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{ ARTIGO }

Conversas de ½ minuto ‒ Escritores

Escritor e jurista José Paulo Cavalcanti Filho conta pequenas – e divertidas – histórias de outros escritores  

José Paulo Cavalcanti Filho, escritor, jurista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Mais conversas, hoje só com escritores, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

Alfredo Gonçalves, alfarrabista. Da Nova Eclética, na Calçada do Combro (Lisboa). Por seu intermédio, consegui uma primeira edição de Os Lusíadas.  E por mera curiosidade perguntei, ao livreiro, quanto custaria uma d’El ingenioso hidalgo Don Quixote de la Mancha, de Cervantes, primeiro (1605) e segundo (1615) livros. Ele

– Se estiver interessado, sr. dr., vai ter que disputar, que outro cliente já me pediu isso.

– Qual português deseja um livro assim?, amigo.

– Não é português não, é mexicano.

Logo pensei em Carlos Slim (o sobrenome era Salim, até começar a fazer negócios nos Estados Unidos), que já foi o homem mais rico do mundo. E, ainda hoje, é um dos.

– O primeiro nome desse cliente, Alfredo, por acaso seria Carlos?

– Infelizmente, para o sr. dr., sim.

Ariano Suassuna, da ABL. Naquela manhã, Francisco Brennand saiu do Engenho São João e foi pegando amigos pelo caminho. Ariano (que me contou essa história), Rua do Chacon; e Marcelo Carneiro Leão, avenida Rui Barbosa. Foram, aos Manguinhos, tomar vinho de missa com Dom Coca-Cola – Carlos Coelho, arcebispo de Olinda e Recife (1960–64), desde que substituiu Dom Antônio de Almeida (1951–60). Depois dele veio Dom Helder (1964-1985), que não bebia. No fim da tarde, sem mais garrafas disponíveis, arremataram a programação com um sorvete no Gemba. Chegando em casa, na volta, Marcelo se vira para Ariano

– Agora você, que é escritor, invente uma mentira mais convincente que a verdade. Porque cheio de álcool, como estou, se disser a Hilda que estava conversando com o bispo, e tomando sorvete, ela não vai acreditar.

Aurélio, arquiteto carioca. Fim de conferência, na Academia Pernambucana de Letras, me perguntou

– O senhor é desembargador?

– Não.

– Quem é o senhor?

– “Não sou nada”.

Na esperança de que reconhecesse, na resposta, o primeiro verso da Tabacaria de Pessoa. Em vão.

– Nem acadêmico?

– Taí, sou.

– Daqui?

– Também daqui.

– E do Rio?

– É.

– Da Academia Carioca de Letras?

– Não.

– Se não, sobra só a Brasileira.

– Pois é.

– O senhor é de lá?

– Sim.

– Tem certeza?…

Bolivar Lamounier, escritor. Ele próprio me contou. Precisava falar com alguém da Casa Ruy Barbosa (Rio) e pediu, à jovem telefonista de seu Instituto,

‒ Ligue pra Ruy Barbosa.

Pouco depois

‒ Doutor, uma tragédia. A mulher que atendeu informou que o Dr. Ruy morreu.

Ele, contendo o riso,

‒ E, agora, vai fazer o quê?

‒ Fique tranquilo. Vou pedir os telefones da família e ligar para todos, informando que o senhor mandou pêsames.

Celso Furtado, economista. Reunião marcada em seu apartamento da Conrado Niemeyer. Uma ruazinha tranquila de Copacabana que se toma, subindo a República do Peru, até quase o morro. Marcou 5 da tarde – “Eram las cinco en punto de la tarde… Eram las cinco en todos los relojes”, como no verso de Lorca em homenagem ao toureiro Ignacio Sánchez Mejías, morto em um triste dia de agosto de 1935. Cheguei antes da hora, não quis subir e tive tempo de ler três inscrições pintadas, com a mesma letra, no asfalto em frente a seu edifício. Duas mais velhas:

– Lídia, nosso amor é mesmo impossível. Adeus, querida. Sempre teu, João.

– Lídia, penso que me enganei. Aposte em nosso amor. Liga, Lídia. Por favor.

E a terceira, mais recente,

– Pô, Lídia, três meses e nenhum telefonema?

Sem assinaturas, as duas seguintes, mas a mesma letra. Mensagem para moradora do edifício, com certeza. Já no apartamento, olhando para baixo de seu terraço, dava para ler aquelas frases escritas na rua. E perguntei, a Celso, como iria findar aquele amor impossível.

– Tem jeito não, é mais fácil consertar o Brasil.

Eça de Queiroz, romancista. A Editora Ernesto Chardron (do Porto) precisava de dados seus para constar nos livros. E Ramalho Ortigão, velho amigo que com ele escreveu As Farpas, solicitou

– Por favor, mande um pequeno esboço biográfico.

Eça respondeu, em carta de 10/11/1878,

– Eu não tenho história, sou como a República de Andorra.

