Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Recentemente, fui entrevistado, sobre, dentre outros assuntos, as razões de a população em situação de rua no Brasil ter aumentado mais de 25% entre 2023 e 2024, apesar da promessa do governo de investir no social. A resposta está na incapacidade de o governo combater as desigualdades sociais, da mesma forma que não consegue reduzir as desigualdades regionais e raciais.
As razões desse fracasso são, basicamente, econômicas, paradoxalmente à posição – oitavo lugar – no ranking das maiores economias do mundo. O Brasil jamais terá sucesso duradouro nas políticas de combate às desigualdades sem, antes de mais nada, cuidar com seriedade das questões econômicas internas, a começar pelo controle dos gastos primários que reduzem e comprometem a capacidade do governo federal de investir em infraestrutura básica.
Tomando-se por base os últimos 22 anos, os gastos primários do governo federal vêm aumentando significativamente. Em 2002, correspondiam a 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Em 2010, esse percentual já era de 17%, e cinco anos depois, em 2015, passou para 19,5%. Um leve recuo se deu em 2018, quando marcou 19,10%, continuando a cair e, em 2022 foi reduzido a 18%, mas voltou a subir e fechou 2024 em 19,8% do PIB, podendo ultrapassar os 20% agora em 2025. Somente nos dois últimos anos do atual governo a elevação foi de 1,70% do PIB, correspondente a cerca de R$ 190 a R$ 200 bilhões/ano.
A dívida pública também não para de crescer. Era de R$ 7,10 bilhões em 2022 (o correspondente a 71,7% do PIB), saltou para R$ 8,10 bilhões em 2023 (74,4% do PIB) e em 2024 fechou em R$ 9,12 bilhões, ou 77,3% do PIB. Um aumento de 5,6 pontos percentuais em apenas dois anos! O resultado é catastrófico para os cofres públicos porque apenas em juros o Brasil tem de pagar de R$ 1,0 a R$ 1,1 trilhão por ano, valor que equivale a 28% a 29% do total da arrecadação tributária do País.
Outros números oficiais comprovam os péssimos resultados nacionais, como por exemplo o déficit em transações correntes, que chegou a US$ 24,5 bilhões em 2023 e mais que dobrou em 2024, quando atingiu US$ 56,4 bilhões (2,66% do PIB).
O resultado primário do governo também despencou. Os R$ 54,9 bilhões em 2022 representaram superávit correspondente a 0,60% do PIB, mas os resultados foram negativos em 2023 (- R$ 264,5 bi, ou 2,4% do PIB) e novamente em 2024 (-R$ 243,6 bi, ou 2,1% do PIB).
Pior ainda foi o resultado público nominal, que dobrou em apenas dois anos. De R$ 448 bilhões em 2022 (4,5% do PIB), subiu para R$ 996 bilhões em 2023 (8,9% do PIB) e atingiu R$ 1,12 trilhão em 2024 (9,7% do PIB).
Não é por acaso que o Brasil vem perdendo expressão mundial quando se trata de PIB. Em 1980, o PIB brasileiro representava 4,30% do PIB mundial e, após seguidas quedas, hoje representa apenas 1,98% do PIB mundial.
Os investimentos públicos em infraestrutura – que contribuem para garantir empregos e melhor qualidade de vida à população – também vêm caindo nas últimas décadas. Em 1980 foram investidos nesse segmento 5% do PIB e em 2023 essa relação foi de apenas 2,1%, sendo 0,30% pela União, 0,90% pelos Estados e 1% pelos municípios. O investimento da União, portanto, é praticamente nulo, apesar das despesas orçamentárias totalizarem R$ 5,5 trilhões, quase a metade (47%) do PIB.
Déficit virou palavra corriqueira nas contas públicas nacionais. Nas transações correntes, o déficit saltou de US$ 24,5 bilhões em 2023 para US$ 56,4 bilhões em 2024, correspondente a 2,66% do PIB. As estatais também apresentaram resultados negativos nos últimos dois anos. Em 2023, o déficit foi de R$ 4,45 bilhões, subindo para R$ 6,04 bilhões em 2024. O rombo, no ano passado, correspondeu a 0,05% do PIB. Mais significativo ainda é o déficit que se acumula na Previdência Social (Regime Geral da Previdência Social somado ao regime próprio dos servidores da União), embora tenha registrado queda nos últimos dois anos. Em 2022 foi de R$ 428,2 bilhões (4,32% do PIB), caiu para R$ 371,5 bilhões em 2023 e em 2024 foi levemente inferior, de R$ 366,4 bilhões (ou 3,16% do PIB).
Ignorando a necessidade de cortar despesas para equilibrar as contas, o governo vem aumentando seguidamente os gastos tributários da União. As renúncias fiscais que corresponderam a 1,47% do PIB, em 2001, subiram mais de 100% em menos de 10 anos e em 2010 já representavam 3,60% do PIB. Essa proporção cresceu para 4,33% em 2015 e para 4,80% em 2023. A estimativa é que, consolidados os números de 2024, atinja 5,2% do PIB, algo superior a R$ 600 bilhões/ano.
