especialmente agora, com o gigantesco salto da tecnologia da informação que pode revolucionar todas as áreas, da fiscalização aos serviços de saúde.
Daí a imensa importância de não insistir em “reinventar a roda”. Copiar e ajustar as soluções bem-sucedidas é vital, assim como não “insistir em fazer o que outros podem fazer melhor”. Ativismo Governamental é aproveitar ao máximo cada dia para melhorar a qualidade dos serviços públicos e a vida das pessoas.
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