Alexandre Schneider, doutor em administração pública e governo, foi secretário municipal de Educação de São Paulo e é secretário estadual de Educação de Pernambuco
Edição Scriptum
A mais importante avaliação internacional de matemática e ciências acaba de revelar um quadro preocupante sobre a educação brasileira. O Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS) — que há mais de 20 anos avalia o desempenho de estudantes do 4º e 8º ano em diversos países — contou pela primeira vez com a participação do Brasil em 2023. Os resultados soaram como um alarme: ficamos entre as últimas posições. No 4º ano, o País ocupou o 64º lugar em matemática e o 61º em ciências, entre 66 nações. No 8º ano, o cenário não foi muito diferente: 45ª posição em matemática e 43ª em ciências, entre 47 países.
Mais que lamentar esses resultados, precisamos entender por que chegamos a tal ponto e como podemos mudar esse cenário. Uma das respostas está na forma como avaliamos nossos estudantes.
Compare duas questões de matemática. Em nossa avaliação nacional, o Saeb, um aluno típico encontra problemas como calcular quantos litros há numa caixa-d’água com três quartos de sua capacidade total de mil litros. Uma pergunta direta, que exige basicamente a aplicação de uma fórmula. No TIMSS, esse mesmo aluno depararia com um desafio mais instigante: calcular as novas dimensões de um jardim retangular cuja área precisa ser aumentada em 25%, mantendo a forma original. A diferença é gritante — enquanto um teste cobra a mera reprodução de conhecimento, o outro exige raciocínio, criatividade e aplicação prática.
Em ciências, o contraste é ainda mais revelador. Enquanto pedimos a nossos estudantes que expliquem mecanicamente o processo de fotossíntese, o TIMSS os desafia a entender por que a água se comporta de maneira única ao congelar, relacionando o fenômeno a sua estrutura molecular. É a diferença entre memorizar e verdadeiramente compreender.
As avaliações educacionais são mais que instrumentos de medição — são poderosas ferramentas de transformação. Redes públicas e escolas privadas organizam seus currículos e metodologias para responder às exigências dessas avaliações. Quando mantemos avaliações com baixo nível de complexidade, inadvertidamente sinalizamos que esse é o padrão aceitável de aprendizagem.
Alguns argumentarão que elevar o nível das avaliações pode resultar em notas ainda mais baixas no curto prazo. Sim, é uma possibilidade real — e necessária. Resultados mais baixos inicialmente não seriam um fracasso, mas um retrato mais fidedigno de nossa realidade educacional. É preferível encarar essa verdade incômoda a nos contentarmos com uma falsa sensação de progresso.
A história da educação nos mostra que os sistemas educacionais tendem a responder às expectativas que estabelecemos para eles. Quando definimos metas mais ousadas e elevamos o nível de exigência, criamos um círculo virtuoso: as escolas se adaptam, os professores se capacitam, e os alunos são desafiados a alcançar patamares mais altos. É como um atleta que progressivamente aumenta a intensidade de seus treinos para competir em níveis mais elevados.
Elevar o nível de complexidade do Saeb não significa abandoná-lo, mas fazê-lo evoluir. Nossa educação precisa dessa progressão para formar jovens capazes de competir globalmente e encontrar soluções criativas para problemas complexos. A mudança exigirá preparo dos professores, adaptação das escolas e uma mudança de mentalidade. Mas o custo de não mudar é muito maior: continuarmos formando estudantes despreparados para os desafios de um mundo cada vez mais complexo.
Os resultados do TIMSS são um mapa do caminho que precisamos percorrer. O primeiro passo é elevar a complexidade de nossas avaliações, mesmo que isso signifique enfrentar resultados inicialmente desconfortáveis. O futuro de nossa educação — e, consequentemente, de nosso País — depende dessa mudança corajosa e necessária.
Artigo publicado no jornal O Globo em 20 de dezembro de 2024
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.