José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
Edição Scriptum
Mais conversas, hoje só os cemitérios e afins, em livro que estou escrevendo.
BLAISE PASCAL, filósofo. Cristão assumido, no leito de morte, um amigo disse
‒ Você, finalmente, irá encontrar o Pai.
‒ E tomara que eu esteja certo.
EÇA DE QUEIROZ, escritor. Em Túmulos, disse
‒ Durante a vida o egípcio tendo por pensamento, por consciência, por fim supremo do ser a ideia da morte, construía casas de barro e túmulos de granito!
FELIPA ALMEIDA MENDONÇA, jornalista. Começou entrevista, ao jornal Público, dizendo
‒ O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem.
O que lembra belo soneto do frei António das Chagas (António Fonseca Soares), no Século XII, Conta e tempo
‒ Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas como dar, sem tempo, tanta conta
Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta.
Não quis, sobrando tempo, fazer conta
Hoje, quero fazer conta, e não há tempo.
Oh vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta.
Pois aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo…
FERNANDO PESSOA, poeta. Em caderno de viagem (hoje guardado com zelo) está texto inédito seu que começa dizendo
‒ Cada palavra dita é a voz de um morto.
* * *
E, em O marinheiro, disse
‒ Por que é que se morre?
Talvez por não se sonhar bastante.
GEORGES CLEMENCEAU, presidente do Conselho da França na Primeira Guerra. Um jornal belga noticiou sua morte. Clemenceau respondeu, a seu editor,
‒ Li no jornal, que Vossa Excelência tão superiormente dirige, a notícia de minha morte. Como é uma fonte geralmente bem informada, tenho de concluir que deve ser verdade. Sendo assim, e estando agora no outro mundo, não necessito mais da leitura de seu conceituado jornal e por isso peço-lhes a fineza de riscar meu nome da sua lista de assinantes.
HENRIQUE DE RESENDE, advogado. No Cemitério de Cataguazes (MG) está esse epitáfio, em seu túmulo, escrito pelo próprio
‒ Contra sua vontade, bem se entende,
Sempre amando a vida como outrora
Aqui repousa Henrique de Resende
Que preferia repousar lá fora.
INSCRIÇÕES TUMULARES. Seguem algumas de pessoas famosas
* CONAN DOYLE. No Cemitério de Minstead (Inglaterra)
‒ Verdadeiro aço. Lâmina afiada.
* DOROTHY PARKER, atriz americana. Disse à revista Vanity Fair, em 1925, qual seria seu epitáfio
‒ Desculpe a minha poeira (o meu pó).
* EDGAR ALLAN POE. Na parte de trás do cemitério de Westminster (Estados Unidos), uma referência a seu mais famoso poema
‒ Disse o corvo, nunca mais.
* EVITA PERON. No cemitério da Recoleta (Buenos Aires), longa citação que começa dizendo
‒ Não chores por mim.
* FRANK SINATRA. No Desert Memorial Park da Califórnia (Estados Unidos)
‒ O melhor ainda está por vir.
* KARL MARX. No Cemitério de Highgate (Londres)
‒ Os filósofos têm interpretado o mundo de várias maneiras. O ponto, contudo, é mudá-lo.
* STHENDHAL. No Cemitério de Montmartre, Paris (França), está o que escreveu para ser posto em seu epitáfio
‒ Escreveu, amou, viveu.
Na verdade queria também que constasse, e não foi atendido, “adorava Cimarosa, Mozart e Shakespeare”.
* WILLIAM SHAKESPEARE. Na Igreja da Santíssima Trindade, em sua cidade natal Strafford-upon-Avon (Inglaterra)
‒ Abençoado seja o homem que poupar essas pedras e maldito o que mover meus ossos.
Por fim, não está no seu túmulo mas foi a última frase que disse HUMPHREY BOGART,
‒ Nunca deveria ter trocado scotch por martini.
LULA ARRAES, médico (e filho do governador Miguel Arraes). Anotou esse epitáfio escrito por um poeta de Timbaúba (Pernambuco)
‒ Aqui jaz
Para seu deleite
Sebastião Uchoa Leite.
MANUEL BANDEIRA, poeta. Escreveu esse Último poema
‒ Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
E a paixão dos suicidas que se matam sem explicação.