Fernando Pessoa, poeta. Nas idas a Lisboa, para escrever sua biografia, deram-se fatos pitorescos. Relato só um, entre muitos. Quando pretendi visitar o quarto em que viveu, ainda criança, no Largo de São Carlos. Endereço era número 4 de polícia, assim se diz ainda hoje, quarto andar esquerdo (de quem sai do elevador ou da escada). O edifício pertencia, então, à Fidelidade Mundial Seguros. Cheguei na portaria, mostrei os rascunhos do livro e pedi para subir. O porteiro, Fernando José da Costa Araújo, respondeu sem nenhuma simpatia

‒ Não tenho autorização para deixar o sr. dr. subir.

‒ Por favor, gostaria de falar com o diretor da empresa ou sua secretária.

‒ O sr. dr. deve se dirigir à Sede.

‒ Por favor, informe o telefone.

‒ Não tenho autorização para isso.

‒ Pode emprestar (apontei) as Páginas Amarelas?

‒ Não.

Ocorre que, precisamente após sua última frase, abriu-se a porta do elevador. Bem na minha frente. Então lhe disse

– Por favor chame a polícia para me prender que, sem sua autorização, estou subindo ao quarto andar.

E subi mesmo. Para ver o Tejo brilhando, em duas janelas de seu quarto. E o sino da minha aldeia tocando, em frente, no outro lado da Rua Serpa Pinto. Pessoa lembra dele em poema famoso (sem título, sem data) que começa dizendo “Ó sino de minha aldeia”, e finda com esses versos

‒ A cada pancada tua,

Vibrante no céu aberto,

Sinto mais longe o passado,

Sinto a saudade mais perto.

“O sino da minha aldeia é o da Igreja dos Mártires, ali no Chiado” ‒ (Pessoa, carta de 11/12/1931 para Gaspar Simões, amigo e depois biógrafo). Única que conheço onde os sinos ficam não à frente, mas nos fundos. Ao sair do elevador, na volta, o segurança estava com cara de poucos amigos.

‒ O sr. dr. subiu sem minha autorização?

‒ Foi.

‒ E agora, o que hei de fazer?

‒ O sr. chama a polícia, vou sentar, esperamos e ela decide se me prende. Ou o senhor me deixa ir.

‒ Não sei, sr. dr.

‒ Eu sei.

Dito isto, lhe dei boa tarde e fui embora.

Fernando Sabino, romancista. Puxando pela memória, lembrou

– Meu pai tinha um escritoriozinho no porão e aquilo virou uma romaria. Entravam e saíam pessoas que não se sabia quem eram para pedir conselhos. E ele tinha uma espécie de sabedoria familiar muito boa. Eu lembro das coisas que dizia. Por exemplo, quando me via muito nervoso falava meu filho, as coisas são como são e não como deveriam ser. Perfeito só Deus e, esse mesmo, olhe lá.

Após o que completava

– No fim, dá tudo certo. Se não deu, é porque ainda não chegou ao fim.

Gabriel García Márquez, escritor. Está no livro O infinito num junco, de Irene Vallejo, essa história que lhe foi contada por Ana Maria Moix. Num restaurante de Barcelona chegaram Márquez, Vargas Llosa (dois prêmios Nobel), Bryce EcheniqueJorge Edwards e outros grandes escritores. Para jantar, era preciso fazer os pedidos por escrito com lápis e papel que vinham junto do cardápio. Mas a conversa era boa, o vinho muito, e esqueceram. Até que o maître, depois de esperar meia hora pelos pedidos e sem mais paciência, chegou perto deles e, com voz de ira, disse bem alto

‒ Mas nessa mesa ninguém sabe escrever?

Geraldinho Carneiro, da ABL. Na Academia Brasileira de Letras, o médico João Veiga pergunta

– O senhor é Gerald Thomas?

– Sou.

Achei graça e disse baixinho, a Veiga,

– Você está falando é com o grande jornalista Zuenir Ventura.

– O senhor é Zuenir?

– Sou.

– Afinal, quem é o senhor?

– Sou quem você quiser que eu seja, doutor.

Gilberto Freyre, sociólogo. Assumiu a Cadeira 23 da Academia Pernambucana de Letras em 28/10/1986. Leu o Discurso de Posse, com mais de 100 páginas, não em pé, no púlpito, como é usual; mas sentado, na mesa onde ficam as autoridades. Em sequência, viria o Discurso de Recepção. A ser feito por seu mais íntimo amigo, o sonetista parnasiano Waldemar Lopes. Quando Lopes acabou de saudar as autoridades, e iria começar sua fala, Gilberto agarrou o microfone do presidente e disse

– Acaba logo com isso, Waldemar, que minha bunda está doendo.

Honoré de Balzac, romancista francês. O Brasil era precioso, para ele, porque “o brasileiro gosta de rir”. Tanto que, na Comédia humana, citou nosso país 22 vezes. E à sua amada, condessa Hanska, disse em carta (de 1840)

‒ Creio que deixarei a França e irei levar meus ossos ao Brasil, num empreendimento louco e que escolhi justamente por causa de sua loucura.

Humberto Werneck, cronista (e contador de histórias). Ligaram para sua casa

– Alô, senhor Humberto?

– Sim, quem fala?

– Senhor Humberto, aqui é do Lar do Idoso.

– Aqui também.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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