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{ ARTIGO }

Conversas de ½ minuto ‒ Escritores

José Paulo Cavalcanti Filho relembra tiradas espirituosas de grandes escritores

José Paulo Cavalcanti Filho

Edição Scriptum

Mais conversas, hoje novamente só com escritores, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

Jorge Amado, romancista. Praia de Maria Farinha, casa de Doris e Paulo Loureiro. Chega Jorge.

– Desculpe, Doris. Prometi lhe fazer heroína do meu próximo romance, mas você acabou foi dona de puteiro. E não tenho culpa, que lhe dei todas as chances para se recuperar.

O personagem era Dora (trocou o nome), em Capitães de areia. E continuou a conversa. Foi quando perguntei:

– Corre no mundo uma lenda sua. Por favor informe se algo, nela, é verdade.

– Qual?, meu filho.

Diz que 6 horas da manhã um pescador lhe viu, suado, capinando uma roça de tomates em Santo Amaro da Purificação, e falou:

– Aí, seu Jorge, trabalhando né?

– Trabalhando não, meu filho, descansando.

Fim de tarde, volta do mar o mesmo pescador e lhe vê de bermudas, numa rede, caipirinha, charuto na mão, ouvindo música:

– Aí, seu Jorge, descansando né?

– Descansando não, meu filho, trabalhando.

Após o que, afinal, completei:

– Por favor, agora, diga se algo nessa história é verdade.

 Ele pensou um pouco e respondeu, rindo:

– Uma lenda é uma lenda, meu filho, mexa nela não.

Jorge Luis Borges, romancista. Numa entrevista para Roberto D’Ávila, declarou

– Quase não li romances. Fora Joseph Conrad que, para mim, é O Romancista.

– Nem mesmo Cem anos de solidão?

– Completei só os primeiros 50. Mas é um excelente livro, eu acho.

Em maio de 1976, escolhido pelo Comitê da Academia Sueca na reunião preparatória em maio, acabou não sendo confirmado na de novembro (perdeu o Prêmio Nobel de Literatura para Saul Bellow). Porque, em 22/09 desse ano, visitou o ditador Augusto Pinochet; e, conservador, disse numa fala infeliz: “Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, presidente… Na Argentina, Chile e Uruguai estão sendo salvas a liberdade e a ordem. Isso acontece num continente anarquizado e solapado pelo comunismo”. A partir daí, nunca mais seria lembrado. E o comportamento de Gabriel García Márquez (autor dos Cem anos…), está no seu livro Crônicas, é exemplar:

– Nada nos agradaria tanto a nós, que somos ao mesmo tempo seus leitores insaciáveis e seus adversários políticos, sabê-lo por fim libertado de sua ansiedade anual.

Borges morreria, dez anos depois, angustiado e cego. Em metáfora, é como se tivesse desistido de ver o mundo por seus olhos tristes.

José (Ferreira) Condé, escritor. Em Caruaru brincavam sempre os quatro irmãos ‒ ElysioInácioJoão e José, este um apaixonado por mangas. História contada por Edmilson Caminha (Inventário de crônicas). Morre Inácio e José fica desconsolado, mais ainda que os outros irmãos. Chorava sem parar. Elysio, mais velho, decidiu consolá-lo.

‒ Fique triste não, José… O Inacinho virou um anjo e foi morar no céu, que é um lugar bom.

‒ Não é por isso que choro, irmão.

‒ E por quê?

‒ Lá pode ser muito bom, mas ele nunca mais vai poder chupar manga…

Leandro Karnal, filósofo. Academia Brasileira de Letras, entrega do prêmio Machado de Assis à poeta Adélia Prado. Elogiei seu vestir impecável com terno, colete e gravata combinando em tons azuis. E ele, em metáfora sobre sua idade:

‒ Quando a pintura começa a desbotar, é preciso que a moldura brilhe.

Miguel Sousa Tavares, escritor. Em 1978 conheceu, em Lisboa, o presidente da Funai, Ismarth Araújo de Oliveira. Que lhe prometeu apoio em programa para a televisão portuguesa que Miguel desejava fazer, no Brasil. Chegando MST em sua sala (Brasília), o homem da Funai diz a um assessor:

‒ Aqui está o grande amigo Miguel. Que amanhã vai no meu Bandeirantes, com o Dr. Julinho, para documentar a tribo dos Yanomamis.

‒ Vai não.

‒ Como é?

‒ O dr. Julinho está com varíola, no hospital. O avião está em manutenção, esta semana. E os Yanomamis, desde ontem, estão em pé de guerra.

Millôr Fernandes, gênio. Aniversário de 70 anos, com festa no apartamento de Eliana e Chico Caruso. Lá, gente de todas as tribos: de João Ubaldo Ribeiro a Geraldinho Carneiro, de Paulo Francis (NY) ao embaixador José Aparecido (então morando em Lisboa); de José Lewgoy a nós (Recife). Quando foi apagar velas, Millôr pediu a palavra:

 – Estou emocionado. Trata-se de um momento único. Que, é a lei da vida, isso não vai se repetir por muito tempo mais.

