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{ ARTIGO }

Como a conjuntura econômica pode explicar as tendências criminais

Um programa eficaz parece ser o desenvolvimento econômico e seus efeitos benéficos sobre emprego, renda, educação e qualidade de vida da população, escreve o sociólogo Tulio Kahn

 

 

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Do ponto de vista das políticas públicas preventivas de criminalidade, um programa eficaz parece ser o desenvolvimento econômico e seus efeitos benéficos sobre emprego, renda, educação e qualidade de vida da população. A relação inversa entre bons indicadores econômicos e queda nos indicadores criminais sugere que, se existe a oportunidade adequada, parte dos criminosos prefere abandonar o crime.

Neste artigo dou continuidade à uma série de artigos anteriores, nos quais analisei a relação entre indicadores criminais e indicadores econômicos como desemprego, confiança do consumidor ou inadimplência. Nos últimos meses, temos observado, mais uma vez, o crescimento da confiança do consumidor, simultaneamente a uma redução nos roubos em São Paulo e diversos outros Estados. Entre setembro de 2022 e setembro de 2023 os roubos em São Paulo tiveram uma redução de 3,8%. Em outros Estados vemos quedas ainda maiores.

No Paraná, os crimes contra o patrimônio diminuíram 4,6%, comparando o primeiro semestre de 2023 com o mesmo período do ano anterior, e em Goiás a queda dos roubos a transeuntes, no último semestre do ano, foi de 29,5%. Os roubos no Rio de Janeiro caíram 22,7% entre setembro de 2022 e setembro de 2023. No Distrito Federal, a queda dos crimes patrimoniais foi de 20,6%, considerando o período de janeiro a outubro de cada ano. No Espírito Santo, a queda nos roubos foi de cerca de 12%. No Rio Grande do Sul a redução foi de 11% até outubro. Em Santa Catarina, a queda dos roubos foi de 13,9%. Diminuição de roubos da ordem de 12,2% no Mato Grosso do Sul, comparando janeiro a outubro dos dois anos. Para Pernambuco, a estimativa de queda é de 10,6%, considerando a evolução dos CVP (Crimes Violentos contra o Patrimônio) de janeiro a outubro, e para o Piauí, que disponibiliza apenas dados da Capital, os roubos em geral caíram 14,6%. No Ceará, a queda do CVP foi de 4,2% no mesmo período. No Pará, foi de 20,6% a queda dos roubos comparando os dois anos, de janeiro a setembro. A menor queda foi encontrada no Amazonas, onde os roubos diminuíram apenas 0,5% comparando janeiro a setembro de 2022 e 2023, mas mesmo assim o sinal é negativo.

Em razão de modificações significativas no sistema federal de estatísticas criminais (Sinesp), não temos dados nacionais comparáveis, atualizados e disponíveis no momento para verificar se a tendência de queda é nacional, apesar de observada em todos os 14 Estados que disponibilizam por meio da internet dados mensais sobre roubos ou crimes patrimoniais. E quando a tendência é generalizada, é salutar desconfiar de causas igualmente comuns.

No gráfico abaixo vemos em azul a média móvel de seis meses do índice de Confiança do Consumidor calculado pela Fecomércio; em verde, a média móvel dos roubos, publicados pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Como é possível observar, a relação entre estas variáveis é quase sempre inversa, de modo que, quando melhora a expectativa do consumidor – um indicador de melhora econômica – os roubos caem; e quando piora esta expectativa, os roubos crescem. A cada conjuntura, criminosos racionais decidem se é compensador ingressar no mundo do trabalho ou no mundo do crime, avaliando custos e benefícios de cada um.

 

 

Essa relação inversa entre o Índice de Confiança do Consumidor e os roubos não é sempre válida. Durante a pandemia de Covid, principalmente nos primeiros meses de 2020, observamos quedas simultâneas de ambas variáveis em razão do confinamento social. Além disso, ambas se movem em ciclos, mas nem sempre o efeito é simultâneo, uma vez que “confiança” é um conceito subjetivo e depende da percepção dos atores, nem sempre nítida. Isso implica que, às vezes, o impacto de uma variável sobre a outra não é simultâneo, mas defasado em um ou mais meses.

Embora o gráfico seja sugestivo, os olhos podem ser enganosos e assim criamos dois modelos simples para testar a validade da proposição. Tomamos como variável dependente a série histórica de roubos no Estado de São Paulo, de janeiro de 2002 a setembro de 2023, com 261 meses. Como variáveis explicativas usamos uma dummy para o momento crítico da pandemia, entre março e julho de 2020, e a série histórica do ICC Fecomércio, também para o período 2002 a 2023.

O primeiro teste sugere que tanto a variável Índice de Confiança do Consumidor quanto a variável Covid Granger “causam” roubos. Isso quer dizer que a série histórica de roubos em São Paulo pode ser prevista por uma combinação de efeitos defasados da própria variável roubo com efeitos simultâneos e defasados das outras variáveis. Em outras palavras, valores passados de roubos e das variáveis explicativas ajudam a prever os valores futuros dos roubos e é apenas neste sentido que usamos o termo causalidade. Neste link, uma rápida introdução ao significado de causalidade Granger. Trata-se de um modelo simples e é provável que uma ou mais variáveis omitidas, como ciclo econômico, explique a associação entre o ICC e roubos. Mesmo se espúria, ICC é um preditor útil para roubos.

O melhor preditor dos valores futuros dos roubos são os seus valores passados, pois como acontece com boa parte dos indicadores criminais, roubos estão auto correlacionados no tempo. Mas tanto Covid (.006) quanto ICC (.017) mostraram-se estatisticamente significativas no modelo, no sentido de que melhoram nossa capacidade de previsão.

No segundo experimento, inserimos as mesmas séries históricas num modelo ARIMA (1,1,12). Aqui também é possível, através de um modelo de transferência de função, testar se o modelo univariado que utiliza apenas a série de roubos, ganha em previsibilidade quanto introduzimos outros preditores, como Covid e ICC. A análise sugere que ambos os preditores são estatisticamente significativos e que a relação entre roubos e confiança do consumidor é inversa e ocorre tanto no lag 0 (no mesmo mês) quando no lag 1, (mês seguinte). O impacto do Covid sobre os roubos foi significativo, negativo e simultâneo.

Deixando de lado o linguajar mais técnico, ambos os procedimentos – realizados com modelagem automática no SPSS – sugerem mais uma vez o que já mostramos e diversas pesquisas sugerem: o contexto econômico afeta os indicadores criminais de diversas maneiras, impactando vítimas, autores e vigias, e deve ser levado em consideração na análise das tendências criminais. Assim, parte da explicação para a queda generalizada dos roubos no país pode se dever à melhora dos indicadores econômicos nacionais.

Do ponto de vista das políticas públicas preventivas de criminalidade, um programa eficaz parece ser o desenvolvimento econômico e seus efeitos benéficos sobre emprego, renda, educação e qualidade de vida da população. A relação inversa entre bons indicadores econômicos e queda nos indicadores criminais sugere que, se existe a oportunidade adequada, parte dos criminosos prefere abandonar o crime.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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