O cenário é agravado pela crescente taxa de juros. Depois de cair 1,25 ponto percentual de dezembro de 2023, quando a taxa Selic era de 11,75% ao ano, para 10,50% a.a. em maio de 2024, voltou a subir 1,75 ponto percentual em dezembro de 2024, quando fechou em 12,25%, e o próprio Banco Central, já sob nova presidência, elevou para 13,25% e sinaliza, para a próxima reunião do COPOM, aumento de 1 ponto percentual, elevando a Selic para até 14,25%. Isso implica dizer que a taxa de juros já equivale a mais de 2,5 vezes (2,74) a taxa da inflação interna, com reflexos muito negativos. Basta observar que cada 1 ponto percentual de acréscimo na Selic implica em pagamento de juros adicionais de R$ 91 bilhões por ano (quase R$ 8 bilhões por mês).
O controle da inflação é outro fator preocupante porque o governo não consegue cumprir o teto da meta de 4,50% ao ano. Ficou em 4,88% em 2023 e 4,83% em 2024, minando a credibilidade da equipe econômica e impactando diretamente os preços dos alimentos, que em algumas capitais já registram 10% de aumento, prejudicando novamente os mais pobres e menos favorecidos.
A reforma tributária, alardeada como uma grande conquista, teve muita comemoração e pouco mérito. Corrigiu algumas distorções importantes, porém é preciso lembrar que o Brasil terá a maior alíquota do mundo de IBS-CBS (Imposto sobre Bens e Serviços e Contribuição sobre Bens e Serviços), da ordem de 28% a 28,5%. Nenhum motivo para se orgulhar disso, por óbvio.
Da mesma forma, é modesto o Plano de Corte de Gastos da União, que pretende economizar de R$ 68 a R$ 70 bilhões em dois anos (2025 e 2026), notadamente diante do aumento de R$ 142 bilhões em despesas primárias no último biênio e mais R$ 46 bilhões previstos para 2025 e 2026. Com tudo isso, somada a necessidade de se pagar juros adicionais de R$ 113 bilhões/ano em razão do aumento da Selic e da enorme dívida nacional, é muito difícil esperar otimismo do povo brasileiro.
Ainda mais desanimador é constatar que a alteração da fórmula de cálculo do reajuste anual do salário-mínimo será muito prejudicial ao trabalhador e a mais de 70% dos aposentados do RGPS. O reajuste do salário-mínimo passa a ser calculado pela correção anual da variação do IPCA (ano anterior) acrescida do aumento real mínimo de 0,6% até o limite de 2,5%, tudo dependendo de o governo cumprir ou não a meta estabelecida para o crescimento real da receita primária da União. Cumprida a meta, o aumento real será igual a 70% da variação real da receita primária. Já em caso de descumprimento da meta do arcabouço fiscal, o reajuste real será equivalente a 50% da variação real da receita primária, porém com teto de 2,5%. E os números dos últimos anos mostram que o descumprimento de metas tem sido uma constante no atual governo.
Com a nova fórmula antiga, o trabalhador que ganha salário mínimo receberia R$ 9,50 a mais do que recebe agora. Dinheiro suficiente para comprar um quilo de feijão. Como o Brasil tem 27 milhões de aposentados ou pensionistas, 5 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e outros 15 milhões de trabalhadores (80% da população dos Estados de Alagoas, Amazonas, Maranhão e Paraíba) que recebem 1 salário mínimo por mês, o governo deixará de pagar R$ 15,36 bilhões por ano a essa parcela humilde da população.
Em outras palavras, o Brasil está fazendo economia tirando renda dos mais pobres, enquanto permanecem intocáveis os privilégios, penduricalhos e vantagens pessoais que engordam substancialmente os holerites dos membros das cúpulas do Poder Executivo (não concursados), do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, enfim, da maioria esmagadora da classe política.
Em vez de mirar a responsabilidade fiscal e de corrigir políticas equivocadas, o governo se preocupa mais com a comunicação, a ponto de alçar um marqueteiro a ministro da área. O objetivo maior é preservar a imagem do presidente, já pensando na reeleição em 2026. Deputados do PT cogitam agora algumas propostas para reverter a impopularidade do governo com vistas à próxima eleição presidencial. Uma das prioridades do partido, por exemplo, é o fim da escala 6×1. A proposta, apresentada em novembro do ano passado, pretende reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais sem considerar os gigantescos impactos para uma já combalida economia. A prioridade é a reeleição a qualquer custo, evidenciando uma vez o mal que faz ao País viver em campanha permanente durante todo o mandato.
Empobrecimento da população com baixíssima renda média domiciliar, queda nos índices de qualidade de vida, favelização das grandes cidades, aumento do número de moradores em situação de rua, crescimento da violência urbana, tudo é consequência desse conjunto de ações que já se provaram incapazes de dar um novo rumo ao país, apesar das enormes potencialidades da nação e não obstante a arrecadação tributária federal seguir batendo recordes. “Insanidade é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”, alertou há muito tempo o famoso físico Albert Einstein. Não é preciso ser ganhador de um Prêmio Nobel para aprender a lição.
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