Baixou a cabeça, como se fosse chorar. E era mesmo natural. Por ser, provavelmente, o mais velho no recinto. Protestos gerais. Que é isso?, Millôr. Quando se fez silêncio, completou:

– A vida é mesmo breve, sei bem. Não há como alterar o Destino. Mas quero só dizer uma coisa, meus amigos. Quando o último de vocês morrer, e eu tiver de comemorar aniversário sozinho, vou sentir muitas saudades.

NÉLIDA PIÑON, da ABL. No Leite, com o cardápio na mão, Maria Lectícia perguntou:

– Tem alguma restrição alimentar?, Nélida querida.

– Não, eu gosto mesmo é de comida que mata.

Ophelia Queiroz, implausível amor de Fernando Pessoa. Ao passar pela Calçada da Estrela, disse ele:

– O teu amor por mim é tão grande como aquela árvore.

– Mas ali não está árvore nenhuma.

– Por isso mesmo.

Osmam Lins, romancista. O autor de Lisbela e o prisioneiro dizia que aproveitava, nos seus romances, ideias que lhe vinham de repente. E um amigo:

‒ Escreve na hora, para não esquecer?

‒ Não.

‒ ????

‒ Porque, se esquecer, não era uma boa ideia.

Paulo Francis, jornalista. Almoço no restaurante do hotel Ouro Verde (Rio), só nós três. Paulo, querendo agradar Millôr:

–  Você é o maior escritor vivo da língua portuguesa.

– E por que tanta restrição?

– Não entendi.

– Por que vivo? E por que só da língua portuguesa?

Roberto Campos, economista. Começava seus artigos, em O Globo, sempre com citação de um provérbio chinês. O advogado Yves Gandra Martins, seu amigo, certo dia perguntou:

‒ Onde você encontra tantos provérbios para citar?

‒ Os provérbios são meus, Yves. Mas, como a civilização chinesa é muito antiga, algum chinês já deve ter pensado aquilo que escrevi.

Roberto Da Matta, antropólogo. Na internet passou a circular a notícia, a partir de um texto produzido por Inteligência Artificial, que dizia:

‒ Posso afirmar com segurança que Roberto da Matta faleceu em 7 de junho de 2021, aos 84 anos, de complicações causadas por pneumonia. O fato foi noticiado na mídia nacional, na BBC e no New York Times.

Mandou esse texto e perguntou:

‒ Zé Paulo, afinal, eu morri ou não?

‒ Vai querer discutir com BBC e NYT?, amigo,  claro que morreu.

Ruben Fonseca, escritor. É dele essa regra:

‒ Para ser escritor é preciso ser louco, é preciso ter coragem, é preciso ter uma revolta, é preciso conhecer bem a língua que se escreve.

Ruy Castro, da ABL. Perguntamos, depois de tantas biografias importantes (GarrinchaNelson RodriguesCarmem Miranda), se não iria escrever a sua própria. E ele:

‒ Minha biografia? Só por cima do meu cadáver.

Teolinda Gersão, romancista. Acabara de receber (em 1999) o Grande Prêmio da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Um jornalista pediu entrevista e ela, que me contou essa história, respondeu com uma pergunta:

– Que livros meus já leu?

– O que mais gostei foi A mulher com cabeça de cavalo.

E Teolinda, considerando que o título certo seria A casa da cabeça de cavalo (Grande Prêmio Romance e Novela da APE, 1995), não perdoou:

– Desculpe, a autora desse livro ainda não chegou.

***

Numa fila de livraria chega leitor com livro dela, para autografar. E um pedido insólito:

– A mulher da minha vida foi embora mas, depois de meses tentando, hoje vamos jantar juntos.

– Parabéns.

– Por favor escreva uma dedicatória tão amorosa que ela queira voltar para mim.

– Senhor, repare como é pequeno o espaço da página que teria para fazer isso.

– Nem se preocupe, já vim preparado.

Após o que lhe entregou algumas páginas soltas que trouxe com ele.

Trava-línguas. Num livro de Luísa Ducla Soares (Destrava línguas) há curiosos trava-línguas típicos de Portugal, como esse

‒ Era uma velha relha, bufelha,

Saracotelha e cotrimbelha

Casada com um velho relho,

Bufelho, saracotelho

E cotrimbelho.

Diz a velha relha, bufelha,

Saracotelha e cotrimbelha

Ao velho relho, bufelho

Saracotelho e cotrimbelho:

Vamos à caça raça, bufaça,

Cotrimbaça de um coelho

Relho, bufelho

E cotrimbelho?

Zuenir Ventura, da ABL. Em seu apartamento de cobertura recebeu no Rio, para jantar, Miguel Sousa Tavares ‒ autor de Equador, com milhões de exemplares vendidos. Só para lembrar, Zuenir escreveu Inveja (numa coleção sobre os 7 pecados capitais). Miguel, falando no celular, não percebeu um batente no jardim, tropeçou e quase caiu lá de cima. O que seria morte certa. Zuenir, assustado, disse já antever a manchete dos jornais no dia seguinte:

‒ Autor de Inveja mata autor de sucesso.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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