Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
O Ministério da Justiça publicou os dados criminais de 2024 para todo o Brasil e é possível fazer um breve balanço das tendências criminais desde 2023, início das atuais gestões federal e estaduais.
Observe-se, em primeiro lugar, que estamos analisando apenas variações de curto prazo e que as tendências precisam ser analisadas tomando prazos mais longos para serem bem compreendidas. A ideia aqui é verificar basicamente se as variações criminais ocorridas em São Paulo, no último ano, são congruentes ou distintas das variações nacionais no mesmo período.
Assinale-se também que os governos e suas políticas de segurança, na maioria das vezes, têm pouco impacto e responsabilidade sobre estas variações, que dependem antes de mudanças no cenário econômico e social. Exceções a esta regra são os casos de mortes em confronto e apreensão de armas, que são geralmente impactadas pelo “estilo” (chamemos assim) de cada gestão.
Na tabela abaixo vemos a variação entre 2023 e 2024 para os indicadores disponíveis no Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública). A parte de cima mostra indicadores criminais e a de baixo indicadores de produtividade policial e/ou mercados criminais.
Os homicídios estão em queda no País desde 2017 e tanto o dado nacional quanto o de São Paulo mostraram tendências parecidas em termos de sinal e magnitude, no último ano. Ressalte-se que as taxas por 100 mil habitantes são bem menores em São Paulo, cuja queda remonta aos anos 2000, de modo que é mais difícil conseguir reduções anuais expressivas no Estado.
Com relação à tentativa de homicídio, observamos aumento em nível nacional (6,2%) e queda no Estado de São Paulo. Homicídios e tentativas tem o mesmo sinal de queda em São Paulo, o que é esperado, mas é curioso notar a discrepância de sinal da variação ao nível nacional.
Os dados de estupro mostram uma variação pequena e de queda para Brasil e pequena e de crescimento para São Paulo, sugerindo tendências incongruentes no ano. Mas é preciso tomar cuidado, pois os dados de estupro são altamente subnotificados e quaisquer melhorias na taxa de notificação podem afetar as tendências.
As mortes em confronto com a polícia são classificadas como MDIP – morte em decorrência de intervenção policial – e neste indicador observamos as maiores incongruências entre as tendências nacionais e paulistas. Enquanto no Brasil tivemos uma queda de –9,8% nas MDIP em 2024 com relação a 2023, em São Paulo vimos este indicador crescer quase 62%. Este aumento já foi percebido e analisado em diversos artigos e gostaria de observar aqui que as MDIP foram excepcionalmente baixas em São Paulo entre 2020 e 2022, tornando a comparação com este período um tanto arbitrária. O que vemos é antes um retorno à média histórica do Estado – cerca de 800 casos por ano – após um período de queda expressiva com o início do programa de câmeras corporais e outras iniciativas de controle da letalidade por volta de 2020.
Nova incongruência é observada com relação aos latrocínios, que vinham em trajetória histórica de queda tanto em São Paulo quanto no Brasil. Enquanto em nível nacional vemos a continuidade desta trajetória (-6,5%), em São Paulo observamos um crescimento de 1,8%, nesta modalidade criminal, que é a mais temida pela população. A motivação do latrocínio é patrimonial e é interessante observar este crescimento em São Paulo, simultaneamente à queda dos demais crimes patrimoniais e dentro de um cenário econômico ainda favorável.
Os aumentos dos latrocínios e da violência policial explicam talvez em parte o resultado da recente pesquisa de opinião feita pela Nossa São Paulo, que constatou que “segurança pública “é o tema de maior preocupação dos paulistanos (74%), bem à frente de outros temas clássicos como saúde e educação. Note-se que o número absoluto de latrocínios é pequeno e que pequenos crescimentos absolutos podem provocar grandes variações percentuais. Esta mesma observação é válida para as lesões corporais seguidas de morte, cuja magnitude absoluta é relativamente pequena, inflando as variações percentuais. De todo modo, no período em questão, as lesões com morte subiram 14% no País e expressivos 67,07% em São Paulo.
Ainda no que tange aos crimes contra a vida, observamos tendências destoantes nos números de feminicídios. Enquanto os feminicídios caíram cerca de -3,5% no Brasil, os dados de São Paulo mostram uma variação positiva de 14,5% – não obstante a queda geral dos homicídios no Estado. É preciso tomar algum cuidado na análise, pois não há uma uniformidade nacional na maneira como os Estados classificam os casos de feminicídio.
Seria preciso verificar simultaneamente a tendência dos homicídios femininos para ver se se trata realmente de uma tendência de aumento ou de uma troca de classificação, onde os casos antes classificados como homicídios femininos vão aos poucos convertendo-se em feminicídios. Em 2017, segundo o Sinesp, as mulheres representavam 11,5% das vítimas de homicídio em São Paulo e em 2024 representam apenas 7,2%. É provável, portanto, que uma porcentagem de homicídios femininos antes classificados simplesmente como homicídios sejam agora melhor classificados.
Os crimes contra o patrimônio – roubo e furto de veículos e roubo de cargas – tiveram quedas entre 2023 e 2024, tanto nacionalmente como no Estado de São Paulo. Esta tendência de queda já vem de anos anteriores, mas parece ter sido mais expressiva em São Paulo, no que tange ao roubo de veículos. As variações no roubo de carga merecem cuidado, pois trata-se de crime extremamente concentrado em São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, o que acontece “nacionalmente” é praticamente um reflexo do que acontece nestes dois Estados. A queda nacional de roubo de carga tem sido puxada nos últimos anos pelas quedas em São Paulo e Rio e por isso a queda nacional é bem menor (-4,3%) quando excluímos São Paulo do cálculo.
Finalmente, com relação aos indicadores de atividade policial, observamos tendências discrepantes nas ocorrências de tráfico de drogas, apreensão de armas e pessoas presas por mandado. Em todos os indicadores São Paulo teve melhor desempenho. Com relação à apreensão de armas, estão bastante incongruentes: enquanto no Brasil as apreensões caíram 6,1%, em São Paulo elas aumentaram 24,8%. Isto pode significar tanto um aumento da atividade policial de busca e apreensão de armas – uma política tradicional de São Paulo e que fomentamos quando no governo – quanto um aumento do número de armas em circulação.
Para saber do que se trata de fato seria preciso cotejar com os dados de revistas policiais e outros indicadores de atividade que não estão disponíveis no Sinesp em nível nacional. Um aumento do número de armas em circulação poderia talvez explicar a tendência do crescimento dos latrocínios em São Paulo, não obstante o cenário de desemprego positivo. Dados do site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo mostram que o número de revistas pessoais feitas pela Polícia Militar cresceu 32% entre o terceiro trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024, passando de 2,35 milhões para 3,108 milhões. Tomando os anos completos, o crescimento foi de 20%. Este aumento no número de revistas ajuda a entender o aumento das apreensões de armas em São Paulo e a continuidade da queda dos homicídios – mas torna mais difícil entender o crescimento do latrocínio.
Em resumo, observamos no período 23/24 variações muitas vezes “incongruentes”, quando comparamos as variações do Estado de São Paulo com as variações nacionais. Algumas vezes estas discrepâncias são favoráveis a São Paulo – como no caso do roubo de veículo e apreensão de armas. Por outro lado, São Paulo seguiu tendências distintas e desfavoráveis nos indicadores MDIP, latrocínio, lesões corporais seguida de morte e feminicídios.
Usar as tendências nacionais como benchmark nos ajuda a entender estas especificidades e a fazer um balanço mais equilibrado das tendências criminais e das gestões federal e estadual na área de segurança pública no período.
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